O fim de um ciclo. O início de outro.

Fotografia: João L. Maio

Catarina Martins deu muito à esquerda portuguesa, fez crescer o Bloco de Esquerda (BE) como este nunca tinha crescido antes. Merece, portanto, todos os elogios dos democratas e dos militantes e eleitores do BE.

Perseverante, estóica e delicada, Catarina Martins deu um novo rumo ao BE e um novo rumo à esquerda. Colocou o BE no lugar onde este deve estar: perto das decisões que influenciam a vida das pessoas. Obrigou o Partido Socialista a pôr-se de joelhos, duas vezes. É verdade que, em certas alturas, se aproximou (ou quis aproximar) demasiadamente do poder, mas também é verdade que foi essa aproximação que amedrontou o PS e o obrigou a apostar as fichas todas na maioria absoluta, que hoje é mais empecilho do que virtude para os social-liberais do Largo do Rato. E é, também, graças ao trabalho de Catarina Martins enquanto coordenadora do BE que o PS, quando fala para dentro, tenta ser uma espécie de BE 2.0; enquanto que, quando governa, se mostra como uma espécie de PSD+IL.

Segue-se, presumivelmente, Mariana Mortágua na liderança do partido. Está preparada, ou não estivesse a ser preparada para o lugar há vários anos. Traz consigo a bagagem acumulada da experiência enquanto figura de proa de Comissões de Inquérito e carrega consigo a empatia de muitos dos que se revêem na esquerda à esquerda do PS como uma solução credível para o futuro do país.

Na imagem, Catarina Martins olha em frente, encara o futuro do Bloco onde estará Mariana Mortágua, que na imagem olha para trás, encarando os milhares que a acompanham e torcem por ela. A Catarina Martins, o meu mais profundo obrigado. A Mariana Mortágua, toda a força.

Somos muitos, muitos mil, para continuar Abril.

Mandem carta

Foi enquanto lia uma compilação da correspondência entre dois autores que comecei a pensar: “Ah, bons tempos!”, o que nunca augura nada de bom, é certo. Mas reparem: a carta chegava, quase sempre a horas previsíveis, e podia ser aberta de imediato ou guardada para momento mais oportuno. Guardá-la podia ser, aliás, mais saboroso do que lê-la. Talvez a psicologia ainda não insistisse na importância de adiar a recompensa, mas isso já se praticava.

A carta até podia ser lida nada mais chegasse, mas não se lhe responderia de imediato, a não ser que se tratasse de uma urgência ou de uma fase ainda febril do enamoramento. A resposta ficaria para daí a uns dias. Até lá, ia sendo amadurecida, sopesava-se o efeito desta ou daquela frase. Quando chegava o dia da resposta, voltava a ler-se a carta. Descobria-se, talvez, que se tinha treslido alguma passagem, interpretado mal o sentido de uma frase. Escrevia-se um rascunho de resposta, ocorria-nos uma frase espirituosa, passava-se a limpo. Daí a duas semanas, chegaria a resposta. Uma zanga exigia absoluta intencionalidade de pelo menos um dos interlocutores.

Compare-se isto já não com o email, cada vez mais soterrado em spam, mas com o Whatsapp. Sem ter contribuído em nada para isso, a não ser por possuir um telefone e não viver num eremitério, damos por nós a integrar uma infinidade de grupos de contactos: os amigos de X, a turma de Pilates, os pais do 7º B, os condóminos do prédio, os comensais do jantar de aniversário de Y, aqueles que uma desconhecida Kikas reuniu para enviar felicitações de Ano Novo porque teve preguiça de enviar uma mensagem de cada vez. [Read more…]