O projecto europeu está moribundo e recomenda-se cada vez menos. Refém de burocratas pagos a peso de ouro, alguns deles não sufragados e controlados pelos interesses das principais praças financeiras e grandes corporações, esse sonho que dá pelo nome de União Europeia já viveu melhores dias. A crise das dívidas soberanas de países que há muito perderam boa parte da sua soberania e consequente imposição de planos inúteis de austeridade cega, verdadeiros atentados ao crescimento da periferia e à sustentabilidade das próprias dívidas, veio aprofundar ainda mais o fosso entre as duas Europas que, desde o início, era sabido, sempre andariam a velocidades diferentes. O ressuscitar dos velhos fascismos, da Hungria à França, a ameaça do Brexit, com a qual Bruxelas lida com uma condescendência sempre negada aos desgraçados do sul, a crise na fronteira a leste e a incapacidade de lidar construtivamente com a vaga de refugiados sírios são sinais de que algo não está bem com a construção de uma união cada vez mais desunida. O risco de fragmentação é iminente e já poucos o conseguem negar. [Read more…]
A voz de Sócrates: a morbidez que a direita adora
Imaginava eu que José Sócrates estivesse politicamente defunto ou, pelo menos, em estado de morbidez profunda. Iludi-me. O homem, incapaz de assumir os danos infligidos aos portugueses, perfilou-se de súbito na boca de cena, no refúgio parisiense em que se albergou, declamando em tom pseudo-pedagógico:
A minha visão é esta, para países como Portugal e Espanha, agora é preciso pagar a dívida é uma ideia de criança…as dívidas dos países são por definição eternas…
A desastrosa intervenção dispensa comentários, porque já contém, em si, os ingredientes que a qualificam. Todavia, há a considerar as consequências para a dialéctica e a retórica no ambiente político nacional. Na hora, em que os portugueses são castigados com duras medidas de austeridade, a voz de Sócrates, remendada por esta desajeitada explicação, é um precioso activo que a direita no poder arrecada e com que se delicia.
A voz de Sócrates é, pois, a morbidez que a direita adora. Enquanto servir de tema central, esquecem-se os aumentos das taxas de moderadoras na saúde, o agravamentos dos impostos, a captura dos subsídios de Natal e de férias e mais o que está para vir, segundo se depreende da entrevista de Passos Coelho à SIC.
Só um pedido: “Cala a boca Zé Sócrates! Os teus disparates, mesmo de Paris, ainda fazem mossa.
O itinerário da troika
Depois de Atenas, Dublin. A seguir Lisboa. Independentemente dos problemas de usura , o Sol e os suaves fins de tarde lisboetas são mais aconchegantes do que o ar cinzento de qualquer cidade do norte europeu. Natural, portanto, que os nórdicos da troika prefiram o ambiente amistoso do Sul aos plúmbeos ares nortenhos. Até porque estes problemas sociais, alheios aos interesses financeiros, não os comovem.
O rumo da rota, na lógica de factores climático-sociais, funda-se em outras motivações. Sinteticamente reduzidas pelo libelo países periféricos. Como quem diz suburbanos para, de forma diplomático-hipócrita, não lhe chamar marginais – no sentido puro da definição de marginalidade, i.e., parte do tecido social económica e politicamente excluído. No fundo, os muitos que a sociedade convencionou discriminar em nome de minoritários interesses, em submissa obediência a normas de ganância de poderosos.
Um a um, os tais países periféricos, na lógica referida, são naturalmente delinquentes e marginais. Constituem o grupo visado pela troika (FMI-CE-BCE), que actua em obediência às ordens dos chefes supremos. Mas, em simultâneo, esses países ocupam os espaços mais aprazíveis para se trabalhar em dias soalheiros. De facto, se o critério fosse a dimensão da dívida, então o itinerário seria, por exemplo, aquele que o quadro seguinte, interpretado a rigor, justificaria:
País da Zona Euro | População | Dívida em USD (biliões) | Dívida em Euros (biliões) | Dívida ‘per capita’ € |
Bélgica | 10.500.000 | 1.354 | 933 | 88828,53 |
Espanha | 45.100.000 | 2.313 | 1.593 | 35328,26 |
França | 63.800.000 | 5.002 | 3.446 | 54006,51 |
Grécia | 11.100.000 | 504,6 | 348 | 31314,64 |
Irlanda | 4.200.000 | 2.312 | 1.593 | 379194,18 |
Portugal | 10.600.000 | 484,7 | 334 | 31498,53 |
Outros países poderíamos acrescentar, mas fiquemos por aqui. Bruxelas e Paris, nesta época, estão longe de oferecer os fins-de-tarde de ‘bocadillos y mirar las golfas’ e, por conseguinte, Madrid poderá ser a próxima anfitriã da troika. Prevalece o valor do Sol e do Sul sobre a dívida e o Norte.
Merkel a forçar a intervenção do FMI em Portugal
Não é propriamente novidade. Há muito era conhecida a falta de solidariedade de Merkel com os parceiros do euro, endividados. É mais um exercício do macabro nacionalismo alemão. Desta vez, de carácter económico-financeiro. No caso de Portugal e da Grécia, começou com a negociata de submarinos e outros equipamentos de guerra; agora é a fase de submissão ao capricho da rejeição alemã de duas medidas cruciais para as finanças do grupo de países em dificuldade:
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Recusar a emissão de obrigações de dívida pública pelo BCE, proposta pelo presidente do Eurogrupo, o luxemburguês Jean-Claude Juncker;
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Declinar o aumento do fundo de resgate para proteção do euro, ao contrário do aconselhado documentalmente pelo presidente do FMI, o francês Strauss-Khan.
Estes atos inflexíveis de Merkel e seu governo estão a compelir a queda de Portugal nas teias do FMI, entrando, desse modo, em prolongada recessão económica. Como, de resto, outros países impossibilitados de se furtar à nefasta intervenção daquela instituição – apenas o decrépito Medina, Mário Crespo e uns tantos companheiros de aventuras escatológicas creem no contrário. [Read more…]
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