Entre *caceiteiro e qu’azeiteiro

há um contraste de vozeamento. Direis que *caceiteiro não existe. Existe, sim, garanto-vos. Esteve aqui. Hoje. No Aventar. E é palavra candidata a Palavra do Ano 2023. E só tenho direito a um terço do prémio.

Como um arco-íris

Somos as coisas que moram dentro de nós. Por isso há pessoas que são bonitas. Não pela cara, mas pela exuberância do seu mundo interno. Há a estória da linda princesinha que foi enfeitiçada e, sempre que abria a boca, dela só saíam cobras, sapos e lagartos. Algumas pessoas, quando falam, delas sai um arco-íris.

(Rubem Alves, Do Universo à jabuticaba)

As palavras

(Adão Cruz)

 Tenho muito respeito pelas palavras e pela verdade nuclear que as constitui.

Tenho muito medo de poder esvaziá-las ou atraiçoá-las.

As palavras, elas mesmas, têm necessidade de serem ditas, senão não passam de palavras, e eu tenho necessidade de as saber dizer, senão não passo de mero dizente.

Por outro lado, se as palavras têm um sentido para aquele que as diz ou escreve, podem não o ter para aquele que as ouve ou as lê.

O conceito de sentido é fundamental na comunicação. [Read more…]

As palavras estão gastas

(ilustração de Manel Cruz)

As palavras estão gastas estão gastas as palavras.

Mesmo gastas as palavras são olhos de distância e água as palavras são sopros de horizonte as palavras são bonitas são bonitas as palavras ditas e não ditas.

São boas as palavras por dentro e por fora mesmo as palavras más. [Read more…]

Palavras difíceis de prender

A minha mania de guardar recortes de jornal.
Este é do Público (11 dezembro 2010) e refere-se ao poema que Liu Xiaobo escreveu no cárcere na véspera da entrega do Prémio Nobel da Paz. Não o deixaram ir a Oslo, mas nem por isso deixou de «gritar» e fazer-se ouvir. No jornal lemos “Mas as palavras são mais difíceis de prender, e Liu conseguiu fazer chegar ao exterior um poema inédito”!
Ficam aqui essas palavras de um homem que diz não possuir nada e, no entanto, é Prémio Nobel da Paz (é tudo)…
Experimentando a Morte [Read more…]

Adeus, até logo, até à próxima ou um problema de expressão

Por causa deste post dei-me a pensar na fórmula de despedida “adeus”. Raramente digo adeus. Prefiro um ‘até à próxima’, ‘até logo’, um simples informal ‘inté’ e um informalíssimo ‘xau’… Nesse aspecto acho que o ‘au revoir’ francês (que também usam o ‘adieu’) ou o ‘goodbye’ inglês têm mais sentido. Soam mais ligeiros e não contém uma certa carga negativa que, mal ou bem, atribuimos ao ‘adeus’.  A culpa não é da palavra, apenas da forma como interpretamos o seu significado.

Adeus!

O ‘adeus’ soa mais distante, como algo definitivo, embora na realidade seja uma recomendação. Estamos a recomendar ‘a Deus’ que acompanhe a quem nos dirigimos, ao mesmo tempo que encomendamos essa pessoa ‘a Deus’. Que tudo te corra bem, se Deus quiser. Vai com Deus.

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Quase nuas

(adão cruz)

Quase nuas quase silêncio as palavras quase música fendem como lâminas as sombras dos dias ocultos.

Quase nuas quase silêncio as palavras quase música dizem a quem as ouve que há sol para lá da chuva.

Quase nuas quase silêncio as palavras quase música são água de quem as lê nas entrelinhas da secura.

Quase nuas quase silêncio quase cor as palavras quase música dizem a quem as sente que não há forma de ser por fora das palavras nuas.

Palavras velhas e gastas

As palavras estão gastas, estão gastas as palavras. Mas há pessoas que têm sempre dentro de si uma permanente sensação de paisagem. Pode ser o Universo, uma floresta, um rio ou um sorriso.

Mesmo gastas, as palavras são olhos de distância e água, as palavras são sopros de horizonte, as palavras são bonitas. São bonitas as palavras ditas e não ditas.

São boas as palavras, por fora e por dentro, mesmo as palavras más, para ver e falar com a paisagem, sobretudo se não somos capazes da poesia de Grieg numa Canção de Solveig, ou da melodia de Smetana nas ondulações do Moldava.

Mesmo gastas, as palavras gastas ainda têm dedos, olhos e lábios.

Eu ainda acredito nas palavras velhas e gastas.

Mesmo gastas, puídas, sem cor, são elas que dão a tangência da música e acendem as noites com unhas de fora.

Não matem as palavras gastas, velhas, assim sem mais nem menos, não deitem fora as palavras velhas, até que me ofereçam, no dia em que ficar mudo, uma caixa de palavras novas.

Foi-se o encanto

Foi-se o encanto

 Muito difícil é desembarcar, digo eu que nunca fui marinheiro. Não consigo acostar o barco. Há sempre uma onda e outra e depois outra. Mesmo que o mar esteja manso, ou se é da terra ou se é do mar.

 No dia em que eu voltar e vir a figueira com figos e a erva a crescer no merujo reluzente de prata das noites de luar, no dia em que eu voltar, vestido de ilusão, a olhar o mar e acreditar, nesse dia não chames por mim.

 Mata-me a memória e a história, não deixes que viva uma hora descrente ou indiferente. São duras as horas e os minutos das palavras descrentes, indiferentes, alheias, adiáforas, frias, incuriosas, passivas. Uma espécie de árvore seca sem frutos nem sementes. Um vento áspero que perpassa por entre os dedos dormentes. É cruel a falta de palavras. São dolorosas as palavras indiferentes.

 Na cegueira dos olhos sumidos de chorar sem lágrimas a noite ruidosa dos segredos, não há coisa mais triste do que olhar a chávena sem palavras cheias. Foi-se o encanto, e a poesia não passa de um saquinho de açúcar rasgado sobre a mesa abandonada do café vazio.