Jornalismo, socialismo, capitalismo [França]

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O jornal francês Libération também procura o modelo de negócio do jornalismo do futuro, se possível sem ter de abrir um restaurante ao lado da redacção. Entretanto, o director nomeado pelos novos accionistas (mas os assalariados poderão recusá-lo com mais de 66% de votos contra) aposta tudo no digital, na redução de jornalistas e em mais trabalho para os que ficam. «Para combater o liberalismo», afirmou ontem perante a redacção inteira reunida e «fazer do Libération o jornal de todas as esquerdas» (à imagem do que François Hollande também dizia, na campanha eleitoral para a presidência que ganhou, e a que aliás o Libération prestou vergonhosa vassalagem). Sente-se a desconfiança dos jornalistas no olhar da maioria, cheira-se o medo: o medo de ir parar ao matadouro de fazer desempregados, em muitos casos para o resto da vida.

E nada de tudo o mais que disse Laurent Joffrin (para quem esta nomeação poderá constituir um regresso ao jornal onde se fez jornalista e cuja redacção já dirigiu) parece minimamente relevante, apesar de sê-lo: o combate pela recuperação da credibilidade do jornalismo, numa sociedade que, tal como a nossa, o vê com os maus olhos de quem o sabe minado por toda a sorte de compromissos anti-jornalísticos: com os poderes políticos e financeiros, com os interesses de classes particulares, com a mediocridade que incessantemente vemos espelhada num jornalismo preguiçoso e indigno de sociedades supostamente civilizadas e democráticas. E não parece relevante porque objectivamente não o é para Laurent Joffrin, uma pessoa que diz coisas apenas para dizê-las, porque ficam bem, num discurso sem qualquer eloquência e que não seria jamais capaz de improvisar em razão do vazio de ideias que o define.

Joffrin, cata-vento  sempre útil para os que em França prosseguem utilizando o jornalismo como plataforma de lançamento e entreposto para tudo e mais alguma coisa alheia ao próprio jornalismo, não passa de um lamentável elo numa cadeia que liga os investidores (como é de novo o caso dos accionistas do jornal a que se abalança agora a voltar) à classe política que os serve. Entrevistado para um documentário feito por jornalistas independentes quando dirigia ainda a redacção do Nouvel Observateur, declarou com descontraída certeza que os valores de esquerda não são incompatíveis com a economia de mercado tal como a conhecemos: desregulada por omissão política e responsável pela desigualdade extrema que actualmente atinge os povos europeus.

É assim natural que o eventual regresso de Joffrin não colha entusiastas entre os jornalistas da redacção do Libération, nem anuncie nada que não conheçam já. É tudo velho e decadente, como os valores que movem Joffrin pelos caminhos enviesados do jornalismo que agora o trazem de volta ao falido Libé – ou ex-falido, já que parte substancial das dívidas foram já sanadas mediante a utilização de uma parte do novo capital accionista, estimado em 18 milhões de euros (resgate com origem, entre outros, num grande operador de telemóveis).

E no entanto, se Joffrin representasse  interesses consequentes no que ao jornalismo e aos «segmentos das esquerdas» diz respeito, bastaria colher ensinamentos no projecto Mediapart, que está ao que sei a ser bem sucedido em termos do modelo de negócio, assente num jornalismo de investigação e de leitura crítica da sociedade regido por princípios éticos à prova de promiscuidades torpes, e numa informação online de qualidade, paga por leitores que anteriormente compravam jornais (e que de vez em quando não se importam de comprar as edições especiais editadas em papel e distribuídas nas bancas francesas).

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  1. […] (comprometida ou dorminhoca) deu uma entrevista ao jornal conservador Le Figaro que inflamou o jornal de esquerda Libération. O facto de Onfray ser de esquerda e defender o soberanismo parece incomodar a maioria dos […]

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