A ordem obtusa das coisas

Foto: Rui Manuel Fonseca

Foto: Rui Manuel Fonseca

A Infraestruturas de Portugal (IP) não dava que falar desde a sua festa de apresentação, em 2015, quando gastou 130 mil euros em leitão, espetadas de fruta e nos serviços de um humorista que os funcionários presentes classificaram como tendo “roçado o ordinário”. Cortesia do contribuinte, naturalmente.

Volta a dar que falar este mês ao tornar pública a intenção de despejar o sem-abrigo que vive debaixo de uma ponte, na freguesia de Geraz do Lima, em Viana do Castelo. João Dias, 47 anos, operário da construção civil desempregado, viúvo, construiu uma barraca com estacas de madeira cobertas com plásticos pretos. É lá que dorme, guardado pelos cães, Nico e Pintinhas. A casa afunda-se no lamaçal e a água já lhe teria entrado na cama improvisada se não fosse o auxílio de Luís Lima, de 75 anos, habitante de Geraz, que foi ajudá-lo a levantar a cama. Esta semana apareceu a GNR para identificar João Dias e notificá-lo da ordem de despejo. A IP quer que o sem-abrigo saia. Para onde, não é um problema seu, claro.

Não sei que incomodidade representa a barraca de João Dias debaixo da ponte de Geraz de Lima, mas a mim incomoda-me, fiquemo-nos pelo eufemismo, que uma empresa que já mostrou ser displicente no uso dos dinheiros públicos, seja tão impiedosa com um homem desesperado.

E incomoda-me a perfeição do funcionamento da coisa, cega e obtusa como a legalidade pode ser: o funcionário, ou o grupo de funcionários, que detectou o sem-abrigo, a decisão de correr com ele dali, a máquina judicial a carburar em pleno, notificação, agente da GNR, tribunais… Tanta gente, tantos procedimentos, tanta legalidade para deitar abaixo quatro estacas de madeira.

“Se me puserem daqui para fora, é para eu fazer uma loucura. Para onde é que vou se tenho aqui as minhas coisinhas todas?”

Comments

  1. tuga says:

    Sugiro que mostrem esta fotografia a todos os presidentes de Camara, a todos os presidentes de Misericórdias e Caritas que se apressaram a arranjar emprego e bons apartamentos, mobilados, para os refugiados sirios. E mostrem também aos sirios, para eles perceberem que estão muito melhor que cidadãos portugueses que já pagaram impostos.

    • O erro, quanto a mim, não está na forma como recebemos os sírios, acolhimento que, de resto, é subsidiado pela UE. O erro está no facto de não termos o mesmo respeito pelos direitos dos cidadãos que já cá residem, nomeadamente no que diz respeito ao direito constitucional à habitação. Mas já antes dos sírios apontava-se o dedo aos beneficiários do RSI, como se fossem eles a exaurir os cofres públicos…

    • Só alguém muito tacanho é que vem falar assim de quem foge da guerra, e do terror em que vivia. Querendo impor a mentira de que os refugiados nos estão a roubar alguma coisa. Talvez fosse boa ideia dar uma vista de olhos na sacanice que tem sido feita por todos os governos até agora para com o povo, e muito provavelmente vossa excelência ficou de braços cruzados, e votar, cá para mim a praia e o café são mais apetecíveis. Ou terá votado em quem pôs este e outros tantos na rua. E deixe lá os refugiados em paz que o que eles querem é uma vida digna na sua terra, apenas estão a tentar refazer a sua vida em países que lhes abriram as portas e com razão. Só temos que lhes dar as mãos, como muitos cidadãos de outros países têm feito aos portugueses que têm ido lá para fora.

  2. Ana Moreno says:

    São estas e outras que às vezes me fazem desesperar por não ter mais poder do que o de ir escrevendo umas linhas. Tinha que haver uma maneira de passar das palavras aos actos… Alguma ideia por aí?

    • Vou ali e já venho says:

      Diga que é da Síria e vá para a Alemanha e mande este país…à… isso mesmo!

  3. Zé_MR says:

    Não se trata da Síria e dos sírios, mas sim de Portugal …
    Enfim, “Ai, Portugal, Portugal
    De que é que tu estás à espera?”
    Lamentável, no mínimo

  4. pSalaberth says:

    Mais um pró mercado da caridadezinha… Até dói.

  5. Sara Pires says:

    povinho de merda que ao ver um miserável corre à procura de outro mais miserável para o culpar. São os sírios, quando não são os ciganos, ou só os pobres, que lhes roubam os restos dos banquetes dos outros.
    Que morram todinhos à fome, menos este senhor, que não tem culpa nenhuma.

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