Postcards from Canada #5

26 feels like 36, Art, Live Jazz, Cristiano Ronaldo and Spring Rolls

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Está um calor insuportável em Toronto, desde que cheguei. Um calor com excessiva humidade que torna impossível caminhar sem nos desfazermos em água. O calor agrava-se perto dos edifícios, provavelmente por causa de tanto aparelho de ar condicionado. Sei que dificilmente se sobreviveria aqui sem ar condicionado mas é estranho pensar que aquilo que nos refresca contribui também para que as ruas se tornem mais quentes.
Toronto não é por muitas razões uma cidade agradável. Quero dizer, é uma cidade agradável mas contém (como todas as cidades) muitas contradições. As obras em muitas ruas, por exemplo. Os sem abrigo nos parques e nas ruas. O mau cheiro que se sente em demasiados sítios. As ‘traseiras’ de algumas ruas principais, com os seus parques de estacionamento, os seus espaços vazios, as suas casas em ruínas ou danificadas, que são como feridas abertas na modernidade ‘clean’ que sentimos ter a cidade, ao primeiro olhar.

Hoje não tinha sessões de trabalho no congresso e por isso levantei-me um pouco mais tarde (às 8 e meia… tarde?) e decidi ir beber café ao sítio do costume – o G for Gelato. A seguir ao maravilhoso expresso, andei apenas uns poucos metros na Adelaide st East para encontrar a primeira estação de correios de Toronto, que embora seja hoje uma espécie de museu… ainda pode servir para mandar postais de Toronto à família. A visita é curta, o sítio é pequeno, além do mais. Saio da estação de correios e viro logo à direita na George st, em direção ao Moss Park onde encontro a Queen st. East, cheia de mau cheiro e pobreza, que se mantém praticamente até à estação de metro uns três ou quatro quarteirões à frente. São 11 e pouco da manhã e eu estou já cheia de calor, pelo que decido apanhar o metro.
A senhora dos bilhetes explica-me pacientemente que para ir à AGO – Art Gallery of Toronto, na Dundas st. West, devo sair em Dundas Square e apanhar o ‘street car’ número 505. O mesmo bilhete dá para as duas coisas. Assim faço. Saio na Mcaul st e eis o AGO ali mesmo à minha frente, com um desenho fantástico de Frank Gehry e uma escultura maravilhosa de Henry Moore (que tem aliás uma ala no museu onde estão expostas algumas das suas obras). Entro no museu antes do meio dia. Está muito fresco, é muito agradável, não tem maus cheiros e é obviamente clean. Gosto da arquitetura do edifício, da combinação de elementos novos e antigos. A escada de madeira no átrio principal, depois da entrada, é sublime. O museu é enorme. Vejo todos os pisos, demorando-me mais, já se sabe, nas salas com obras contemporâneas. Vejo igualmente a exposição temporária de Lawren Harris – The idea of North. Além do Ártico, Harris pintou sobretudo paisagens urbanas, especialmente em Toronto, especialmente a área onde se ergue hoje o majestoso Toronto City Hall, que mais tarde verei.
Estou no museu quase cinco horas, como qualquer coisa ao almoço, no café ali mesmo. Quando saio do museu resolvo, apesar do calor impossível, regressar ao hotel a pé. Vou assim pela St. Patricks st, até reencontrar a Queen st West. Ainda não vou a meio da St. Patricks e já me desfaço em suor e dores nos pés. Sou salva pela música, à esquina desta rua com a Queen st. Ouço jazz e olho em volta: The Rex – Jazz & Blues Bar. Ora aqui está. Há música ao vivo. Tocam os Hogtown Syncopators, de que naturalmente nunca ouvi falar, mas são bons e eu entro no The Rex e bebo uma cerveja fresquinha até o concerto acabar.
Regresso à Queen st. e ao seu calor. Percorro-a até encontrar o City Hall (o velho e o novo), numa mais ou menos bonita praça de cimento, com água e repuxos e a palavra T O R O N T O em letras grandes. As pessoas tiram milhares de fotografias com as letras, claro. Eu sento-me num banco à sombra, mas continuo a transpirar. Desconfio que arranjei até uma alergia qualquer ao calor, visto que pequenas bolhinhas resolveram aparecer-me na pele, aqui e ali. Apesar do calor e das borbulhinhas, continuo a caminhada até ao hotel, percorrendo a Bay st até ao cruzamento com a Adelaide St. East, onde entro a desfazer-me em suor. Chego ao Hotel um bocado depois e bebo um grande copo de água gelada.
O quarto está fresco. Demasiado até, pelo contraste com a rua. Mas ao princípio não é frio que sinto, mas apenas agradecimento pela imensa frescura. Fico no quarto um bocado. Combinei com o Babis e o Luís jantarmos hoje. Quando apanho o taxi, uma hora e tal depois, para ir ter com eles, o taxista (talvez paquistanês, talvez Somali, talvez do Bangladesh…) pergunta-me de onde sou. Portugal, respondo-lhe. ‘Ah, Portugal!’ – exclama eufórico – ‘how is Cristiano Ronaldo?’. ‘I suppose he is ok’, respondo eu e começamos a rir. A seguir confidencia-me que adora comida portuguesa. Eu espanto-me. Onde a come? Diz que vai muitas vezes a Little Portugal e que as porções são generosas. Explico-lhe que gostamos de comer, em Portugal, e que as porções são (quase sempre) generosas! Diz-me que adora frango assado e eu digo-lhe que também.
Little Portugal, Litte World, de facto, este. O Babis e o Luís chegam depois do taxista me deixar, acompanhados por dois colegas argentinos. Acabamos a noite em Chinatown. Não sei o nome de nenhum jogador de futebol chinês, nem sequer se há futebol na China, mas tenho um fraquinho por ‘spring rolls’.

Comments

  1. fleitao says:

    Não estou a desculpar o desleixo em que a cidade caíu ultimamente, mas as obras têm de ser feitas entre Maio e Setembro. Ponha as temperaturas que tem sofrido abaixo de zero, com muita neve e gelo, e compreenderá que não é possível ter obras ao ar livre. E compreenderá também a justeza dos locais quando dizem as quatro estações do ano cá pela terra: winter, more winter, winter again, works.
    Quanto aos sem abrigo, é uma lástima, uma chaga, uma vergonha. para país tão rico. Mas a verdade é que muitos deles não aceitam casa nem sequer papéis de identidade. Viraram completamente as costas a tudo. Em democracia, é um problema quase insolúvel. Não se pode obrigar ninguém. Mas é uma pena.
    Tenha uma boa estadia. E venha cá no inverno…

    • fleitão não estava a desconsiderar a cidade… é uma cidade grande, apenas isso, cheia de contrastes. E sim, já me tinham explicado isso do winter, more winter, winter again, works e, obviamente… as obras têm de ser feitas no verão, tal como o são na maior parte das cidades (Lisboa, por exemplo, neste momento está igualmente cheia de obras). 6 dias não são suficientes para ver tudo, para me aperceber de tudo e estes postais são apenas isto: impressões do que vou vendo e do que os sítios me vão fazendo sentir. Amanhã já me vou embora, vou ver as cataratas do Niagara, já que aqui estou seria uma pena não as ver. Depois vou para os EUA e voltarei para apanhar o avião de regresso à pátria, daqui a uns bons dias. Gostava de voltar cá noutra altura, mais fresquinha… num desses winter, more winter e winter again. Talvez cá volte um dia, sim. 🙂

  2. Ana Moreno says:

    Elisabete, please, antes de partir, podia trazer-me do Canadá a notícia de que afinal já não vão assinar o CETA? Sinceramente, era o melhor presente que nos poderiam dar e o mais relevante, de momento. Há aí algum movimento de protesto contra o CETA?
    Boa continuação de viagem!

    • Ana pois isso não faço ideia. No Congresso isso não se discutiu, pelo menos nas sessões a que fui. Também não me apercebi de outro movimento para além dos apoiantes dos Blue Jays 😉

      Obrigada!

  3. Já comentei vários aspetos deste post abaixo, quando de gelados e café. Sim, a cidade tem contrastes arquitetónicos gritantes, reconheço, algumas zonas mesmo da Queens, Dundas e outras paralelas perto de centro parecem bairros degradados, mesmo sem o serem.
    Como já disse, tenho ido mais vezes no inverno onde os sem-abrigo fugiram para Vancouver (é interessante como conseguem atravessar um continente inteiro e esvaziar as cidades do leste e encherem aquela cidade distante de sem abrigos, algo que os sociólogos deveriam estudar, o frio justifica fugir, mas a distância implica uma logística estranha para quem seria um desprotegido económico).
    Não sei se já se apercebeu, desde perto do Eaton Centre, até à CN Towers toda a cidade está ligada por uma rede comercial e de serviços subterrânea, é possível ao longo de muitas dezendas de km de corredores deslocar-se por toda a baixa sem nunca pôr o pé na rua. Pode ser claustrofóbico, mas para quem tem problemas com o calor ou o gelo do inverno uma fuga muito importante para ter uma vida fora de casa sem sofrer os condicionalismos climáticos.

    • a sério? devia ter-me dito isso mais cedo 🙂 Agora já não estou em Toronto e já não me serve de nada. Da próxima vez (se houver uma) que voltar a Toronto hei-de recordar-me dessa rede subterrânea sim. Obrigada!

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