Surma – O Silêncio como Inspiração

Francisco Sousa Barros

Cruzei-me com a Surma pela primeira vez no Walk&Dance 2017. Pelos ouvidos já me tinham passado alguns temas e fui até Freamunde com o propósito de confirmar em palco os atributos.

No fundo de uma serena e distinta viela estava montado o palco. O público foi-se sentando no chão, entre paralelos e carpetes. O ambiente, quente, de fim de tarde primaveril, com o sol a diluir-se entre as paredes das casas, começava a parecer perfeito aos primeiros sons vindos do palco. Ao fim de pouco tempo já estava completamente conquistado e passei o resto do concerto apenas a apreciar as abstratas pinceladas sonoras que aquela mulher, sozinha com a sua voz singular, no meio de guitarra, baixo, teclados, pedais, samples, ou seja lá mais o que for, ia traçando.

A realidade de Surma é aparentemente só dela, mas com o passar da actuação somos convidados a entrar e a viajar -se para isso estivermos disponíveis- naquele mundo único que estamos a ver ser criado à nossa frente.

Classificar ou adjetivar o som de Surma é reduzir a sua música e torna-se portanto um exercício que não vou continuar a arriscar. Mas posso escrever que é música saída diretamente das veias, carregada de emoções e sensações.

No final da actuação não resisti a trocar umas palavras com a criadora das telas sonoras e fui recebido com um “Olá, chamo-me Débora!”, um sorriso e um humilde “Obrigado!”. Na despedida um genuíno abraço. Fui trespassado.

Meia dúzia de meses depois, no início de Outubro, é lançado Antwerpen, o seu disco de estreia que tem rodado em loop aqui por casa.

Surma é a revelação da música nacional 2017. Que 2018 lhe traga outras longitudes e latitudes, há muito ouvido para ser conquistado por esse mundo fora.

Fica uma pequena conversa irreversível com a Débora Umbelino:

– Porque Surma? Tribo de uma mulher só? Afastada daquilo a que chamam o “mundo ocidental”? Ou nada disso?
– Porquê Surma… Optei por dar o nome Surma ao projecto porque no momento em que estava a ver um documentário na televisão, sobre tribos indígenas, o nome Surma veio logo ao de cima!
Curto e fica no ouvido! Era o que andava à procura. Mas não foi só essa a razão que me fez escolher este mesmo nome…o simples facto de ser uma tribo com costumes deveras interessantes fez-me querer ligar esse mesmo estilo de vida deles ao projecto que tinha na minha cabeça.
Não pensam nada no futuro, apenas no momento! É isso que a Surma é! … Posso dizer que sou um bocado afastada de tudo(risos).. Posso considerar-me uma rapariga hiperactiva e com um défice de atenção extremo(risos)). Mas até é saudável…não penso demasiado nas coisas e o que tiver que ser é!

– Há grandes diferenças entre a Surma e Débora? Ou são 2 faces da mesma moeda?
– Acho que a Surma é a Débora genuinamente! A Débora no dia a dia tem um bocado medo de arriscar, é tímida, um pouco isolada! A Surma veio trazer vida à Débora no geral! Complementam-se as duas.

– O que te inspira?
– Ora que boa pergunta…
Em termos musicais costumo ouvir muita muita muiiita coisa de variados gêneros ao mesmo tempo, mas quando vou para a cave compor tento abstrair-me completamente de tudo! Tento não ouvir música o dia todo para não ir atrás de algum riff ou até mesmo uma melodia semelhante!
É muito difícil fazer coisas diferentes hoje em dia, eu acho que já está tudo feito e descoberto! Mas tento ao máximo dar a minha identidade às músicas e ao projecto tentando fugir da rotina!
O que é bastante complicado!
No espectro visual…costumo ver bastantes coisas minimais de artistas nórdicos e alemães! É nesse espectro que me concentro!
Mas de um modo geral, o silêncio extremo é o que me inspira mais. Posso estar sentada na cave apenas a olhar para o tecto sem nenhum barulho e começo a ouvir coisas na minha cabeça! É estranho, eu sei! (risos)

– O Silêncio é a tua musa?
– Acho que no silêncio é que encontramos a nossa verdadeira essência, podemos defender e atacar com o silêncio! É uma arma poderosíssima!
Posso dizer que o silêncio é a minha musa, sim! É nele que encontro a minha verdadeira inspiração e é nele que me encontro verdadeiramente!
E, parecendo que não, já descobri tantos sons escondidos no meio dele! Sons que nunca na vida pensei em descobrir e mundos a que a minha cabeça me leva!

– Qual a importância dos palcos para a forma final das tuas músicas?… Perguntando de outra forma… Sentes que os palcos fazem parte do processo de composição e criação ou tudo nasce na sala de ensaios?
– Para mim, a parte de tocar ao vivo é mesmo muito importante! De um modo geral as músicas nunca saem igual quando toco ao vivo, tendo muito a ir para o improviso! Umas vezes pode correr optimamente bem como outras vezes pode correr pessimamente mal ahah mas é bastante saudável esse processo! Aprende-se muito com os erros que fazes no momento, já sabes que para a próxima não cais na mesma patetice… E muitas das minhas músicas já nasceram de riffs que improvisei no momento de um concerto! Posso dizer que é meio meio!

– O que é Irreversível?
– Boa pergunta…vou responder de um ponto de vista um pouco fora do significado em si que a palavra transmite. Acho que tudo nesta Vida tem um ponto de viragem reversível muda apenas com a maneira de pensar que tens e como a maneira como levas a vida.

Discover more from Aventar

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading