Postcards from Greece #43 (Thessaloniki)

«Valeu a pena ter vivido o que vivi…»*

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… cantava ontem a Maria da Fé, depois do primeiro brinde ao meu aniversário, no Portogalo**. Achei a circunstância adequada à ocasião, apesar de não gostar por aí além de fado. Ou melhor, eu explico, há fadistas que gosto de ouvir e letras e músicas de gosto bastante. Mas em geral, o fado só me faz sentir alguma coisa especial, quando estou fora de Portugal e o ouço assim de repente. «Valeu a pena ter vivido o que vivi/ valeu a pena ter sofrido o que sofri/ valeu a pena ter amado quem amei/ ter beijado quem beijei… valeu a pena», ora bem, pareceu-me como já disse, adequado à celebração do meu 51º aniversário. Apesar de nunca me ter sentido com uma idade específica (pode ser-se ‘ageless’?) e de sempre ter gostado muito de fazer anos, a verdade é – convenhamos, também não sou propriamente desprovida de bom senso – que já vivi mais do que aquilo que poderei esperar viver, mesmo que tenha uma vida longa. E portanto, depois do meio século, parece uma boa altura para fazer os balanços e balancetes deste fado. E concluo, pois, como no fado, valeu a pena ter vivido o que vivi, sofrido o que sofri, amado quem amei, beijado quem beijei, passado o que passei, sonhado o que sonhei, conhecer quem conheci, ter sentido o que senti, cantado o que cantei e chorado o que chorei, nos meus 51 anos sobre a terra. E acho que não é preciso dizer mais nada, embora ao extenso rol cantado pela Maria da Fé pudessem ser acrescentadas imensas outras coisas que, naturalmente, só fazem com que os meus 18 268 dias tenham valido mais a pena.

E, portanto, ali estava eu no Portogalo, em Salónica, que não é exatamente um restaurante português (embora tenha na sua carta de vinhos muitos vinhos portugueses, de todas as regiões e, sobretudo, uma variedade verdadeiramente impressionante de vinho do Porto), mas é o mais próximo que podia estar de casa e do meu país para receber as minhas magníficas convidadas para o jantar. Apesar de estarem, no momento, apenas 2 vinhos tintos portugueses disponíveis (qualquer coisa a ver com o atraso da encomenda, por causa do natal) comemos divinamente, bebemos melhor (um vinho grego produzido por uma das colegas da AUTH – o Goumenissa) e rimos-nos bastante. As minhas colegas ofereceram-me prendas e um bolo inesperado com a inscrição Xronia Polla (chrónia pollá, ou seja, à letra, ‘muitos anos’) e ofereceram-nos vinho do Porto, tal como da primeira vez que fui ao Portogalo. Os portugueses também têm ‘filoxenía’, pois então! Aliás, falei português com o dono, um grego casado com uma portuguesa, que me explicou, então, a escassez de vinho tinto nacional no restaurante. Cantaram-se os parabéns, apaguei a velinha onde se concentravam todos os meus 18 268 dias passados, com desejos para mais uns bons, espero, milhares de dias que hão-de vir e… valeu a pena, tal como valeram todos os outros aniversários que passei na vida, até agora, em muitos sítios diferentes e com muitas pessoas diferentes e, até, em uma ou duas ocasiões, sozinha.
 
À tarde tinha comprado girassóis, porque um aniversário sem eles é um bocadinho triste. Escolhi-os individualmente. O senhor fez um arranjo e perguntou: «é para oferecer?». Hesitei um segundo, apenas, e respondi-lhe que sim, que eram para oferecer a mim mesma. Riu-se e disse que devíamos oferecer sempre flores a nós mesmos. Concordei. Concordo. Especialmente se forem girassóis. Estão ali como pequenas explosões de alegria na minha casa temporária e eu gosto de olhar para eles.
 
Não é, realmente a idade que importa, embora os meus ossos me lembrem que talvez seja, mas a sensação, afinal, de que apesar disto e daquilo, do bom e do mau, do belo e do horrível, dos sonhos e dos pesadelos, do choro e da alegria, «vale(u) a pena vir ao mundo, ter nascido».
 
* o fado
** Portogalo

Comments

  1. Ana A. says:

    Parabéns!
    Que bom quando o “saldo é positivo”! Gosto muito das suas crónicas. 🙂

  2. atento às cenas says:

    parabens

  3. Pedro says:

    Parabéns, Elisabete! Só agora reparei que tinha voltado aqui. Continue a mandar as suas crónicas de Salónica, ou de qualquer lugar.

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