Fernando Venâncio
A apresentadora Cristina Ferreira terá assegurado ao primeiro-ministro alguns suplementares milhares de votos quando retoricamente perguntou: «Ai, ele era engatatão?». Estava-se no programa da dita, na SIC, com António Costa de cozinheiro e a mulher de indiscreta confidente.
Pergunta retórica, sim, mas também supérflua. Todo o político de sucesso é excelente no engatar. Porque, pensando bem, é num contínuo e descarado engate que se condensa a actividade política.
“Engatar”, um verbo feliz. Lembra todos os tipos de engrenagem, de enganchadura, de engalfinhamento. Origina-se no valor “grampo” do vocábulo “gato”. Por isso se adequa tão bem às mudanças da caixa de velocidades. A gente engata, engrena, engancha, ok engalfinha a primeira, depois a segunda, e há quem tenha assentado o rabo numa máquina que mete a sexta. Não sei para que serve, ou qual seja a sensação, mas alguma há-de ter.
Um brasileiro fica em branco com os nossos “engates”. Falarem-lhe em “sites de engate” é atormentá-lo de perplexidades. E, contudo, “engate” é gramaticalmente uma formação de primeira escolha, como deverbal regressivo que é. Eleva o trivial “engatar” ao patamar da abstracção. Pede um tirar de chapéu, e ao menos uma vénia.
Só que o brasileiro vinga-se sem esforço, e com algum gozo íntimo, com a sua “paquera”, a sua “paqueração”, a sua arte de “paquerar”, tão treinada que chega a parecer natural. E aí somos nós que ficamos de olhar de espanto.
Até sermos chamados à realidade, com o instrutor a lembrar pela enésima vez que, para ultrapassar, importa reduzir a mudança, estimular a rotação, aumentar controladamente o embalo à viatura. «Engate a terceira, já lhe disse».
É verdade, senhor instrutor. Mas isso é alta ciência, e já mete gataria a mais para um espírito simples. Que é aquilo, afinal, que sei ser bem. E que me permite engatar uma primeira, com sorte uma segunda, mas só por grande milagre a terceira.
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