EUA contra Huawei, a batalha do monopólio

A administração norte-americana baniu a Huawei dos EUA, interditando simultaneamente as empresas norte-americanas de exportarem tecnologia para esta empresa.

Além do bloqueio no território americano, a medida tem impacto global e os efeitos sentir-se-ão em breve. A Google anunciou que as suas aplicações e serviços, tais como Gmail, Maps, YouTube e outros, não poderão ser usados em futuros modelos dos telemóveis Huawei. Idem para actualizações de segurança. A Intel também anunciou restrições às suas tecnologias. E o mesmo se passará com todas as empresas americanas que exportem bens e serviços.

Depois de falhada a operação de trolling sobre os europeus, era claro que a administração de Trump não iria desistir de exercer o seu poder. O gigante chinês tem vindo a ganhar terreno em diversas áreas, como o 5G, infraestruturas e telemóveis, sendo actualmente a maior ameaça ao domínio de diversas empresas americanas, tais como a Cisco, Apple e Google (nos telemóveis).

Os EUA não estão apenas a decidir sobre a sua soberania. Se fosse esse o caso, teriam apenas interdito a operação da Huawei no seu território. Ao alargar o embargo à exportação de tecnologia, sabem perfeitamente que estarão a interferir no mercado global e nas decisões de outros Estados. Esta guerra comercial levanta sérias questões sobre a relação económica de todo o mundo com os EUA.

A Europa tem dormido à sombra da tecnologia americana mas é claro o risco associado a esta estagnação. Mesmo para a indústria americana, esta medida é uma má notícia. Por exemplo, há uma tendência para a indústria automóvel usar Android no computador de bordo do carro. Só um gestor distraído é que ainda não viu o risco que é entregar uma parte do seu produto aos humores de um país sobre o qual não tem influência.

Muito do crescimento americano se tem devido a alguma separação entre Estado e economia, com a crença generalizada de que os americanos não colocariam em risco os seus negócios. Como se demonstra, era uma questão de tempo até que indivíduo com um ego maior do que ele mesmo agisse de forma contrária.

Comments

  1. Fernando Manuel Rodrigues says:

    O Android é “open source”, baseado em Linux (que não é americano). Logo, não é uma “tecnologia” da Google.

    Aliás, a Huawei já veio dizer que tem preparada uma versão própria. Ou eu me engano muito, ou isto vai acabar por ser (mais) um tiro no pé por parte dos EUA.

    E as empresas americanas têm muitas outras cpncorrentes com que se preocupar. Desde logo a LG, que tem vindo a ganhar terreno aceleradamente. E depois a Xiaomi, que já é uma das empresas de top.

    O que seria bom seria os estados europeus começarem a obrigar a multinancionais americanas (nomeadamente a Apple) a pagar os impostos que devem.

    • j. manuel cordeiro says:

      O Android é open source, mas os serviços da Google não o são (play store, YouTube, maps, Gmail, etc ). Idem para as actualizações de segurança. A Huawei tem vindo a preparar-se, sim. Mas a questão é se os europeus estarão interessados em comprar um telemóvel sem os serviços da Google.

      • Fernando Manuel Rodrigues says:

        Não estou assim tão certo que o embargo se aplique nessa situação. Esses serviços estão acessíveis a qualquer utilizador, e são fornecidos numa base de utilizador individual, não como serviço específico do Android. Nem sequer estão ligados ao Android – estão acessíveis em qualquer SO.

        Não estou bem a ver como é que a Google os irá embargar (a não ser que coloque alguma detecção específica para o futuro sistema operativo da Huawei, mas certamente aparecerão formas de contornar isso).

        E vamos a ver quais serão as medidas de retaliação da China. Se quiserem retaliar, as multinacionais americanas levam uma pancada valente.

    • Carlos Almeida says:

      Em termos de smartPhones, a Xiomi está a crescer muito e se calhar mais depressa que a Huawei e a preços mais acessíveis.
      Mas estas são as mais conhecidas. Há centenas ou milhares de novas marcas de telemóveis na china a aparecerem todos os dias. Vasta dar uma espreitadela no AliExpress.
      Quanto ao Android os chienes são peritos em copiar. Se copiaram o Windows do gang do Bill, tambem fazem uma versão própria do Android

  2. A União Europeia não tem peso técnico e financeiro para ter a sua 5G. Ficará portanto sempre dependente de uma introdução de esta tecnologia ou via EU da América ou via R Popular Chinesa. Ou nenhuma.

    O problema principal não é económinco/financeiro. Os pequeninos são sempre pequeninos.
    O problema é a Segurança Nacional de cada Pais, e da própria União Europeia.
    Já hoje é possível “gelar” “subjugar” um País com a presente tecnologia !!! de telecomunicações.
    O smartfone de polícias, médicos, bombeiros, políticos, forças militares, jornalistas …, podem ser selectivamente desactivados.
    Comparando, a greve dos transportes de substancias perigosas parece um passeio no parque.
    Só funcionam as comunicações ou de quem os Chineses querem ou de quem os EUA querem.
    E não há Sirespe que nos valha. Para ninguém!!!.

    Não se percebe uma opção pelo perigo amarelo. Será o usual ódio anti-EUA, simplório, absolutamente simples?. Ou comissão publicitária?.

    • j. manuel cordeiro says:

      A Nokia distraiu-se um bocado, mas não é de descuidar o seu papel no 5G.

      “O smartfone de polícias, médicos, bombeiros, políticos, forças militares, jornalistas …, podem ser selectivamente desactivados.”

      Quer explicar isto? Selectivamente? Como?

      A opção do perigo amarelo é a mesma do perigo americano ou do perigo vindo de qualquer outro monopólio.

      Para vir com as insinuações que faz no último parágrafo, vejo que não terá lido a série sobre o 5G.
      https://aventar.eu/tag/huawei-usa-boycott/
      Por exemplo, lá se demonstram as tácticas de espionagem da NSA e as backdoors da Cisco. Essas são reais. Também se explica que dois fornecedores é sempre melhor do que um fornecedor.

      Está tudo documentado. Mas ler dá trabalho, compreendo.

      • Carlos Almeida says:

        Caro Sr Cordeiro

        “A Nokia distraiu-se um bocado, mas não é de descuidar o seu papel no 5G.”
        A Nokia, empresa importante na segunda geração dos telemóveis, pertence neste momento ao “gang do bill”, vulgo Microsoft.

        Quanto aos smartphones ou tem firmware da Apple, que é americana e conhecida há muito tempo por ter portas do cavalo para causar obsolescência prematura e artificial dos equipamentos mais antigos, para os cliente comprarem novos ou a alternativa é o Android também americano.

        Os chineses se quiserem vender hardware, vão ter que arranjar um firmware parecido ou mesmo um clone do Android. No hardware, vão rebentar com a concorrência, mas no firmware vai ser o problema. A google aprendeu com o gang do Bill, que permitia a pirataria do windows para uso domestico, a calcular que depois as pessoas teriam mais facilidade a usar esse SO nas empresas, que era o que lhe interessava.

        • j. manuel cordeiro says:

          A Nokia é muito mais do que a divisão de telemóveis que Microsoft comprou há tempos e que já vendeu.
          https://networks.nokia.com/5g/5g-first

          O firmware não é um problema para a Huawei (desenvolveram a sua própria alternativa baseada no AOSP). Já a disponibilidade de chips é outra conversa, sendo que a empresa comprou stock a contar com esta movimentação (dizem que dá para 3 meses).

          O real problema está nos serviços da Google. Quem é que quer um telemóvel, hoje em dia, para fazer chamadas? E mesmo que se possam continuar a instalar à mão, a incerteza terá o seu peso no momento da compra.

  3. Caro JM Cordeiro. Porque li, e apreciei, os seus textos é que acho valer a pena trocar pontos de vista consigo, sobre este importante tema.
    Intrigou-me que alguém tão bem documentado consiga tomar partido por uma dos lados. É uma decisão política ou técnica?.
    A integridade de um analista é o seu capital.
    Afinal ambos, EUA e RPC, repito, ambos, uitlizaram no passado e vão utilizar no futuro (por muita caricata negação) este meio em benefício próprio. Ambos usam a abusam: espionagem comercial, política e militar. “Why not”?.

    Talvez não tenha sido claro, mas procurei assinalar que nós, Portugal e a União Europeia estamos, nesta tecnologia, à mercê de ou os Chineses ou os EUA … ou dos dois.
    Mas mais grave: em caso de conflito militar … para bom entendedor.

    Ps. Como bem sabe os processador (desde o nosso samart ao mais sofisticado main-frame) cotêm código operacional, “escondido”, á disposição do desenhador do circuito.
    Pergunte aos israelitas qual será a decisão deles sobre a tecn. 5G.
    Cordialmente, NS

    • j. manuel cordeiro says:

      Quando escrevi a série de posts sobre a Huawei, foi num exercício de contraditório face ao tom generalizado da imprensa, a qual repetia de forma acéfala as teses dos EUA. O que pretendi demonstrar é que o lado norte-americano não era um santuário e que a motivação era económica.

      Talvez lhe tenha escapado esta parte «Em poucas palavras, os europeus podem escolher por quem querem ser espiados. E a liberdade de escolha é um princípio bem forte forte, pelo menos teoricamente, para os americanos. Não pode ser uma coisa má, certo? A Europa está na crista da onda quanto à implantação do 5G e deve trabalhar para manter esta vantagem, passando por cima das pressões políticas vindas do aliado americano.» https://aventar.eu/2019/03/25/por-tras-das-palavras-huawei-cisco-5g-nsa-e-os-eua-6-conclusao

      Ou esta «É claro o perigo [que] representa a Huawei como fornecedor de equipamentos de telecomunicações. Não é algo exclusivo desta empresa. Na verdade, é um risco associado a qualquer fornecedor de equipamentos de rede. Dado o acesso directo aos dados das redes de telecomunicações, qualquer interferência nestes equipamentos conduz ao acesso imediato a tudo o que nelas circule. Se isso significa que se possa extrair informação relevante, já é outra história, pois os dados podem circular encriptados. Dada a criticidade destes equipamentos, o seu fornecimento às empresas de telecomunicações está habitualmente sujeito a apertadas auditorias de segurança. A Huawei não há-de a excepção no procedimento.» https://aventar.eu/2019/03/23/por-tras-das-palavras-huawei-cisco-5g-nsa-e-os-eua-4/

      Os europeus só têm a ganhar por terem opção escolha. Os americanos não estão a gostar… paciência, que se habituem.

      Os israelitas fazem a escolha porque uma questão de estratégia económico-militar. Os europeus não a têm que fazer. O mais certo é os chineses fazerem o mesmo que os americanos, que é espiarem quem podem, tal como se demonstrou extensivamente aqui https://aventar.eu/2019/03/24/por-tras-das-palavras-huawei-cisco-5g-nsa-e-os-eua-5. Por isso, é fundamental a auditoria aos produtos usados nas infraestruturas telecomunicações, venham eles de onde vierem.

      Uma coisa é certa, dos EUA já vimos o que é que a NSA faz mas do 5G da Huawei, que ainda nem está em operação, nada se viu por enquanto. Não é que não se venha a ver, mas o país que anda por aí a falar de espionagem já mostrou o que é que vale.

      O que nos leva, novamente, à questão central. Não por causa da segurança que os EUA e a China estão a travar esta guerra. É sim por causa do domínio económico sobre o 5G, onde os EUA podem vir a perder o domínio mundial sobre as telecomunicações (e com isso, perderem o acesso às backdoors plantadas pela NSA). Sim, a China fará as vezes da NSA. Mas, novamente, para os europeus, tanto faz. Claro que para os americanos é diferente. Até agora, eles espiavam-se a si mesmos, cenário que mudaria com a entrada da China nas telecomunicações americanas. Para eles, o cenário é novo e faz sentido defenderem-se no seu território. Já o périplo europeu e as medidas com impacto mundial não são para se defenderem, mas sim para manterem o poder.

  4. j. manuel cordeiro says:

    Um artigo que vale a pena ler:

    For the U.S. and China, a Technology Cold War That’s Freezing Over

    https://www.nytimes.com/2018/03/23/technology/trump-china-tariffs-tech-cold-war.html?module=inline

  5. Fernando Manuel Rodrigues says:

    Confunde “firmware” com sistema operativo. E o Android é software livre, baseado em Linux (ao contrário do iOS) pelo que a Google não pode barrar a sua utilização. E também duvido que a Google possa /ou sequer queira) criar barreiras à utilização do Google Play, que pode ser acedido a partir de qualquier sistema operativo.

    Ou seja, as supostas “dificuldades” em termos de software são bastante exageradas. E não nos esqueçamos que a China tem muito programadores de top, actualmente.

    A principal dificuldade da Huawei (essa sim, real) residirá nos chips.

  6. Um pouco tarde mas ainda a tempo.

    Será que o papagaio loiro ponderarou que a China tem no seu território cerca de 90% de terras raras?

    https://www.resistir.info/

  7. Os EUA são contra , tal como foram no passado contra Toshiba, tendo como alvo o Japão emergente. Na altura puseram taxas aduaneiras de 100%.

  8. “…And Rui Oliveira, a 45-year-old Portuguese multimedia producer, met with Huawei in 2014 to pitch them the idea of a camera attachment to smartphones. After being told “we’ll talk later” by Huawei execs, he was asked by a friend three years later why the Chinese tech giant was “selling his camera”.

    And indeed, it appeared they were. Huawei’s camera was identical to his – and being sold at the same $99.99 price point he had pitched. “I felt robbed,” Oliveira said.”
    … Há muito mais.
    A Huawei durante anos plagiou manuais circuit-boards, com os erros do original e tudo.
    Não admira que tenha preços fantásticos.
    Mas o problema principal é segurança, sua, minha e de todos.

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