No take introdutório do GPS emitido na passada semana na RTP3, Fareed Zakaria apresentou a sua visão sobre aquela que deve ser a prioridade das prioridades da Administração Biden: conter a pandemia. Conter a pandemia, salvar pessoas, vacinar mais e mais rápido, recuperar a economia e mostrar ao mundo que os EUA podem liderar no combate à pandemia e à crise económica, e voltar a ocupar a posição de farol das democracias liberais, reconstruindo alianças estilhaçadas por quatro anos de governação destrutiva, recuperando a credibilidade perdida, redefinindo prioridades diplomáticas, estratégicas e geopolíticas, reafirmando o papel dos EUA no mundo e recolocando o país no centro da política internacional. Uma missão quase-impossível, pelo menos no curto prazo, depois dos estragos causados pelo furacão Trump.
No mesmo programa, David Miliband usou um termo que ouvi pela primeira vez, “democratic recession”, associado não só à governação Trump, mas a toda a onda de populismo oportunista, mais ou menos autoritária, sempre grosseira e arrogante, ideologicamente vazia, no sentido filosófico da palavra, e cuja artilharia pesada consiste na divisão, exacerbada pela construção artificial de um (ou mais) inimigo comum, pela transformação de minorias em bodes expiatórios, para efeitos de distracção, e numa profunda instrumentalização do medo, de feridas mal saradas, do ressentimento e do ódio, como catalisador da violência miliciana.
A recessão democrática, contudo, não termina com a queda de Donald Trump, pese embora a sua derrota seja uma vitória para as democracias liberais. Até porque o seu verdadeiro farol – e Trump fez um excelente trabalho de vassalo a prová-lo, na conferência de imprensa após o encontro bilateral com Putin em Helsínquia, no ano de 2018 – é Vladimir Putin. Porque sempre foi Putin, não Trump, a grande referência da extrema-direita nacional-populista europeia. Da Liga de Salvini, financiada pelo dinheiro do petróleo russo, aos austríacos do FPÖ, que assinaram um acordo de cooperação com o Rússia Unida, a fachada partidária de Putin, passando por Marine Le Pen – que, recorde-se, apoiou a anexação da Crimeia e obteve empréstimos de muitos milhões de euros junto de bancos controlados pela oligarquia russa – pelo Partido do Brexit, pelos alemães AfD ou pelo Fidesz de Orbán, o partido de extrema-direita infiltrado no PPE, casa-mãe dos nossos PSD e CDS-PP, a influência de Vladimir Putin e a ligação directa entre estas forças e o Kremlin é conhecida e há muito perdeu a vergonha de o assumir.
Qualquer semelhança entre esta lista de “notáveis” e a de amigos internacionais de André Ventura, os tais que apoiaram publicamente e lhe ligaram na noite eleitoral da passada semana, é pura “coincidência”. Coincidentemente, todos eles partilham uma série de características, a começar pelo financiamento, directo ou indirecto, que lhes chega de Moscovo. Querem acabar com a EU, querem o fim da NATO (quão conveniente, Mr. Putin, quão conveniente), querem acabar com a separação de poderes, como de resto já aconteceu na Polónia e na Hungria, querem censurar e controlar a imprensa, querem esmagar minorias e, se possível, destruir toda a réstia de multilateralismo, com a excepção da ONU onde Putin mantém uma das cinco poderosas cadeiras permanentes no Conselho de Segurança. A agenda é clara, confunde-se, em larga medida, com o programa do Chega, e isso, mais do que os arrotos digitais de André Ventura, é o que nos deve verdadeiramente alarmar. A menos que, claro está, estejamos alinhados com este ideário, validado recentemente por quase meio milhão de portugueses.
Nunca partilhei da ideia que os EUA são, foram ou serão o farol da democracia. Décadas de invasões, guerras e proxy wars pelo controle de recursos, influência ou território, golpes de Estado patrocinados ou engendrados pela CIA e pela NSA e um sector financeiro a operar no campo da criminalidade económica e no limite do terrorismo falam por si. Porém, realpolitikamente falando, e olhando para as opções disponíveis e detentoras das condições necessárias para assumir o posto de superpotência, I’ll have to stick with the US. Naturalmente, preferia ter a União Europeia a ocupar esse espaço, mas o gigante económico insiste em ser um pigmeu militar, condição aprofundada pelo Brexit. Mas entre os EUA governados por um minimamente decente Joe Biden, as alternativas russa e chinesa, ou as propostas neofascistas europeias, não vejo, no curto ou médio prazo, alternativa a Washington.
É também por isso que entendo ser urgente uma refundação da União Europeia, a vários níveis. Começando por um aumento significativo da sua capacidade de Defesa, não vá o próximo Trump rasgar o Tratado do Atlântico Norte. Importa também reforçar o poder da União face a desvios como o polaco ou o húngaro. Polacos e húngaros têm tanto direito de escolher um fascista para os liderar como a UE deve ter para expulsar estes países da União, a partir do momento em que a democracia, o Estado de Direito ou a separação de poderes são submetidas à vontade autoritária de executivos autocráticos. Ao permitir que Orbán ou a dupla Morawiecki/Duda governem os seus países em absoluto desrespeito pelos princípios fundadores da União, sem que tais desvios sejam, estamos perante uma cedência das democracias liberais ao autoritarismo. Perante uma enorme e preocupante demonstração de fraqueza por parte de um bloco que ser um player, não um espectador.
Finalmente, e entre outros aspectos que poderiam aqui ser mencionados, urge mostrar ao mundo que a União Europeia não é uma entidade ideologicamente neutra. Somos um espaço de democracia, que a defende e representa, por oposição a todas as formas de governação autoritária. Estados como a China, a Rússia ou a Arábia Saudita não podem ser parceiros económicos que recebemos com honras de Estado. São adversários, com quem podem e devem ser mantidas relações diplomáticas, mas com quem não podemos manter relações comerciais privilegiadas, sob pena de nos tornarmos coniventes com todo o tipo de abuso e violação de direitos humanos fundamentais. A democracia não pode estar à venda e, seguramente, não vale menos que investimento destes e de outros regimes totalitários. A alternativa é definhar lentamente, até ao dia em que tudo aquilo que construímos seja obliterado. Não é por caridade que Putin financia os Venturas europeus. O projecto soviético iniciado por Estaline nunca cessou verdadeiramente. Apenas se adaptou às novas exigências da modernidade. A recessão democrática é real e nós, europeus, juntamente com o que resta dos democratas da América do Norte, somos o último reduto de defesa da democracia.
Que bomboca, meu , o que tu largaste!!!
Se pudesses provar um terço do que afirmas,eras um herói !!!
«sempre foi Putin, não Trump, a grande referência da extrema-direita nacional-populista europeia»
Por cá só vejo nacionalismo como bandeira da extrema-esquerda, ainda que seja mero instrumento para repudiar a UE.
Há direita só vejo o nacionalismo usado, e bem, contra a política de portas abertas à entrada de foragidos, donde quer que venham e ainda venham para se estabelecerem em agremiações tribais e religiosas.
Quanto aos ‘fascismos’ temo-os muito menos que aos corruptos, ao puteiro que separa poderes para melhor os minar numa podridão endémica e larvar com que não se pode lutar abertamente, por sorrateira, cobarde e cheia de boas palavras. Esse é o perigo maior das democracias que cuidam de proclamar anti-liberais para melhor criarem e consolidarem os instrumentos da corrupção.
Mesquinhos, sem arrojo senão para o saque, é essa a peste que temos em crescendo pela mão de coirões que arvoram o bem-estar como bem maior, ignoram a responsabilidade geracional e para que o futuro é o proxoimo orçamento.
Esse serão os destruidores de qualquer ambição maior.
Onde há corrupção a Democracia é uma farsa!!!
Certo, na Rússia e Hungria não há corrupção e o problema para as democracias são os imigrantes. Certo. E os judeus, não se esqueça.
E a “responsabilidade geracional” é o quê, destruir o estado e a economia para acumulação de capital do 1% no Panamá, a bem dos Menos e Venturas deste país?
Diz qualquer coisa que jeito tenha, de vez em quanto
Deixa de aldrabar incautos a bem do teu bolso, de vez em quando. Ou ao menos dá-te ao trabalho de encontrar propaganda que não seja um insulto à inteligência de quem lê.
O João faz uma narrativa substancialmente incoerente, quer por recusar ver a realidade quer por mergulhar nas mais absurdas contradições.
“Os EUA podem (preferivelmente) liderar no combate à crise económica”.
Então não foram os EUA que deram origem a todas as principais crises económicas que o Ocidente tem sofrido? Como poderá o seu modelo oligopolista fazer o oposto?
Está fora de questão.
A recessão democrática deve-se não só a Trump, mas tb ao populismo oportunista(até parece que o oportunismo é só típico dos populistas). Ah, então ela nada tem a ver com o novo modelo do capitalismo selvagem, cada vez mais avesso ao escrutínio democrático?
Com o João, estamos sempre a aprender mais novidades inteligentes (uau).
Depois, embora admita (a contragosto) a interminável série de crimes contra pessoas, países e até a Humanidade, (só mataram 30M nas últimas décadas), o João sequer se atreve a aflorar as razões dessa sanha sanguinária, ou seja, o profundamente arreigado espírito imperialista e militarista, potenciado pela maior máquina militar do mundo e da história. Oh que coerência!!
Daí conclui termos de escolher (?) entre a peste, a cólera e a sida, para chegar à conclusão brilhante que a peste é a melhor.
Para essa escolha, não interessa nada que os EUA já tenham invadido e atacado mais de 100 países, CEM, e que os outros dois candidatos tenham um score infinitamente menor e não tenham qq intenção de o aumentar.
A seguir decide que a UE tem de ser refundada. Oh, maravilha! Para ultrapassar o seu défice democrático? Para controlar os poderosos lobbies corporativos? Para colocar o BCE ao serviço dos cidadãos? Nada disso. Nem por sombras, mas sim para “aumento significativo da sua capacidade de defesa”, alegadamente para submeter húngaros e polacos desviantes.
“A UE é um espaço de democracia”.
Deve ser por isso que os vários referendos onde os cidadãos rejeitaram a deriva federalista, foram totalmente ignorados ou que o seu único órgão relativamente democrático, o PE, não tem poderes sérios, nomeadamente sobre as políticas decisivas.
E viva a democracia.
E o João termina afirmando que “a recessão democrática é real”.
E onde estão os remédios? No imperialismo made in USA? Na guerra contra a China e a Rússia?
Não há pachorra!!!!!!!!!
Princípio fundador da UE só há um, a livre movimentação do capital. O resto é propaganda e sujeito, pelos vários órgãos de poder, a este princípio, desde o BCE aos Tribunais. Depois corre mal quando o capital lucra mais noutro lado, como a AstraZeneca. Ops.
Quanto ao Putin, os países frugais fecham já a porta do cavalo às lavandarias de dinheiro implementando controlo das transacções…lol. A recessão democrática é irrelevante face à porta giratória que é a UE, que o capital vive bem com isso, como na década de 30, e como na década seguinte, sabe que nada terá que pagar.
Aquela cena da liberdade de circulação dos trabalhadores naturalmente não te diz nada.
Estás à espera que te levem o trabalho a casa, ou melhor ainda, o subsídiosinho.
Tu é que vives com dinheiro que pertence ao estado, fofo, eu aproveito o dinheiro que achas que não me deve ser cobrado. Temos pena, faz queixa ao coisinho.
Mas, não, não diz nada porque não é preciso mercado único para que empresas acolham imigrantes para baixar a massa salarial, nem dentro, nem fora da eurolândia. E, a menos que o tenham, na prática só muda mesmo o prazo de permanência dentro de Schengen. Que, lembro-te também, é suspenso com frequência.
Por isso, como sempre, estás errado, só há mesmo um único princípio.
Sera Biden (o lider que menos inspirou os eleitores nos USA) uma terceiro mandato do terrorista-fofinho Obama ou um segundo mandato do bronco Trump? Nao e particularmente inteligente e, devido a idade e varios problemas de saude, esta muito fragilizado. No seu proprio partido existem profundas divergencias – do radicalismo de esquerda ate a esquerda conservadora.