Um uniforme do Ku-Klux-Klan

Foi o que pedi aos meus pais, quando, na adolescência, li, pela primeira vez, Os Maias.

Comments

  1. Paulo Marques says:

    Não sabia que o Nabais era contra o ensino multidisciplinar.

    • António Fernando Nabais says:

      Eu também não sabia que era, mas ainda bem que o Paulo, num único comentário, conseguiu explicar-me isso. Parece-me, pelo contrário, que uma análise tão simplista como a desta estudiosa é contrária exactamente a uma perspectiva multidisciplinar e à ideia de que a Literatura é algo tão complexo, que não se compadece com uma análise racista/não-racista, para não falar de erros como o de reduzir o simbolismo de negro (por oposição a branco ou claro) a um estereótipo racista.

      • Paulo Marques says:

        Então porque se junta ao coro de criticar o que não está lá, para deixar cair o que está? A tal contextualização que todos criam para desconversar também já morreu, pelos vistos.

        • António Fernando Nabais says:

          Em parte, já respondi na resposta ao seu primeiro comentário, em que decidiu classificar-me.

          • Paulo Marques says:

            Porque a metáfora é grosseira. E não vejo onde a notícia cite a autora a fazer uma análise bipolar, muito pelo contrário.

          • António Fernando Nabais says:

            Mas há alguém com dois dedos de testa que desconheça, hoje, que um autor europeu e branco do século XIX esteja necessariamente sujeito a preconceitos e estereótipos próprios de um branco europeu do século XIX? Que o ideal de beleza feminina de um branco europeu, ainda mais se meridional, do século XIX era a Maria Eduarda alta, branca e loura, com aparência de deusa (a iconografia de Jesus, desde o princípio, é a de um louro de olhos azuis, o que era altamente improvável)? João da Ega, a quem outras personagens atribuem “paradoxos” (sinónimo de hipérbole, neste caso), é uma personagem que adora “epater” e acaba por ser reduzido (mesmo que o seja também) a um racista defensor da escravatura (tem também um discurso sexista acerca da inutilidade de dar educação às mulheres). Mas, enfim, sou contra o ensino multidisciplinar. Tudo isto é um péssimo serviço à luta contra o racismo e a favor da análise e do estudo de matérias complexas.

          • Paulo Marques says:

            Eu com 18 aninhos obrigado a estudar a coisa. E o silêncio dos colegas vale o que vale, mas não pareceu que estivesse na mente de alguém nas salas.
            Mas, mais uma vez, não me pareceu que se quer “reduzir”, só complementar.

          • António Fernando Nabais says:

            Não fui claro, no meu último comentário: estava a referir-me, não a adolescentes, mas a licenciados ou a professores. Quando li a obra pela primeira vez, também não tinha os conhecimentos que referi, apenas o deslumbramento pela beleza de uma língua remotamente parecida com a minha, mas muito melhor.
            Esta estudiosa não veio complementar nada, veio apenas colocar o foco numa análise possível, mas limitada a preconceitos e esse limite ainda me irrita mais porque se situa, quase de certeza, na mesma esquerda em que vivo desde a adolescência.
            Sou professor de Português e falo, naturalmente, de textos de outras épocas, tendo o cuidado (como a maioria dos professores que conheço) de chamar a atenção para o contexto, para as mentalidades (sou leitor de Duby, Ariès ou de Le Goff, entre outros, apesar de ter ficado a saber da minha aversão à multidisciplinaridade) e, como professor médio que sou, obrigo os alunos a pensar sobre isso (as relações com outras raças, o amor, a religião, o sexo, a condição feminina). Nenhum professor precisa que uma iluminada sem modéstia lhe venha explicar de que modo se deve analisar “Os Maias” ou o “Auto da Barca do Inferno” (que tem um judeu tão mau, que nem o Diabo o quis). Esta ideia de que os alunos precisam de ser avisados do alegado racismo da obra faz tanto sentido como os direitolas que vivem agora obcecados com o “marxismo cultural” de que as escolas estão impregnadas, com as aulas transformadas em comícios. Fico com a impressão de que, qualquer dia, nem sequer consigo ser de esquerda, sabendo que nunca serei de direita.
            Esta senhora, que tem tanto ou mais direito do que eu a falar, produz uma série de disparates que se enquadram numa visão “culpabilizadora” do homem ocidental contemporâneo, numa visão disparatada da História ou da Cultura. E repito: nem sequer consegue enquadrar devidamente os discursos de João da Ega, cujo objectivo, por vezes, está próximo de uma piada que não deve ser tomada à letra.

          • Paulo Marques says:

            O António desculpe-me, mas era mais evidente o que queria dizer se o tivesse escrito no post. A conclusão que o leitor podia tirar é de acordo com a sua própria experiência, que, neste caso, não foi essa. Mas já foi à um bocadinho…
            Faz bem o que faz, mas se as indicações não mudaram, e pelo que a notícia indicia, não é obrigatório contextualizar nessas matérias, e isso é que me pareceu mal.
            Se os argumentos individuais estão bem ou mal, deixo-o a si. Acredito que saiba.

  2. Filipe Bastos says:

    Os Maias é um dos melhores romances em português; certamente um dos mais inteligentes.

    Nem assim o Paulo vê o ridículo da histeria woke, da “teoria crítica da raça” e da sua cancel culture. No caso d’Os Maias não é – ainda – cancelar, mas demos-lhes tempo.

    Se 1/5 desta energia e teimosia fosse canalizada para algo útil, como melhorar a democracia, combater a real desigualdade e perseguir os mamões que a perpetuam, estaríamos bem melhor.

    • Paulo Marques says:

      Nem assim o Filipe vê o quão comum é o consentimento informado de diferenças artificiais, como se a literatura interiorizada acriticamente não deixasse marcas.

    • Filipe Bastos says:

      “Literatura interiorizada acriticamente”? Neste preciso instante, incontáveis milhões de jovens estão no Youtube a idolatrar futeboleiros, actores, músicos, CEOs e outros obscenamente ricos como se fosse algo normal e desejável; outros tantos vêem americanadas que glorificam o capitalismo e a riqueza sem limites; mais ainda sonham ser ‘celebridades’, ‘influencers’, ou mamar nos ‘mercados’; e um longo etc.

      Acha que algo disto é filtrado criticamente? Acaso anda a lutar por disclaimers para cada um destes vídeos, filmes, músicas, posts do bronco Ronaldo, instagrams de iates e SPAs, raps de negros cheios de ouro em limusines, toda esta alienação que exalta o consumismo e a desigualdade?

      Ou tudo está bem desde que os mamões sejam mais ‘diversos’?

      Nada deve impedir um transsexual negro ou uma muçulmana lésbica de mamar como um mamão heterossexual branco! Eis a grande causa da esquerda do séc. XXI.

      • Paulo Marques says:

        Filtrado? Não. Criticado constantemente? Sim. Com a mesma falta de discernimento. CFA ou MST escrevem com o mesmo vazio sobre os dois. Os filmes dizem que é mau, mas o herói só ganha com a fama e o dinheiro, mas nada muda.
        A luta é a mesma, e voltará a ser unida. Até porque o neoliberalismo não dá mais, e só se poderá extremar.