O palhaço e o anão do caralho

No fim-de-semana, os portugueses puderam assistir a um debate entre um palhaço e um anão do caralho. Quando temos a possibilidade de ouvir vozes autorizadas, não devemos desperdiçar a ocasião e todos sabemos que, desde o mundo académico do futebol até ao campo relvado da política, não há melhor do que um palhaço e do que um anão do caralho.

A garantia de que estas duas designações estão bem aplicadas releva do facto de que os participantes no debate as aplicaram um ao outro: coube ao anão do caralho designar o outro como palhaço, levando a que este, simpaticamente, confirmasse que o oponente era exactamente um anão do caralho.

O rigor, como se sabe, nasce, frequentemente, do distanciamento – nada melhor do que um Outro para nos definir. Ainda recentemente descobri a minha condição de bovino, quando um simpático automobilista me chamou a atenção para o facto de me ter esquecido de assinalar a mudança de direcção, gritando-me ternamente: “Ó boi, olha o pisca!” E aquele momento foi, para mim, uma epifania, o reconhecimento de que só um animal ruminante poderia andar a pastar no meio do trânsito, sem explicar para onde vai. Mugi uma desculpa e pensei em palha.

Não tomemos, portanto, estes termos como insultuosos, mas como reveladores. Aceitemos a nossa condição de filhos da puta, cabrões, putas, paneleiros, atrasados mentais, badalhocos e muitos outros. Só partindo desta nossa pequenez e desta nossa imundície, no fundo, desta humanidade precisamente de merda, é que poderemos ir mais além, mesmo que não seja muito longe.

Para percebermos, então, em que consistem o palhaço e o anão do caralho, teremos de analisar a situação em que ambos foram identificados, até porque – é preciso dizê-lo – há mais do que uma maneira de ser um palhaço ou um anão do caralho.

Paulo Sérgio, treinador do Portimonense, foi considerado um palhaço, no momento em que criticou uma decisão do árbitro, durante o jogo contra o Futebol Clube do Porto. Como já se disse, essa classificação foi da responsabilidade do outro treinador, Sérgio Conceição, aquele que viria, pouco tempo depois, a ser designado por “anão do caralho”.

Sérgio Conceição quis, recorrendo a uma terminologia rigorosa, deixar claro que a opinião de Paulo Sérgio era ridícula e desajustada, mostrando, no fundo, por estranho que pareça, que é necessário respeitar os árbitros. Ora, o palhaço colide com a realidade, tropeça e cai. No fundo, Sérgio Conceição quis ajudar o colega a manter-se de pé, porque lhe pareceu que estava a desequilibrar-se

Paulo Sérgio, subindo o nível do debate, classificou o outro treinador como “anão do caralho”. O anão, pela sua pequenez, tem uma visão limitada do mundo, precisará de um escadote mental. O palhaço quis, assim, lembrar ao anão as suas limitações, porque é começando por baixo que se pode chegar mais acima.

Não é, no entanto, inocentemente que o palhaço especificou o facto de o “anão” ser “do caralho”. Em primeiro lugar, “do caralho” é um dos apelidos mais comuns nas famílias portuguesas, acima de Silvas e de Santos. Depois, é certo que nem sempre é simpático, mas também pode ser: é um aumentativo, o que, no caso de um anão, funciona como um diminutivo. Finalmente, é fundamental que haja erecção, porque só assim será possível ter um discurso mais fecundo, crescer.

Entretanto, o palhaço e o anão do caralho são o exemplo que temos para dar aos jovens e é enternecedor ver como tantos se juntam a desculpá-los. Mais do que enternecedor, é do caralho.

Comments

  1. Tal & Qual says:

    Esta me.rda toda, interessa a quem ?

    • César P. Sousa says:

      Tal & Qual ! – ” Teikirize”
      Só um “Burro do Caralho” como tu é que não se apercebe da excelência literária deste texto do Sr. Nabais.
      Foi um dos melhores textos publicados no Aventar.
      O Eduardo Lourenço não desdenharia inclui-lo num dos seus ensaios.
      Obrigado António Nabais.

  2. Eduardo Dias says:

    Caro António Nabais
    Agradeço-lhe o inteligente texto que nos deu.
    Repare que não aprecio o futebol, mas antes
    a educação. Sem ironia. Cumprimentos.
    Alves

  3. Enroscador says:

    Excelente.


  4. Pareceu-me ouvir alguém dizer durante essa confusão: “Não sejas mal educado, c@r@lho!

  5. ANTONIO CARDOSO says:

    Pior a emenda que o soneto. Nao ha necessidade de descer tao baixo para explicar uma coisa tao simples: futebol.

  6. Luís Lavoura says:

    Diz a wikipedia que Paulo Sérgio tem 1,86 metros de altura. Comparado com isso, é verdade que Sérgio Conceição, que “só” mede 1,78 metros, é mais baixo. No entanto, 1,78 metros não é uma estatura pequena. Parece-me que chamar “anão” a Sérgio Conceição é, de todo, inapropriado.

  7. Filipe Bastos says:

    O Lavoura parece desconhecer a velha regra de subtrair pelo menos 2 a 3 cm a qualquer estatura anunciada, sobretudo quando abaixo de 1,80, e sobretudo de figuras públicas. Os palhaços do ‘wrestling’, embora altos, chegam a inventar 8 cm ou mais.

    Em todo o caso, o Conceição terá culpa de muitas coisas, a começar por ser um grunho mamão mete-nojo, mas não certamente da sua estatura. Tal como a sua cor ou o seu nariz, não a escolheu.

    Imaginemos então que o Conceição era preto. E que o outro grunho lhe chamava… preto do caralho. Imaginemos a reacção geral.

    Imaginemos, meus caros, o que por aí, e por aqui, ia de indignação dos Berloques, dos Mamadous e dos Paulos da vida.

  8. Rui Correia says:

    Falta todo um sindicalismo de anões, é o que é…