A leste da realidade

De cada vez que um político ou guia espiritual neoliberal diz “estamos a ser apanhados pelo país X de Leste”, porque o indicador A ou B lhe é mais favorável, fico com a certeza quase absoluta que essa pessoa nunca esteve no país em questão. Achar que a aproximação da Roménia em termos de PIB per capita significa que o nível de vida lá é idêntico ao nível de vida aqui é de uma desonestidade só compreensível à luz da propaganda mais alucinada. Lembro-me sempre de uma aventura que tive em tempos, na Bulgária, a tentar ser atendido na espécie de SNS lá do sítio. PIB per capita é uma medida que nos diz muito pouco sobre a qualidade de vida global de um povo. Basta haver uma pequena percentagem de super-ricos para subverter os números. E nem vamos falar na qualidade da democracia, no apoio aos idosos e/ou mais desfavorecidos, na pobreza ou nas infraestruturas da esmagadora maioria dos países de Leste, excepção feita a parte do Báltico. Não há – ainda – comparação possível.

Comments

  1. JgMenos says:

    Tem toda a razão!
    Para além do PIB é preciso ver o montante da dívida que é contributo essencial ao nível de vida dos viventes.

    • Rui Naldinho says:

      Qualquer país da Europa Ocidental, mesmo a Alemanha, tem uma dívida em percentagem do PIB superior à dos ex países do Leste, razão pela qual isso por si só conta muito pouco.
      A Albânia nos anos 90 não tinha praticamente qualquer dívida pública. Era no entanto um país miserável, onde faltava tudo.
      Hoje já passou os 76% do seu PIB.

      • POIS! says:

        E, lembre-se, a Ceausescu meteu-se-lhe na cabeça pagar totalmente a dívida externa. E foi o que começou por fazer, desviando para exportações os bens alimentares mais básicos, provocando assim uma escassez que deixou à fome o povo.

        Que lhe agradeceu, mais tarde, pelo Natal.

    • Paulo Marques says:

      Eu a pensar que a dívida era essencial para quem vive de rendas e mendiga o aumento de juros. Mas, tem razão, é melhor acabar com a dívida e financiar o estado sem esta.

  2. Rui Naldinho says:

    Portugal tem um nível de vida superior a qualquer dos antigos países do Leste Europeu, mesmo os do Báltico, em quase todos os domínios, com excepção do sector da educação, onde eles estão claramente à nossa frente. Ainda estavam sob o domínio comunista.
    Mesmo no caso da Lituânia, a referência liberal dos nossos neo liberais Tugas, cujo salário mínimo actual é de 730,0€/mês, pago 12 vezes no ano, estamos melhor do que eles. O nosso é de 705,0€ pago 14 vezes. E resta saber a fiscalidade nesses países. No caso português ninguém faz retenção de IRS abaixo dos 710,0€.
    Mas desenganem-se aqueles que acham que esses países do Báltico vão continuar esse crescimento tão rápido. A guerra da Ucrânia irá acabar por deslocalizar inevitavelmente uma boa parte do investimento estrangeiro para zonas mais seguras.

    • POIS! says:

      Os liberalescos de serviço manipulam os dados a seu bel prazer. Estas comparações têm grandes problemas.

      O primeiro é o que avançam tanto o Mendes como o Naldinho: a realidade. Aquela coisa que os números escondem. Para quem vai o Valor Acrescentado Bruto (VAB) gerado na economia, por exemplo. E outras coisas comezinhas como, por exemplo, se tenho que ir á falência por estar doente. Ou se há médico. Ou, sequer, curandeiro. Ou se o ensino superior é gratuito ou pago a peso de ouro.

      Os outros prendem-se com os próprios dados. Por exemplo, se compararmos Portugal com a Hungria tendo como base o euro, em PIB per capita PPS estamos ligeiramente abaixo. Em dólares já estamos acima.

      E o próprio método de comparação do poder de compra é atreito a distorções. Os “cabazes de compras” utilizados para medir a evolução dos preços não são completamente fiáveis e não atingem todos da mesma maneira. Um exemplo: a família A e a família B, ambas com 4 pessoas. O casal A trabalha ao pé de casa. O B faz, em conjunto, 40 km por dia para ir trabalhar. O casal A tem os filhos no ensino básico. O B no ensino superior. È óbvio que o A estará a passar por muitas maiores dificuldades em face da alta de preços.

      Ora, são esses “cabazes” que servem de base ao cálculo das Paridades de Poder de Compra.

      E se fizermos as comparações tendo como base o Produto Nacional em vez do Produto Interno também obtemos resultados diferentes. Na Irlanda, por exemplo, o produto nacional é 30 % inferior ao interno.

      Na realidade, as comparações deveriam, para haver um mínimo de rigor, ser realizadas tendo como base o Produto Nacional Líquido ao Custo de Fatores em vez do PIB a Preços de Mercado, como é usual. O problema é a inexistência de métodos seguros de cálculo de algumas grandezas (as amortizações, por exemplo) e o facto de, em muitos países e regiões económicas, não existir simplesmente um sistema recolha de dados para esse fim.

      • POIS! says:

        Há um erro por aqui: quem está em dificuldades com a inflação é o “casal B”. E de que maneira!

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