Um minititanic

Foi o Adão quem me falou do Minititanic, e até mo mostrou, em certa tarde soalheira. Um barquito pequeno, arruinado, ancorado na margem do Douro. Um barco de quatro ou cinco metros com um nome imenso, apesar do (falso) prefixo. Se continua ali, encostado à margem, como se ainda tivesse futuro, é porque o dono, um velho pescador, não o abandona. Todos os dias à volta dele, a limpar-lhe as cagadelas das gaivotas, a consertar uma tábua, a fazer-lhe um remendo inútil, como todos os remendos que ainda se possam fazer naquela carcaça, e a amá-lo, a amá-lo como não sabemos se terá amado alguém de carne e osso, porque no barco despejou tudo o que foi, tudo o que fez, tudo o que dele ficará no mundo. O homem dirá ainda, a quem ainda o escutar, que um dia destes faz-se ao mar outra vez, que o barco ainda aguenta, que estão os dois rijos. E ouvirá risadas de resposta, ou só um assentimento amável, para quê contrariar um pobre homem? [Read more…]

Quando as elites nos tratam como canalha

Cristas

Não se trata de um caso isolado. É comum ouvir responsáveis políticos dirigirem-se aos portugueses com um discurso “infantilizador”, onde abundam expressões como “ter juízo”, a dicotomia do bom e do mau aluno ou o apelo à obediência autoritária sem direito a questões, não vá o corrupto de serviço mandar-nos de castigo para o quarto sem semanada durante 4 anos. As declarações de Assunção Cristas, a propósito da polémica da interdição da pesca da sardinha, este ano mais cedo do que em anos anteriores para desespero dos pescadores, é o mais recente caso em que um governante envereda por um discurso que nos remete para uma conversa entre uma mãe e o seu filho mal comportado. Para além do registo autoritário e grosseiro que o José Gabriel já aqui referiu, dizer que “se nós não nos portamos bem, se não cumprirmos aquilo que definimos por nós próprios e com o sector, corremos o risco de vermos de hoje para amanhã Bruxelas a determinar uma cota para a sardinha que certamente será mais penalizadora do que aquela que nós temos” surge em linha com o acima citado. Até porque, e façamos aqui um simples exercício, se retirarmos da frase a parte “se nós não nos portarmos bem“, a mensagem que a ministra pretende passar não perde sentido ou conteúdo. É exactamente igual. Mas existem hábitos que as elites não perdem, e o tom de superioridade face à plebe, esse, continuará a ser imagem de marca da casta. Até ao dia em que alguém a ponha de castigo também ou que a canalha passe de bicicleta, parta uns vidros e fure uns pneus.

Ecos da destruição do planeta

Percebes que o planeta está em apuros quando uma baleia quase sucumbe às garras de um saco de plástico e é salva por pescadores. Parece tirado de um filme mas aconteceu mesmo, na Austrália. A baleia agradeceu mas o Homem continuará em guerra aberta a todos os animais. A sua espécie incluída.

Sacrificados

sacri

Diz quem acredita que Cristo foi dado em sacrifício ao seu pai, com a anuência deste, para nos salvar a nós, ímpios, de todo o pecado.

Se assim foi, por que motivo continuam tantos e tantos seres a ser sacrificados diariamente?  Como se explica que haja famílias destroçadas tão frequentemente? Não bastou aquela morte?

Como é que um padre que já enterrou 92 pescadores consegue continuar a acreditar em Deus e consegue continuar a exercer a sua profissão? Respeito a fé deste homem e de todas as pessoas que acreditam, mas é algo que me ultrapassa.

Desde Outubro do ano passado voltei a estar em contacto com a população de Vila do Conde e Póvoa de Varzim. Muitos dos meus formandos são caxineiros. Sempre que algo acontece no mar, noto-lhes as preocupações no rosto, ouço-os mais calados, sinto-os apreensivos. Por vezes, nem sei que se deu mais uma tragédia, mas, mal entro na sala de formação, percebo logo pelo ambiente que algo aconteceu. [Read more…]

Quem vai para o mar e já morreu na terra

Depois de ter ouvido ao longo da tarde a palavra milagre, o meu lado mais jacobino renasceu.

Confiem na santa e vão vendo o trambolhão que levam.

A gente que desde pequenino aprendi valer um bocadinho mais do que todos nós, os pescadores e suas sempre antecipadas viúvas, volte ao tempo em que se cantou: quem não teme o mar não teme os patrões. Ou vão todos jogar à bola, caxineiros do caralho.