O confinamento voluntário do poder político português

O que quer que aconteça na vida não se reduz nunca ao facto do seu acontecer.
— António de Castro Caeiro, ‘Epidemia’ e ‘pandemia’: manifestações de totalidade (pdf)

I believe it was inevitable
VH

nothing but an ego[‘s]-trip, yeah!
Bach

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Em primeiro lugar, esta comparação entre Cristiano Ronaldo e o ministro das Finanças — seja ele Centeno, seja ele Leão, seja ela Alburquerque ou seja ele Gaspar — é inadmissível e ridícula. A culpa inicial é de Schäuble, sim, mas não vale a pena perpetuar o delírio: já chegam as vaidades patrocinadas pelo Expresso. Estou de acordo com Tennessee Williams, não nos devemos intrometer nas vaidades dos homens — embora o maravilhoso dramaturgo só tenha chegado a esta conclusão depois de satisfeito com a tareia dada à ego-trip de Menotti. No entanto, a vaidade de um maestro ainda é como o outro: mas um ministro, efectivamente, não é um maestro.

Passando àquilo que interessa, sabemos que é inevitável. Abre-se o Diário da República e… ei-los.

Continuai no vosso confinamento voluntário, encolhei os ombros, assobiai para o ar, tapai o sol com a peneira, escrevei Orçamentos do Estado vergonhosos, dai-nos música sobre a língua, blá, blá, blá, e, principalmente, mantei-vos no vosso buraquinho, muito escondidinhos, bem distantes da realidade, para que o vosso faz-de-conta tenha um ar bastante sincero.

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Nótula: Segue-se um desabafo em forma de nótula, com reactivação dos primeiros apontamentos para este meu texto publicado na Torpor. Por mero acaso, tropecei neste debate entre Jack Lang e Éric Zemmour. Estava tudo a correr relativamente bem, até aparecer a história do pai de Zemmour. Enquanto os intelectuais que se pronunciam sobre tradução se mantiverem preguiçosamente encostados ao bordão do traduttore tradittore, continuaremos a assistir a debates vazios, travados por quem insiste em discutir pela rama assuntos efectivamente sérios. Como podereis reparar, o “traduire, c’est trahir” de Zemmour é acompanhado por aquela expressão corporal do “não se fala mais sobre o assunto“. Como diria Finkielkraut, “cette arrogance est absolument insupportable”. Quando políticos discutem língua, já se sabe que há despistes, mas, francamente, “idiot utile” (ou “inutile”, vai dar ao mesmo) não se admite e a réplica “idiot calculé“, passados uns dias, é igualmente inaceitável.

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A união de fato: o regresso

Maxine: Workin’ on your sermon for next Sunday, Rev’ rend?
Shannon: I’m writing a very important letter, Maxine. [He means don’t disturb me].
— Tennessee Williams, “The Night of the Iguana

Franchement, c’est too much.
Hélène Lecomte

Un dernier verre de sherry
De cheri mon amour, comme je m’ennuie
Sylvie Vartan

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Segundo o sítio do costume, união de fato é um dos elementos que servem para enquadrar o conceito agregado familiar.

É o regresso da união de fato, essa nossa velha conhecida.

Efectivamente, o aspecto do Diário da República mudou: todavia, a grafia caótica mantém-se.

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Nótula: Tive pena de não poder estar presente ontem no lançamento do Acordo Ortográfico – Um Beco com Saída, de Nuno Pacheco. Para esquecer essa tristeza, no fim do trabalho, fui dar umas voltas no velódromo dos meus vizinhos, que, segundo eles – e eu acredito e agradeço-, também é meu.

Se os fatos novos forem de molde a excluir o candidato

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Photo: Alamy (http://bit.ly/1X7qfUl)

HALIE. Language! I won’t have that language in my house! Father I’m—

— Sam Shepard, “Buried Child”

STANLEY: In Laurel, huh? Oh, yeah. Yeah, in Laurel, that’s right. Not in my territory. Liquor goes fast in hot weather.

— Tennessee Williams, “A Streetcar Named Desire”

CORA–(teasingly) My, Harry! Such language!

— Eugene O’Neill, “The Iceman Cometh”

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