Contra o Orçamento do Estado para 2013

No dia 18 de Outubro de 2011, escrevi uma nótula feicebuquiana a que chamei Contra o Orçamento do Estado para 2012. Essa nótula mantém-se, infelizmente, na ordem do dia.

Nos textos que escreve, o Estado português continua a comprovar a crónica inaplicabilidade do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) e a violar sistematicamente o disposto na Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011que determina a aplicação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (…), a partir de 1 de Janeiro de 2012, ao Governo”.

É inadmissível que o Estado obrigue outrem a aplicar uma disposição que manifestamente desconhece, apesar de a ter criado.

O senhor ministro de Estado e das Finanças pode dizer que Portugal tem vindo a acumular credibilidade e confiança nos mercados internacionais”. A sorte do senhor ministro é que nos mercados internacionais não se percebe português.

O senhor ministro de Estado e das Finanças pode dizer que não há qualquer margem de manobra”. Infelizmente, tenho de  acreditar naquilo que nos diz. A história já tem, pelo menos, um ano. A amálgama de coisa nenhuma do OE2012 é exactamente a mesma grafia adoptada no OE2013 (pdf) e, por este andar, não se prevê que a situação mude. Arriscando uma fórmula da predilecção do senhor ministro das Finanças, a única solução para que o Estado “acumule credibilidade” é o abandono imediato do AO90, cuja inaplicabilidade se previu, fazendo o Estado o favor de amiúde demonstrar o acerto das previsões. Aliás, a amálgama adoptada na redacção do discurso proferido pelo senhor ministro é outro exemplo daquilo que aqui venho apresentar.

Acabe-se duma vez por todas com este lamentável espectáculo. Os períodos de transição servem exactamente para o abandono de projectos falhados. O AO90 desabou em duas propostas de OE. Abandone-se.

Uma pequena (sim, pequena) amostra das razões que me levam a propor o chumbo deste  OE2013:

EXEMPLO 1

  • foi implementado, em 2012, um regime excepcional → p. 34
  • medidas transversais de caráter fiscal → p. 41
  • a sobretaxa de IRS (de carácter excecional)→ p.70

 EXEMPLO 2

  • uma melhor percepção dos recursos → p.224
  • o modelo de previsão utilizado não permite a perceção → p.265

EXEMPLO 3

  • assegurar funções de conceção → p.55
  • assegurar funções de concepção → p.229

EXEMPLO 4

  • Os organismos aderentes ao GeRFiP beneficiam da adoção → p. 229
  • A adopção do GeRHuP permite assegurar → p. 230

[adoção e adopção separadas por 12 linhas]

EXEMPLO 5

  • incluído em faturas que titulam aquisições → p. 75
  • Facturas em recepção e conferência → p. 262

EXEMPLO 6

  • ferramentas electrónicas, e desenvolvimento de acções conjuntas → p. 35
  • Relativamente à AdP, prosseguem as ações → p. 62
  • em plataforma eletrónica → p. 177

EXEMPLO 7

  • controlo numa perspectiva global → p. 230
  • uma perspetiva de médio prazo → p. 244

EXEMPLO 8

  • Passagem da ótica de Contabilidade Pública à ótica de Contabilidade Nacional → p. 95
  • O objectivo para o saldo das Administrações Públicas em 2012 e 2013 é aproximadamente o mesmo nas duas ópticas de contabilização → p. 95
  • o objetivo de médio prazo → p. 240

[sim, ótica e óptica na mesma página]

EXEMPLO 9

  • O saldo do subsector → p. 97
  • Da análise da conta do subsetor → p. 97

[sim, sim, na mesma página]

EXEMPLO 10

  • passíveis de reafetação → p. 111
  • a reafectação de património próprio → p. 172

Como escrevi há um ano, “um Estado que não sabe escrever não deve ‘colocar a Língua Portuguesa no centro da agenda política’. Deve, isso sim, aprendê-la”.

Como escrevi igualmente há um ano, “um Estado que não sabe escrever não pode impor uma ortografia aos seus cidadãos”.

Bruxelas, Reino dos Belgas, 16.10.2012

Comments

  1. Pedro Marques says:

    Não se decidem. São mesmo bestas, burros, parvalhões.

  2. É uma espécioe de arma de matança maciça –

  3. Já li várias vezes a Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011 e adorava que o FMV tivesse razão quando diz que «(…) o Estado português continua a (…) a violar sistematicamente o disposto na Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, que “determina a aplicação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (…), a partir de 1 de Janeiro de 2012, ao Governo”.»
    Mas não estou a ver como…

  4. Provavelmente estas discrepancias devem-se ao facto de o oçamento ter sido escrito por várias pessoas. Umas adeptas do AO outras, como eu, contra o AO (não me atrevo a chamar “acordo”, porque não o é”

Trackbacks

  1. […] do Estado para 2013 ( e recordando que já tinha recomendado que se votasse contra os OE2012 e OE2013) fico agradavelmente surpreendido com ‘factores’ (p.4), ‘perspectivas’ […]

  2. […] Correia denuncia esta situação na página 78, remetendo para aquilo que escrevi no Aventar, em 16 de Outubro de […]

  3. […] do descalabro dos dois Orçamentos do Estado (OE) anteriores (2012 e 2013), só uma generosa dose de repugnância impedirá qualquer cidadão português alfabetizado de […]

  4. […] Aliás, com esta notícia, fiquei a saber imensa coisa: às farturas elegíveis está associado um número de identificação fiscal, quem pedir farturas pode ganhar um Audi e as farturas sorteadas em Abril são as emitidas em Janeiro — não sabia que havia emissão de farturas: no meu tempo, as farturas eram fritas, viradas, escorridas, cortadas, passadas por (ou “polvilhadas com”, parece que a doutrina se divide) açúcar e canela e, por fim, comidas. Contudo, pelos vistos, sim, as farturas também podem ser emitidas e, inclusive, titular aquisições. […]

  5. […] vivemos há praticamente um lustro, como se perceberá através de leitura atenta dos sucessores OE2013, OE2014 e OE2015. Quanto ao OE2016, aguardemos com […]

  6. […] com toda a razão. Contudo, os OE de Passos Coelho (2012, 2013, 2014, 2015) também estavam «completamente mortos na sua credibilidade técnica». A solução, […]

  7. […] de duvidosa qualidade técnica. Aliás, na senda daquilo que aconteceu com o OE2012, o OE2013, o OE2014, o OE2015 e o […]

  8. […] orçamento é um mau orçamento». Contudo, os orçamentos de Passos Coelho (OE2012, OE2013, OE2014, OE2015) não foram melhores do que o OE2016 e o “mau orçamento em apreço”: o […]

  9. […] em vez da ruptura desejada, em relação ao desaste orçamental iniciado em 2012 e continuado em 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017, este texto de 2018 é mais do mesmo, como se prevê, ao ler a […]

  10. […] já que estamos a falar sobre este assunto, também no OE2017, no OE2016, no OE2015, no OE2014, no OE2013 e, claro, nesse momento fundador, no […]

  11. […] o mau hábito instalado nesta casa desde 2012 (cf. OE2012) e continuado em 2013, 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018. Porquê desde 2012? Exactamente pelo mesmo motivo de o Diário […]

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