Uma lição de civismo

Recentemente, teve lugar o funeral do ministro das Finanças do governo do Canadá, Jim Flaherty. O funeral saíu da Catedral (anglicana) de St James, a mesma onde a Raínha Isabel participa da missa quando vem a Toronto. Há pouco mais de um mês Flaherty pediu a demissão do cargo, invocando razões pessoais, e soube-se agora, pelos elogios fúnebres, que desejava ter-se demitido já em 2008, não o tendo feito por imperativo de consciência: estava tão preocupado com a situação internacional que entendeu ser seu dever manter-se no posto e dar tudo por tudo para que o Canadá não sofresse de recessão nem com a crise que abalou tantos países. Conseguiu o que desejava. E assim, o político deixou o governo, em paz com a sua consciência, para se dedicar à família por inteiro. Mas Deus entendeu dar-lhe o eterno descanso.

Apesar de o governo federal, conservador, ser controverso e ter perdido o estado de graça, o povo deu provas públicas de consternação por esta morte, o que prova ter compreendido o papel positivo do antigo ministro neste período conturbado do mundo e, o que é mais importante, soube separar as águas. A Catedral de Saint James estava apinhada de membros do governo, deputados e senadores, todos eles de écharpe verde em homenagem à origem irlandesa de Flaherty. Todos eles, liberais, conservadores, socialistas e independentes, misturados uns com os outros, unidos pelo mesmo desgosto de verem partir um companheiro a quem o coração traíu. Fora do templo, multidões encheram as ruas a despedirem-se de um homem que soube cumprir.
Tudo isto foi possível porque no Canadá a política pratica-se sem ódio, sem faltas de respeito pelo povo e os seus direitos. Dir-me-ão que é assim por ser o Canadá um país rico. Permito-me discordar. Há países tão ou mais ricos do que o Canadá em recursos naturais: Brasil, Angola, África do Sul, China, India, Rússia, por exemplo. Mas os seus povos são pobres, revoltados, emigram para poderem viver com dignidade. A riqueza desses países está nas mãos de um número restrito de pessoas, sendo a diferença entre ricos e pobres absolutamente escandalosa.
Não é o caso do Canadá, que faz uma politica assente em valores, respeito e decência. Essa é a sua riqueza maior. O funeral de Flaherty foi uma lição de civismo. O civismo ensina-se e aprende-se: nas escolas, nas famílias. Bom seria que todos os países o praticassem.

Comments

  1. Fez-me sentir orgulhoso por ter nascido no Canada e preservado a nacionalidade Canadiana…
    Embora vivendo em Portugal, sinto que por cá a falta de ética e moral no exercício da política vem de facto da mesma já não ter sido dada a tempo ao povo desde as família até aos professores. Aliás, sou de opinião que os políticos numa democracia têm muito das características dos seu povo… mas parece que esta ideia é politicamente incorreta por não colocar as culpas num grupo restrito ou fora de portas.

  2. Joaquim Amado Lopes says:

    “Tudo isto foi possível porque no Canadá a política pratica-se sem ódio, sem faltas de respeito pelo povo e os seus direitos.”
    Em contrapartida, em Portugal um Ministro das Finanças “da côr política errada” não pode ir ao supermercado sem que o insultem e lhe cuspam em cima.

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