A Colónia de Sacramento (Memória descritiva)

A Colónia de Sacramento, foi uma povoação fundada pelos portugueses em 1680 na margem esquerda do rio da Prata, em território perto de onde actualmente se situa a cidade de Montevideu, capital do Uruguai. Como é que os portugueses foram criar um entreposto já em território da coroa espanhola?

Quando D. Manuel Lobo assumiu o cargo de governador do Rio de Janeiro, em 1679, recebera em Lisboa ordens do rei D. Pedro II para ir até ao rio da Prata e aí fundar uma colónia fortificada que servisse de apoio logístico ao comércio com as províncias colonizadas pelos castelhanos. O rei correspondia a pedidos da Câmara Municipal do Rio e, certamente, aos interesses dos comerciantes locais, interessados em expandir os seus negócios.

D. Manuel Lobo organizou uma expedição em que levou, além de agricultores com suas mulheres e filhos, artífices de várias especialidades e, naturalmente, clérigos e soldados. No dia 22 de Janeiro de 1680, fez portanto, há dias, 330 anos, a colónia foi solenemente fundada, num promontório próximo da actual cidade de Montevideu. Nome muito português: Colónia do Santíssimo Sacramento.

O governador castelhano de Buenos Aires, na outra margem do rio, ordenou uma ofensiva contra a nova possessão portuguesa. Quatro mil homens, entre os quais muitos índios guaranis, atacaram a fortaleza. Os portugueses resistiram a três ataques sucessivos, desenvolvidos aos longo de mais de sete meses.

Finalmente, em 7 de Agosto, a fortaleza foi tomada, aprisionado D. Manuel Lobo que veio a morrer no cativeiro em Buenos Aires. A coroa espanhola assumiu o controlo do entreposto até que o Tratado de Lisboa, firmado em 1681, devolveu Sacramento a Portugal. Duarte Chaves, novo governador do Rio, foi a Sacramento reaver a colónia. O território atravessou então uma fase de prosperidade, vivendo da salga de peixe, criação de gado, comércio de carne e couros, plantação de trigo. Foram distribuídas terras aos colonos agricultores.

A guerra da Sucessão (1701-1714), motivada pela extinção, em 1700, da Casa de Habsburgo e pela subida ao trono de Filipe V, de Bourbon, neto de Luís XIV de França. Uma aliança liderada pela Inglaterra, mas onde Portugal se integrou, envolveu-se no conflito. Durante essa guerra, o II Marquês das Minas, comandou um exército que ocupou Madrid durante mais de mês e meio, fazendo aclamar como rei o arquiduque Carlos III.

Estes acontecimentos europeus reflectiam-se, como é óbvio, nas colónias. Reacendeu-se, pois o conflito em Sacramento, e as forças espanholas voltaram a tomar o entreposto português em 1705. Em 1715, o Tratado de Utreque devolveu o território à coroa portuguesa. Zonas periféricas da colónia foram povoadas e exploradas. Em 1718 chegaram algumas centenas de colonos transmontanos que começaram a cultivar terras fora dos limites fixados pelo tratado.

Os castelhanos fundaram então eles uma colónia da qual iria nascer Montevideu, a actual capital uruguaia. Entretanto, a expansão dos colonos portugueses não cessava. Foi essa expansão que motivou novos ataques das forças sediadas em Buenos Aires que arrasaram a fortaleza e obstruíram o porto, isto apesar de o Tratado de Paris, assinado em 1763, reconhecer a soberania portuguesa sobre a colónia.

Durante mais alguns anos, os colonos portugueses de Sacramento viveram em paz e com a prosperidade que a riqueza do território permitia. No entanto, o Tratado de Santo Ildefonso, assinado em 1777, consagrou nova e definitivamente a soberania espanhola.

Mas os portugueses voltariam ao Uruguai. A Colónia do Sacramento tornou à posse de Portugal a partir de 1817, quando D. João VI decidiu incorporar toda a região do actual Uruguai no domínio de Portugal no Brasil. Havemos de falar da Província Cisplatina (ou Província Oriental). No vídeo que se segue, misturada com uma perspectiva turística, poderemos colher alguma informação histórica complementar do que aqui se deixou dito.

Comments

  1. Luis Moreira says:

    Já lá estive. É uma preciosidade. Linda, mantida no tempo, com nomes portugueses por tudo quanto é sítio. Tive lá um almoço inolvidável, na rua, com música ao vivo. Casas com não mais de r/c e 1º andar, uma vista fabulosa sobre o rio…

  2. Luis Moreira says:

    Tenho uma foto tirada naquela entrada sobre a ponte levadiça…respira-se portugal, até as pessoas são parecidas, com nomes portugueses. Este país que já foi tão orgulhoso…

  3. Carlos Loures says:

    E, creio que é dito no vídeo: a Colónia de Sacramento é o principal destino turístico do Uruguai. luís, o orgulho é tão negativo quanto a auto-flagelação – no fundo, não somos melhores nem piores do que os outros. Quando, por exemplo, vemos o caos no Haiti e pensamos como, numa situação semelhante, o Marquês manteve a ordem em Lisboa (bem como o inquérito que ordenou). Neste caso concreto, parece que estávamos mais de dois séculos avançados…

  4. Nuno Castelo-Branco says:

    Pois e foram os brasileiros que a deixaram escapar, após a independência. Fraca compensação territorial, o Acre, anexado nos finais do séc. XIX. E dizem que somos incompetentes:
    1. Enganámos os espanhóis em Tordesilhas.
    2. Rasgámos o Tratado com os Bandeirantes, anexando todo o hinterland brasileiro.
    3. Unificámos o país inteiro – pela monarquia, desculpem lá… – e impedimos o surgimento de uma carrada de republiquetas de sarjeta como as que giram à volta do colosso.
    4. A descolonização foi bem feita, a tempo e como devia.

    É ou não é? Basta de choraminguisses e complexos de culpa. Eu não os tenho, porque a História foi o que foi.

  5. Carlos Loures says:

    A «História foi o que foi», grande verdade. Os «ses» sãoreflexos da subjectividade de cada um. São nada. Quanto ao Brasil e à Província Cisplatina (ou Oriental), é curioso como um país que acabava de conquistar a sua independência , não quis conceder a independência ao Uruguai. Um dia destes, falarei da Província Cisplatina e do herói e pai da pátria uruguaia – José Artigas.

  6. Nuno Castelo-Branco says:

    Claro, caro Carlos. A única coisa que me “enche” é passarmos a vida a escutar patetices de todo o tamanho, quando na realidade, o património deixado salta à vista de todos. Os brasileiros perderam a Cisplatina por incompetência e abuso de poder.

    Aliás e noutra situação parecida, parece-me que jamais devíamos ter cedido a Guiana aos franceses. Fomos invadidos, saqueados, mataram mais de 20% da nossa população e quando ocupámos a Guiana, foi uma pequena represália. Não é que a coisa valesse muito, mas por uma questão de princípio – dada a chacina feita durante as 3 invasões -, Portugal devia ter sido compensado. Mas de facto, aquilo era um pantanal de mosquitos e quiseram agradar a Luis XVIII, paciência…

  7. Carlos Loures says:

    Luís, já vi o teu comentário que foi parar ao Belmiro. Somos como somos, não adianta pensar como fomos. Não devemos é ter vergonha do nosso passado, embora tenhamos feito coisas que, à luz dos princípios actuais, não são bonitas, mas que têm de ser enquadradas historicamente, compreendidas dentro do seu contexto. Um exemplo – a expulsão dos judeus, que eram os «quadros superiores» da época – cosmógrafos, cartógrafos, matemáticos, médicos, astrónomos, escritores… Como é possível um povo, de um momento para o outro, abdicar de gente que fazia tanta falta? É dos factos que maior dificuldade tenho em aceitar. A Holanda, ou melhor, as Províncias Unidas dos Países Baixos, beneficiou imenso com essa verdadeira hemorragia peninsular – acolheu-os e prosperou.

    • Luís Moreira says:

      Ainda hoje, as ruas do centro de Amesterdão, estão cheias de nomes portugueses…

  8. Carlos Loures says:

    E a Sinagoga Portuguesa é um símbolo e um testemunho da pujança dessa colónia de portugueses, expulsos do seu país por motivos religiosos. Os nomes portugueses, claro, são de judeus.

  9. Sergio Mota says:

    Caro Nuno Castelo Branco, sou brasileiro e estudioso deste assunto, como verás os brasileiros não entregaram Colonia do Sacramento, foram as circunstância do momento já era tarde para mante-la. Em primeiro lugar a Colonia de Sacramento nunca teve uma defesa boa desde o início. Portugal só conseguiu mante-la até 1763 graças aos bons diplomatas portugueses que conseguiram diversos tratados. Depois a Espanha propôs a troca de território a Portugal mas não pelo Acre mas pelos Sete Povos das Missões Jesuíticas, situadas na hoje em dia região Oeste do Estado do Rio Grande do Sul. Entretanto, os espanhóis ficaram com Colonia e não nos deram as Missões Jesuíticas. Nós nascidos no Brasil ainda Colonia pegamos em armas para correr com os castelhanos vitória que obtivemos em 1801 ano em que as fronteiras foram finalmente delineadas. O que aconteceu depois é que D. João VI deu ordens para tomar o território uruguaio com tropas lideradas pelo Conde de Lippe, alemão nascido em Londres e notável militar (Friedrich Wilhelm Ernst zu Schaumburg-Lippe). Liderou 40.000 militares (sendo de 7 a 8 mil ingleses, luso-brasileiros e portugueses) e tomou Montevidéu em 1816 e em seguida a Colonia do Sacramento. Nessa altura era tarde além dos espanhóis, os que lutavam pela Argentina independente e os patriotas hispano-uruguaios também lutavam pela independência, as tropas portuguesas tiveram que desistir de tudo porque os patriotas uruguaios estavam prestes a declarar a independência mesmo sem Montevidéu ainda em mãos portuguesas. Para piorar a situação a Inglaterra resolveu dar apoio a independência uruguaia e pedir a retirada das tropas. Para complicar tudo D. Pedro I (IV em Portugal) proclamou a independência do Brasil em 1822. Com a retirada do Exército português não foi possível ao novo país Brasil formar um Exército tendo que buscar alguns oficais ingleses e até um italiano, 4 mil irlandeses e outro tanto de alemães para lutar contra os espanhóis mas era tarde demais. Logo após os primeiros combates um arranjo internacional acabou com a luta e o Uruguai finalmente proclamou sua independência, muito justa por sinal. O momento para ficarmos com o território uruguaio chamado por nós de Província Cisplatina foi muito antes quando Montevidéu ainda não existia. Portugal carecia de meios e os espanhóis se reforçaram e conseguiram implantar Montevidéu e em 1763 ainda chegaram a tomar todo território da Cisplatina e terras hoje brasileiras como a cidade de Rio Grande capital da região na altura e a própria Ilha do Desterrro (hoje Florianópolis). Portugal teve que contratar oficiais ingleses, alemães e até um sueco para comandar as tropas portuguesas para a Expulsão de Cevallos e suas tropas fato que aconteceu somente em 1777. Na retirada os espanhóis levaram grande número de famílias à força para povoar o território uruguaio em sua maioria eram casais açorianos recém chegados para a colonização do Rio Grande de São Pedro, hoje Estado do Rio Grande do Sul.Pelo menos uma localidade foi fundação açoriana no Uruguai a hoje cidade de San Carlos. Alguns conseguiram retornar a Rio Grande inclusive meu 7° avô Antonio Garcia da Rosa, natural de Cedros, Ilha do Faial, Açores.

  10. Sergio Mota says:

    Nuno só para completar não foi por inconpentência dos brasileiros e sim dos portugueses que nunca reforçaram devidamente a Colonia de Sacramento e já no primeiro assentamento de 1680 logo foi invadida e destruída sem qualquer reforço. O Governador português Dom Manuel Lobo foi preso ferido para Buenos Aires onde faleceu. A Colonia ficou poucos anos em mãos brasileiras que na verdade eram mãos portuguesas porque D. Pedro II era filho de D. Pedro I (IV em Portugal). Sem exército como o Brasil iria retomar o que Portugal já havia perdido??? Portugal deixou o Brasil sem nenhum recurso financeiro, além de ter nos deixado no atraso cultural sem escolas, Universidades, publicação de livros e jornais. Tudo isso Portugal proibiu e é uma das causas de o Brasil estar ainda hoje lutando contra o analfabetismo. Enquanto que os paises Hispanos desde o primeiro século da colonização (1500) tinham Universidades em Lima que existe até hoje a Universidade Sãn Marcos e a de Córdoba, na atual Argentina. Imprimiam livros e jornais enquanto aqui era proibido pelos portugueses com medo de nos tornarmos independentes. Foi D. João VI que trouxe a cultura ao Brasil mas só em 1808, mesmo ano em que saiu em Londres o primeiro jornal brasileiro dirigido pelo jornalista Hipólito da Costa Furtado de Mendonça, patrono da Imprensa Brasileira, que esteve preso nos cárceres da Inquisição por ser franco-maçon.O Tribunal do Santo Ofício foi o fato mais sombrio da história portuguesa demonstrando um obscurantismo que já não existia no resto da Europa. Ele conseguiu fugir e se asilou em Londres e de lá enviava as edições clandestinamente em navios que chegavam ao Brasil. Se houve inconpetência e abuso de poder foi do nosso Imperador português D. Pedro I que proclamou a independência do Brasil mas deixando seu filho para continuar a dominação. Que poder tinha o Brasil independente? nenhum, sem recursos, sem Exército e já era tarde retomar a Província Cisplatina largamente povoada por uma população de origem espanhola ansiosa pela independência de seu território.

  11. braga city says:

    Portugal é culpado pelo atraso do Brasil? Bom, essa é do Lula. O Brasil é o que é por culpa dos brasileiros e nada mais. Passaram mais de 200 anos e ainda não conseguiram progredir? Pois caro amigo. O Brasil é um pais de cafres, Corrupção à vista, tráfico e droga às toneladas e um sem número de homicídios despropositados. Até violações à boa maneira do ISIS. Portanto, Sérgio Mota, vai-te catar, que Portugal não tem qualquer culpa. Se Cabral ou Duarte Pacheco não tivesse lá chegado, o Brasil hoje tinha o nível dos indígenas da Amazónia.

  12. Antonio says:

    Adorei a história


  13. Sergio Mota , muito grata pela aula e por colocar fatos que nem imaginava da historia .
    GRATA!

  14. Fernando Lopes says:

    Sugiro a leitura do livro do Prof. Paulo Possamai (Tese de Doutoramento) – A Vida Quotidiana na Colónia do Sacramento-Um Bastião Português em terras do futuro Uruguai. Assim evitamos os disparates de cá e de lá. Sem a lucidez de homens ilustrados, de cá e de lá, o Brasil não seria um continente. Este autor é um insuspeito riograndense do sul.