O labirinto do verdadeiro poder

BES

Segundo o Expresso, a Portugal Telecom investiu, já durante o ano de 2014, 900 milhões de euros no Grupo Espirito Santo. À primeira vista parece simples mas não é, pelo menos para mim que sou leigo nestas coisas da trapacice financeira. Ler uma notícia destas, para mim como para a esmagadora maioria dos portugueses, é como estar perdido num labirinto de bancos e sociedades gestoras de participações, onde quase todos são accionistas uns dos outros e em cujos conselhos de administração abundam destacadas figuras dos 3 partidos do arco da governação, não vá ser preciso um “empurrãozito” aqui ou acolá.

A coisa é mais ou menos assim: a PT adquiriu os tais 900 milhões em papel comercial – uma espécie de emissão de dívida a curto prazo – do Espirito Santo International. Esta “holding” do GES foi recentemente sujeita a uma auditoria do banco de Portugal que revelou irregularidades nas contas na ordem dos 1,3 mil milhões de euros e um buraco de 2,5 mil milhões. Tal como o próprio GES, está portanto “consideravelmente” endividada. Para piorar a situação, parece que a maioria da dívida do ESI é de curto prazo, o que implica sucessivos refinanciamentos. Para contornar esta dificuldade, é sabido que desde o final de 2013 a instituição se dedicou com mais afinco à comercialização do tal papel comercial, cuja emissão andará na casa dos milhares de milhões de euros. Foi neste contexto que a PT adquiriu 900 milhões de euros de papel, papel esse que foi trocado, em Abril, por papel semelhante, desta feita pertencente a outra empresa com o carimbo da família Espírito Santo, a Rioforte. O prazo de validade deste papel expira em Julho, altura em que poderá ser novamente trocado por outro tipo de papel. Parece que estou a ouvir o Ricardo Araújo Pereira: “O papel? Qual papel?”

Curiosamente, ou não, este investimento surge mais ou menos ao mesmo tempo que o Banco de Portugal obrigou o BES a constituir provisões no valor de 700 milhões de euros. Quanto a quem decidiu tal aplicação, tal parece estar ainda envolto na neblina do costume. Mas sabe-se que Amílcar Morais Pires, o tal que Ricardo Salgado quer a substituí-lo no comando do BES, ou não fosse ele o seu nº2 de longa data, faz parte do conselho de administração da PT. E sabemos também que a recomendação para a PT investir no GES partiu do BES. Eu não acredito em coincidências, mas que as há, há!

A PT fala em “aplicação financeira”. E até o pode ser ou não fosse a PT parte interessada por ser, também ela, accionista do BES, cujo maior accionista é o Espirito Santo Financial Group, que é controlado pela Rioforte que por sua vez é controlado pelo ESI, o tal que recebeu o investimento de 900 milhões da PT e que faz parte do Grupo Espírito Santo, que, nem de propósito, é um dos maiores accionistas da PT. Estará a proteger o seu investimento numa altura de aperto? Ou será apenas uma barganha de conveniência? Eu estou inclinado para a segunda hipótese e pelos visto o João Vieira Pereira e o Pedro Guerreiro também. Pelo menos “na prática”. E consta que eles percebem do assunto.

O jogo da trapacice financeira não é para todos. Poucos o entendem, menos ainda o sabem jogar. A maioria limita-se a existir enquanto ele acontece, ignorando o jogo e o impacto profundo que este tem nas suas vidas. Uma pequena minoria, porém, domina-o e dita as suas regras, independentemente do regime ou do partido no poder. A família Espírito Santo é exímia neste jogo, seja com Salazar, José Sócrates ou Passos Coelho no poder. Podem esquecer-se de declarar uns milhões em impostos, ou até fazer desaparecer uns quantos dos bolsos das suas próprias empresas mas nunca se passa nada. Nada. E nós lá vamos assistindo a tudo isto, regra geral sem perceber exactamente o que se está a passar, enquanto la famiglia instrumentaliza o poder ou brinca aos pobrezinhos. Tudo lhes é permitido. Eles são o verdadeiro poder.

Comments

  1. joao lopes says:

    mas o nosso primeiro nao disse qualquer coisa como:qual a parte da frase(nao dinheiro) que voces nao perceberam? ou entao,”nao ha alternativa à austeridade”

    • o que o nosso primeiro diz vale muito pouco, ou não fosse ele o tal que em campanha disse que cortar pensões ou aumentar impostos seria um disparate. o que esse sujeito diz vale tanto como as juras de amor que uma prostituta faz ao seu cliente.

  2. É como disse:
    “O jogo da trapacice financeira não é para todos”…
    E é assim…vamos vivendo na ignorância, instrumentalizados por quem detém o Poder…e tudo lhes é abusivamente permissivo!
    É o país que temos!…

    • o país que temos feito de pessoas que toleram, permitem e acabam por incentivar esses comportamentos. nós somos os primeiros culpados por esta impunidade…

  3. Será que os accionistas não têm direito a ser informados de um negócio deste tipo? Ou será que que o (n/dinheiro(sou accionista), só tem valor para a Empresa poder invistir?

    • Caro accionista: sugiro a mudança de apelido para algo como “Salgado” ou “Espírito Santo”. Da próxima vez não se esquecem de o informar 🙂

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  1. […] labirinto da trapacice financeira, todos os dias são um rebuliço. Lê-se hoje nos jornais cá do Rectângulo, que o todo-poderoso […]

  2. […] que li no artigo de ontem do Pedro Santos Guerreiro no Expresso, o “investimento” da PT na Whatever Espírito Santo (ou Espírito Santo Whatever, depende dos dias) não está a correr lá muito bem. Para além das […]

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