Sem panos quentes [Textos sobre música portuguesa I]

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Os UHF ficarão para sempre indelevelmente ligados ao movimento do chamado «novo rock português», que inaugurou um novo tempo para essa música feita por portugueses, libertando-os tanto das heranças do rock bem-comportadinho nascido ainda durante o antigo regime dos nacionais cançonetismos, como da então prevalecente «música de intervenção» – género ancorado noutras sonoridades e que dominou esses anos pós-25 de Abril. Cantando em Língua portuguesa, os UHF anteciparam-se na verdade ao chamado “pai do rock português”, o cantor Rui Veloso, cujo famigerado álbum Ar de Rock seria lançado apenas em 1980 (e tendo para muitos demasiado ar e pouco rock). Então considerado rock da pesada, o que os UHF fizeram inaugurou em Portugal um outro som para palavras rockadas em Português, apropriando-se dos códigos do universo do rock dos anos 70, esse grito de revolta que desde há muito fazia mexer outras sociedades noutras partes do Mundo.  Com o novo rock de Portugal surgiram, para além dos primeiríssimos UHF, também os Xutos&Pontapés, os GNR, os Heróis do Mar, os Trabalhadores do Comércio, os Táxi, ou os Salada de Frutas.

Recordo-me ainda novinha a ouvir os UHF também ainda novinhos a cantar Jorge morreu (1979) e Rua do Carmo (1980) – o primeiro tema denunciando a morte de contornos sórdidos de um amigo desaparecido na turba das drogas duras (que na época ceifou muitos mais de pelo menos duas gerações de jovens portugueses), e o segundo evocando poeticamente aquela que é uma das mais importantes ruas comerciantes da Baixa lisboeta – uma rua feita para o consumo, lugar de passagem obrigatória para as incontáveis «mulheres bonitas presas às montras» e indiferentes aos «aleijados em hora de ponta». Era novo, fazer um tema de rock sobre uma rua de uma cidade. Fazê-lo simultaneamente com poesia e denúncia social tornava essa novidade ainda mais valiosa – uma pedrada no charco, outra coisa. Lembro-me também de Cavalos de Corrida (1980), o tema que fez despertar muitas consciências políticas, e muito embora nessa altura tenha grandemente servido para celebrar, num galope juvenil de rock frenético, o excesso e o desvario, a corrida para os abismos da juventude sem freios. Entre os mais pequeninos, queríamos todos ser esses cavalos, isso era certo, e nem todos terão entendido as metáforas de António Manuel Ribeiro, poeta sem panos quentes que contudo falava de outras corridas e de outros animais: aqueles destinados ao abate por sociedades que lhes cortam os sonhos e as pernas.

Nascidos em Almada para cumprir um natural percurso de resistência – e de resistência, também, ao mais comum aburguesamento a que muitos luso-rockers sucumbiram  –, os UHF continuam a demonstrar que são capazes de manter o contacto próximo com a realidade dura da maioria dos portugueses. Uma singular capacidade de protesto e de interrogação crítica relativamente ao País e ao Mundo que é porventura uma das mais interessantes características da banda – responsável, também, pela sua mantida inalterada popularidade, e atravessando grandemente por essa razão várias gerações de portugueses que gostam deles.

Comments

  1. rui lima says:

    A minha cara amiga é uma analfabeta musical, não percebe nem entende nada de rock chamado português !
    1º porque nunca existiu.
    2º porque o Rui Veloso nada tem haver com o chamado rock português
    3º os uhf estão a anos luz do chamado rock português.
    4º aconselho-o a ler qualquer coisa sobre o movimento musical português tipo rock nos anos 60
    5º não escreva asneiras !!!

    rui lima

    • Sarah Adamopoulos says:

      O seu comentário, tão agressivamente afirmativo e supostamente conhecedor de um universo que a acreditar nele me estaria vedado (apesar de eu ter *vivido* – ouvido, cantado, dançado – o nascimento do então chamado «novo rock», que era novo justamente porque o outro, esse dos anos 60 que refere e que o António Mel. Ribeiro chama «fininho» e «betinho», era velho – e poucochinho, já agora) recorda-me uma vez mais que a verdade é realmente uma coisa subjectiva. Escrevi do meu ponto de mira, misturando algum trabalho de jornalista (que sou, e portanto não há lugar para disparates, falando da memória e dos factos) com algumas linhas vivenciais e expressionistas da escritora (que também sou).


    • Por falar em escrever asneiras: não escreva haver quando quer dizer a ver ou que ver. É que é asneira grave. Já agora: houve ou não rock português? É que o Rui Lima diz que não e que sim?!

  2. António Manuel Ribeiro says:

    Como não conheço ninguém, seja a autora do blogue ou o Lima, apenas acrescento:
    1.º Admito que o rock português, como designamos o movimento musical de renovação começado entre 1978/1980, não existiu, existe – é uma questão de tempo verbal;
    2.º O Rui Veloso foi anunciado e aceite em 1980, com o lançamento do LP “Ar de Rock”, como o ‘pai do rock português’. foi uma excelente operação de marketing do Valentim de Carvalho, sacada das t-shirts que na altura já usávamos: ‘UHF é Rock’ e ‘UHF rock português’. Não doeu, que me lembre. Apenas uma voz ao tempo se ergueu para reivindicar a paternidade: José Cid. A polémica não lhe saiu bem. O Zé voltou para a sua cama musical e o Rui seguiu a sua vida, pai ou não. Quando me propõem paternidades vou a banhos;
    3.º Não consigo comentar este ponto.
    4.º Só conheço uma pessoa assim proclamadora desse primeiro rock em português, antes de nós. É o Luís Pinheiro de Almeida, cujas opiniões respeito mas não corroboro. Esse pop/rock antes do nosso era de betinhos para betinhos, com muito decalque à mistura. Durava pouco, a guerra também ajudava ao fim dos sonhos se regressavam inteiros; hoje é matéria para colecionadores – foi um pop/rock muito fininho onde o quarteto 1111 brilhava. Este outro rock, mais roque, o nosso, fundou um edifício, começou a gerar dinheiro e a reunir um público consumidor. Nasceu a indústria, exactamente porque havia dinheiro a circular – fomos levados a sério. Esse rock português, este, tornou-se a linguagem de uma juventude que carecia de trovadores no pós 25 de Abril.
    Com amizade,
    António Manuel Ribeiro
    (cheguei aqui porque o meu amigo minhoto Manuel Araújo me chamou a atenção via FB – obrigado à autora)


    • Um grande abraço desde Zurique!
      O LP “À Flor da Pele” tem-me acompanhado pelo mundo. Já está bastante maltratado, mas ainda toca.

      (pena que os Aqui d’el-Rock sejam sempre esquecidos quando se fala do “novo rock”)


  3. Porque também vivi esses tempos, sem querer atribuir paternidades que os próprios não reivindicam, se a memória não me atraiçoa, julgo que o José Cid dizia que era a mãe do rock português. Havia um espaço único em Lisboa, o mítico “rock rendez-vous”, que possibilitou visibilidade a várias bandas. Duas cidades, Almada e Porto projectaram vários músicos, alguns que desapareceram, outros ainda estão bem no activo. São deste tempo os GNR sem Rui Reininho, mas com Vítor Rua. Convém ainda lembrar os Corpo Diplomático, Go Graal Blues Band ou Roxigénio. Ao tempo o líder desta banda afirmava não existir rock português. Rock era para ele uma palavra inglesa, Rui Veloso talvez cantasse “rocha” ou qualquer outra coisa que não rock. Mas o público queria mesmo era ouvir cantar em português e praticamente todas as bandas tiveram o seu disco. O resto é história. Bom post Sarah!


    • Também me lembro destas bandas e há uma, os Roxigénio, que tinham uma música que perguntava “onde é que está o capital ?”

      Uma pergunta sempre actual.


  4. Eu juro que não sou o pai do rock português. Nem de outro rock qualquer!

  5. Rui Moringa says:

    Gosto muito de música feita por portugueses, em geral.
    Apreciei o texto. Contudo nada percebo sobre o tal “rock português”.
    Nada sei de música a não ser gostar de ouvir a maior parte dela. Desde música tocada nas festas do povo, pelas bandas filarmónicas, à música das concertinas, mesmo aquela que acompanha as cantigas ao desafio.
    Confeço que não aprecio as “letras brejeiras” de algum música.
    Gosto também muito da música dos UHF e também das letras.
    Gostaria que fizessem mais música a “cantar” os nossos poetas e a cantar as “nossas vidas”, as genuínas.
    Ah! Conheço as pautas de música e até já treinei solfejo em tempos que já lá vão.
    Fiquem todos bem, com muita música, uma das “linguagens” universais.
    Apreciei tambem o facto do António Manuel Ribeiro ter comentado com nobreza, como nos habituou a estar na vida.

  6. joao lopes says:

    rock,blues ou funk sao tipologias,sao nomes,sao gavetas.nao sei quem inventou o rock portugues,mas sei que existiu uma banda(precisamente a banda do casaco) que se calhar inventou tudo,incluindo o rock luso.nao menosprezando os UHF,o rui ou os xutos ,mas nas letras tal como na atitude descompremetida da Banda,na criatividade impar, o “rock” nunca esteve tâo bem servido em portugal(seja la o que fôr o “rock)

  7. Sarah Adamopoulos says:

    Que bem lembrado, a Banda do Casaco, que eu adorava (ainda tenho o “Também eu”). Mas rock não será – bolas, acho que ainda sei o que é rock, e embora haja mais pop de que gosto do que rock propriamente dito. Para além da Banda, mais alternativa, gostei muito dos GNR, que para mim sempre foi pop, apesar da designação (Grupo Novo Rock, se não esqueci).

    • joao lopes says:

      concordo que nao seja rock,mas a questao que levantei,era se a Banda do Casaco nao teria uma atitude “roqueira”,no sentido da irreverencia deles,as letras sarcasticas,os arranjos inovadores,a inventividade permanente.para mim,o “rock” é muito mais do que tocar uma guitarra electrica,que o digam por ex. os pop del arte

      • Sarah Adamopoulos says:

        sim, sim, acho que sim, que a Banda do Casaco tinha esse atitude. Mas atenção que rock não é apenas tocar uma guitarra eléctrica. Os Pop dell’arte, igualmente bem lembrados, foram muito importantes, dos mais inteligentes entre todos, levados pelo brilhante João Peste