Um juiz “totalmente disponível para tudo”

GOLD

Foto: António Figueiredo@JN

Já passaram alguns dias e fico com a sensação que pouco se tocou neste assunto. E não é um assunto qualquer. Os jornais falaram nisso, é verdade, mas não parece ter levantado a mínima partícula de pó.

O preso preventivo António Figueiredo, até há pouco tempo presidente do Instituto de Registos e Notariado, terá telefonado ao juiz Luís Vaz das Neves, presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, e ter-lhe-à dito que desconfiava estar sob investigação e escuta da PJ. Perspicaz, o juiz respondeu:

Desde já lhe digo e lhe quero manifestar que tudo, mas tudo que o soutor entenda que possa ser útil, porque eu conheço o soutor, estou totalmente disponível para tudo” (fonte: Expresso)

Eles até podem ser grandes amigos – ainda que o termo “soutor” não beneficie esta teoria – e Vaz das Neves ter absoluta confiança em António Figueiredo. O antigo presidente do IRN pode até ter sido apanhado numa armadilha chamada vistos Gold, e estar agora a pagar pela falcatrua dum peixe grande qualquer. Podem inclusive ser ambos parvos, um por achar que está sob escuta e ainda assim ligar a um juiz para lhe dizer isso mesmo, sabendo que poderá ser ouvido, e o outro por, perante a situação que lhe é revelada, ter esta escolha de palavras absolutamente ingénua e catastrófica.

Mas ainda que tudo isto seja genuinamente inocente, o senhor juiz não ajudou. Repetir três vezes a palavra “tudo” na mesma frase para se demonstrar à total disposição de António Figueiredo, um homem que o acaba de informar sobre as suas suspeitas de estar sob investigação, sendo que na terceira vez foi categórico ao ponto de assegurar estar “totalmente disponível para tudo“, dá que pensar. O que significa, da boca de um juiz que ocupa a posição que Luís Vaz das Neves ocupa, estar “totalmente disponível para tudo“? Será apenas o cidadão Luís Vaz das Neves que está disponível, o alargar-se-à esta disponibilidade ao presidente do Tribunal da Relação de Lisboa? É estranho, muito estranho. Mas o mais certo é nunca sabermos ao certo o que terá significado. O Supremo já tratou de arquivar o processo. Um processo que, ao que tudo indica, é até normal. A normalidade é que está cada vez mais estranha.

Comments

  1. Um juiz que acompanha seguramente o poder.. e ainda tiveram coragem para falar da Argentina, onde existe divisão de poderes.. onde um tal de Nisman, segundo o “agente” escondido na Rússia era agente da CIA…e como tal era tão importante que nem porte de arma legalizado tinha.. enfim…

  2. Vossemecê nun’o percebeu. Êl u que qu’ria (ria) dizer era que stá disposto a tudo pra apurar toda a verdade dus factos, aliás nem o soutor pretendia outra cousa. Mas proquiéque v. é tão descunfiado hôme!?

Trackbacks

  1. […] Luís Vaz das Neves, juíz e presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, apanhado em escutas com António Figueiredo nas quais se apresenta estranha e excessivamente disponível para “tudo o que o soutor entenda que posso ser útil”, “pessoal e institucionalmente”, escuta essa que deu origem a um inquérito, entretanto arquivado pelo Supremo; […]

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