A luz ao fundo do penico

Desta vez, confesso que estou de acordo com Marinho Pinto. Soube que o candidato à Assembleia da República afirmou que “não vale tudo em matéria de política – e de humor também” e não podia estar mais de acordo, pelo menos quanto à primeira parte. Estas declarações do candidato vinham a propósito do sketch do programa “Isto é tudo muito bonito, mas…” do qual Marinho Pinto disse “Vi uma pessoa desconhecida a urinar na minha imagem.”

Eu também vi o sketch e acho que pecou sobretudo pela falta de graça, mas acho que já valeu a pena quanto mais não seja por ter arrancado a Marinho Pinto essa tardia, mas nem isso menos valiosa constatação: “Não vale tudo em matéria de política.”

E tomo esta declaração como um sentido mea culpa  de um político que, por exemplo, classificou a adopção e co-adopção por casais homossexuais como “disponibilizar crianças para satisfazer os caprichos onanísticos e preconceitos heterofóbicos dos gays e das lésbicas”.

Ou que, censurando que a violência doméstica continue a ser um crime público (algo contra o qual se tem batido), tenha dito que “uma das causas deste aumento de mulheres assassinadas é o fundamentalismo das leis que regulam esse problema”. Repare-se no raciocínio: é o facto de a vítima não poder desistir da queixa contra o agressor (que tantas vezes a coage nesse sentido) que faz com que ela acabe assassinada. Logo, se há mais assassinatos, a culpa é da lei.

Já não será o mesmo o Marinho Pinto que pronunciou estas frases e aquele que hoje, “pessoalmente transtornado”, se insurge contra o “vale tudo” na política e no humor. O Marinho Pinto actual certamente já entenderá que a generalização ofensiva e aviltante como a que fez de todos os casais homossexuais não é um argumento político. Assim como entenderá que atribuir o aumento dos crimes à lei que protege as vítimas é não apenas desonesto do ponto de vista intelectual mas, sobretudo, perigoso.

Se Deus escreve certo por linhas tortas, dizem os crentes, a consciência de um político pode ser inquietada pelos mais inesperados sobressaltos. Até, quem diria, pelo jorro de um desconhecido a tombar sobre uma efígie num penico. Quão tortuosos, os caminhos do humor.

Comments

  1. joão lopes says:

    e mais uma vez o RAP na berlinda.Pois bem, se as pessoas quiserem o puderem(os livros estão caros) leiam a autobiografia do grande John Cleese com prefacio precisamente do RAP.segundo o cleese,é tão facil gozar ou satirizar politicos como por exemplo o donald trump,que nem vale o esforço.tambem não vale o esforço por um idiota que “apareceu” na politica graças ao gouxa(cá esta a satira,tendo em conta as palavras do individuo)

  2. Não sei se vale tudo em política ou em humor. Não há dúvida, contudo, que Marinho Pinto mandou que os jovens mijassem fora dos penicos habituais. Deve assim comer do que receitou.
    Uma coisa tem razão. O programa “Isto é tudo muito bonito, mas…” é tão desengraçado e com uns textos tão indigentes que até mete dó.

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