Mais que discutir José Sócrates, há que discutir a Justiça…

José Sócrates não está abaixo nem acima da Lei, mas não é um cidadão qualquer. Desempenhando funções de Primeiro-Ministro entre 2005 e 2011, teve oportunidade de corrigir muitas injustiças e desvios do sistema judicial, mas não o fez. Está a ser vítima também de si mesmo, por inacção e omissão. Não estou obviamente a defender a condenação de alguém inocente, longe disso, um criminoso nas ruas é um erro, um inocente na prisão é uma tragédia. Aproveito apenas a mediatização deste processo para atacar a monstruosidade do sistema judicial português, que oferece prazos e garantias à acusação e poucos ou nenhuns direitos aos indiciados, antes de serem sequer acusados.

Por princípio não gosto que o Estado seja forte, aterra-me a ideia que alguém possa estar meses preso preventivamente, sem que lhe seja deduzida acusação. À excepção de presos em flagrante delito, prisão preventiva é algo que nem deveria existir. Qualquer suspeito deveria estar detido apenas 2 ou 3 dias para ser apresentado a um Juíz que deliberaria levar ou não o caso a julgamento. É assim que acontece nos Estados anglo-saxónicos onde a liberdade dos cidadãos é levada a sério e uma condenação injusta resulta sempre numa pesada indemnização à vítima do erro judicial. É assim também no Brasil, que renegou as tradições burocráticas do passado colonial, adoptando práticas modernas e mais justas.

Mas nos países latinos, o Estado é muito apreciado. “Tudo no Estado, nada contra o Estado e nada fora do Estado” é uma máxima teve a sua triste História, mas jamais teria sido levada à prática num país anglo-saxónico. Na Justiça portuguesa continua a ser aplicada e apreciada pelos vistos. PS e PSD são os grandes responsáveis pelo que não fizeram nos últimos 39 anos.

Isto é demasiado grave para ser ignorado (cont.)

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Na sequência do anterior post sobre  o projecto do governo, promovido pelo Sec. Estado da Cultura Jorge Barreto Xavier, para estabelecer um mecanismo de censura de sites completamente fora do poder judicial, um leitor deixou diversos exemplos sobre as consequências desta senda censória.

Recentemente, em mais um caso de denúncia de conteúdos ilegais, o Google atendeu ao pedido de remoção de um site sobre uma série televisiva. Acontece que o pedido, vindo de uma dessas entidades privadas zeladoras dos direitos de autor, incidiu sobre o site oficial dessa mesma série onde, naturalmente, não existem conteúdos ilegais (são os donos dos conteúdos). Isto significa que estes guardiões dos conteúdos ilegais não analisam se de facto há uso de conteúdos ilegais antes de mandar bloquear um site. E constata-se que o Google também não o faz antes de executar a ordem. Reina o livre arbítrio.

Os direitos de autor são apenas a ponta do icebergue, já que os pedidos de remoção de links que o Google tem recebido incluem empresas a tentarem tramar a concorrência e políticos a procurarem controlar o que se publica.

Barreto Xavier já tem um péssimo currículo quanto à defesa daqueles que o elegeram, graças ao favor que fez à SPA ao aprovar a taxa sobre os equipamentos electrónicos. Agora dá mais um passo no mesmo sentido. Não estamos perante um secretário de estado mas sim de um secretário da indústria.

 

José Sócrates e o Abade de Faria

abade-faria“Isto anda tudo ligado” é uma frase divina, sendo prova disso a quantidade de vezes que o povo a repete. Já lá vamos.

Neste momento, a casa em que José Sócrates exerce o seu direito à prisão domiciliária está cercada de jornalistas que se dedicam à adivinhação, o que faz sentido, tendo em conta que não há jornal ou televisão que não tenha o seu astrólogo ou cartomante.

Entretanto, os canais noticiosos dedicam-se a filmar microfones, o que nos tem permitido saber ingredientes de uma pizza e pouco mais, embora não devamos subestimar a cozinha mediterrânica. Não me espantaria que hoje Marcelo Rebelo de Sousa se dedicasse a uma análise semiótica do fast-food socrático.

Mas não chega. Neste mundo em que a Comunicação Social mantém relações próximas com as artes divinatórias, ainda ninguém explicou por que razão José Sócrates foi viver para uma rua que homenageia o Abade de Faria. É que isto anda tudo ligado. [Read more…]

As origens da tragédia…

O século XX mostrou que exceptuando os casos de legítima defesa após agressão,  a intervenção militar por parte de potencias em solo estrangeiro nunca trouxe bom resultado. O século XXI trouxe mais do mesmo. Mesmo à luz do 11 de Setembro seria no máximo aceitável um ataque punitivo ao governo do Afeganistão, mas jamais encontrarei justificação para a intervenção militar no Iraque em 2003, ao invés do que acontecera em 1991, mas com uma substancial diferença, nessa altura, alcançado o objectivo de libertação do país invadido, desbaratado o exército invasor no deserto, a coligação internacional deu por concluída a missão. Não existia qualquer ligação do Iraque aos atentados do 11 de Setembro, muito menos armas de destruição maciça. Aliás, se falamos em armas de destruição maciça como justificação, porque não invadir Israel, Índia, Paquistão, Rússia, China ou Coreia do Norte? [Read more…]

A tempestade que semeamos

Refugees

Não vale a pena insistir no óbvio, muito se tem escrito sobre ele. Que é uma catástrofe humanitária, uma fuga desesperada de quem não tem mais para onde fugir e procura um mínimo de segurança para si e para os seus. Que a Europa, que se gaba por ser o bastião da paz, da solidariedade e da tolerância tem demonstrado enormes dificuldades em lidar com o problema, incapaz como de costume de falar a uma só voz e poluída por sujeitos mesquinhos como Viktor Órban, o fascista a quem curiosamente a imprensa apelida de conservador – o facto de liderar um partido que pertence ao PPE será apenas uma coincidência – pois, como sabemos, radicais são os do Syriza. Que temos a sensibilidade de uma folha de Excel de um qualquer ministro das finanças pró-austeridade e que infelizmente ainda precisamos de ver a imagem de uma criança morta na praia para percebermos a dimensão apocalíptica da situação. Sim, já todos sabemos isso. Não nos permitimos sequer não saber. [Read more…]