Crónicas Desportivas (4) – O ciclismo tem um novo problema

Algumas semanas depois do último escândalo que abalou o mundo do ciclismo (a utilização do chamado “doping mecânico” por parte de alguns ciclistas, questão que foi levantada há alguns anos por causa de uma perfomance duvidosa do suiço Cancellara numa prova de contra-relógio há uns anos atrás que levou a UCI a um controlo mais apertado das bicicletas utilizadas por alguns dos ciclistas das várias modalidades cujas competições organiza), a UCI depara-se agora com um novo problema: a falta de segurança em alguns provas.

A luta de Oleg Tinkoff por melhores condições de segurança começou no ano passado quando na Vuelta, Peter Sagan e o ciclista português Sérgio Paulinho foram obrigados a desistir da prova por culpa de dois acidentes causados por condutores de motorizadas da TVE (responsáveis pela transmissão televisiva) e por uma mota de apoio da prova espanhola, actualmente organizada pela ASO, a mesma empresa que organiza o polémico Dakar (prova que também não tem sido abonada pelo zelo adequado ao nível de segurança nas últimas edições) e a Volta à França em bicicleta. As duas desistências (Paulinho teve que ser soturado com 17 pontos numa perna) levaram o patrão da equipa Tinkoff, o excêntrico Oleg Tinkoff a ameaçar a retirada da equipa da prova a meio desta e posteriormente a pedir à UCI  que revesse algumas das regras de segurança vigentes nas provas que tutela e organiza. A falta de respostas da UCI às pretensões da equipa levou o multimilionário russo a perder a paciência e a anunciar que a partir do final desta temporada deixará de patrocinar a equipa. 

Sensivelmente na mesma altura, o ciclista britânico Matt Brammeier também ficou muito maltratado depois de ter embatido numa descida com uma inclinação razoável no Tour de Utah contra um carro de apoio da prova que estava efectivamente muito mal colocado.

Noutras ocasiões, a segurança dos ciclistas e dos espectadores também foi colocada em causa. Primeiro quando em 2014 na Volta à Flandres, o ciclista belga Johan Van Summeren atropelou uma idosa de 66 anos que assistia à corrida do Tour de Flandres na entrada para uma bifurcação de estrada, estando na altura a dita colocada numa posição impensável com se pode ver pelo vídeo postado no artigo acima linkado.

Já este ano, na edição da Volta ao Algarve, o director-desportivo da equipa Russa Katusha, o português José Azevedo e o ciclista luso da mesma equipa Tiago Machado consideraram a segurança da prova em risco ao afirmarem que a organização da prova devesse talvez ter mais cuidado na escolha do número de corredores a participar na prova, devido ao facto do pelotão, composto por 200 elementos ter que passar por “estradas onde mal passa um carro”.

Se os acontecimentos aqui narradas tiveram felizmente um desfecho feliz, o pior aconteceu ontem quando o ciclista de 26 anos Antoine Demoitié da equipa belga Wanty Group faleceu durante a clássica Gent-Wevelgem depois de caído da sua bicicleta na sequência de um atropelamento por parte de uma moto de apoio da organização.

A morte do jovem ciclista belga (acompanhada infelizmente de outra morte numa outra prova profissional, a de Daan Myngheer no Critério Internacional da Córsega de enfarte do miócardio) veio levantar de novo a polémica cuja solução não será de fácil resolução para a UCI. Alberto Contador usou do seu prestígio dentro do pelotão para em tom irritado, publicar no Twitter que a UCI precisa obrigatoriamente de rever o posicionamento das motas e carros de apoio nas provas, crítica que considero desde já justíssima porque me parece haver excesso de motorizadas e carros de apoio a circular nas provas.

Basta ver uma prova para perceber que se um ciclista se escapa ao pelotão no início da etapa tem direito imediatamente a ter um dos múltiplos carros de apoio atrás de si. Se passados 20 km for apanhado ou a sua diferença para o pelotão for inferior a 1 minuto de diferença, tal situação levará os comissários a ter que mandar o carro da equipa aguardar na berma da estrada para deixar passar o pelotão e reentrar no comboio de carros de apoio. Noutras situações, o ciclista que se sacrifica a vir cá atrás buscar águas para os companheiros tem uma verdadeira epopeia pela frente visto que na rectaguarda existe uma parafernália de movimentações descuidadas realizadas por carros de directores desportivos, motos, ciclistas atrasados, carros dos colégios de comissários, etc.

ana paula marques

Fonte: Ana Paula Marques\Jornal Record

Contudo, sendo o ciclismo uma modalidade que depende obrigatoriamente de patrocínios para sobreviver, dependendo esses patrocínios do mediatismo que as transmissões televisivas das provas para todo o mundo trazem aos patrocinadores, estando comprovado actualmente que o retorno do investimento feito por uma empresa no patrocínio de uma equipa de alto nível é bastante superior à verba investida, como se podem ver aqui nestes exemplos da equipa portuguesa Efapel  e de várias equipas do World Tour, uma diminuição de efectivos por exemplo ao nível de reporters de imagem motorizados fará diminuir o interesse de algumas empresas. A diminuição do interesse de algumas empresas levará ao encerramento de algumas equipas e ao desemprego de centenas de agentes, visto que o ciclismo emprega mesmo muitas pessoas. Uma equipa de World Tour como a Tinkoff, cuja temporada de 2016 foi orçada em 25 de milhões de euros, por exemplo pode movimentar, como contabilizou recentemente a jornalista do Record Ana Paula Marques perto de 150 pessoas. Multipliquem portanto este número por 18 equipas de World Tour, 40 equipas da divisão pro-continental (com um staff ligeiramente inferior) e cerca de 100 da divisão Continental da UCI, equipas que já movimentam entre corredores, treinadores, mecânicos, médicos, fisioterapeutas e restante staff perto de 50 pessoas. Outra das soluções que podem ser pensadas é a possibilidade de deixarem de existir carros neutros de apoio, os carros que transportam bicicletas, rodas, água e suplementos energéticos básicos como coca-cola, bananas ou barras de gel energético de absorção rápida para assistência imediata aos corredores que furam o pneu durante as provas ou que não podendo pelas circunstância de “momento” (entenda-se como momento da decisão da prova) deslocar-se aos respectivos carros de apoio para receber esse material, obrigando portanto os carros de apoio a assegurar toda essa assistência indiferentemente das situações de corrida.

 

Comments

  1. Nascimento says:

    Ai tem pois!Espere para ver a barraca que vem ai quando começar a volta a França. Sabe quem a patrocina? Vinhos Chilenos!Vai dar boicote.A ameaça está feita.

    • Que non-sense é esse?

      • Nascimento says:

        É o que se está a prever na próxima edição da volta á França.O pessoal dos terroires já ameaçou. É ler o que dizem as noticias dos franciús.

        • Não estranhava se o Tour estivesse nos planos do Daesh. É uma prova com um mediatismo enorme, com um aglomerado de pessoas enorme nas chegadas ao sprint e nas etapas de montanha e com uma segurança muito mais reduzida do que por exemplo o futebol.

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