Carta do Canadá – A morte que dói

Acabo de saber da morte súbita de Nicolau Breyner. Dói-me a alma. Não é fácil ver desaparecer os artistas que amamos como se fossem do nosso sangue.

Vem-me à memória aquele rapaz que, mudo e emocionado, levantava um cartaz num recital dos Três Tenores em Buenos Aires. “Não morras Pavaroti”, dizia o cartaz. Quando amamos o teatro, o cinema, as artes plásticas, a música, a literatura, é o que apetece implorar aos que se distinguem. Daí a considerá-los imortais vai um passo. E garantido enorme desgosto quando eles partem. Foi assim que me senti tantas vezes: Rommy Schneider, Yves Montand, Edith Piaf, Jaques Brel, Ingrid Bergman, Chagal, José Régio, Jorge Barradas, Almada-Negreiros, tantos e tantos mais. Mas também por eles estou grata à TV e ao cinema que perduram a sua obra e a lembram de vez em quando.

Agora, o Nicolau. O actor que dominava a profissão sem ser enfadonho, agarrando o público. O humorista que sentia prazer em fazer rir, em aliviar o fardo da vida ao próximo, sem precisar, para ter graça, de ser ordinário, vulgar, insultuoso da religião e opções dos demais. Era um senhor e popular por isso de ser amado pelo povo que se revia nele. Porque, para além do palco, era um homem generoso, leal, escorreito de carácter. Um alentejano puro sangue.

[Read more…]

Só mesmo a propósito da calçada

calcadaA calçada à portuguesa, tal como o nome indica, é originária de Portugal, tendo surgido tal como a conhecemos em meados do século XIX. Apesar de os pavimentos calcetados terem surgido no reino por volta de 1500, a calçada à portuguesa, tal como a entendemos hoje, foi iniciada em meados do séc. XIX. A chamada “calçada à portuguesa”, em calcário branco e negro, caracteriza-se pela forma irregular de aplicação das pedras. Todavia, o tipo de aplicação mais utilizado hoje, desde meados do séc. XX, designado por “calçada portuguesa”, é aplicado com cubos, e tem um enquadramento diagonal.”

Para além de ser um pavimento, a calçada tem um valor cultural e simbólico profundo. E não é preciso dizer isto aos lisboetas, porque é um sentimento, e não admira que as reacções ao seu retiro sejam emocionais. Mas, depois, é como se a catarse da indignação fosse suficiente, pronto, como já disse que sou contra, já fiz o que estava ao meu alcance. Ora como isso nada adianta, é bom saber o que o Plano de Acessibilidade Pedonal da Câmara Municipal de Lisboa (CML) entende por “orientar o uso da calçada portuguesa na cidade nos próximos anos e não removê-la”. [Read more…]

O mal

Matt-Kenyon-illustration--009

Ilustração: Matt Kenyon / The Guardian

Cresce a olhos vistos o mal no mundo e na Europa, em particular. São sinais de um passado que se julgava ultrapassado. O “não há alternativa”, o “rigor” e a “austeridade” aplicados às pessoas (a novilíngua do Orwell tomou conta da política), quando para o sector financeiro e para as multinacionais há sempre um “resgate” pronto a sair, está a trazer o pior das pessoas à superfície.

Na semana passada foi a Siemens a anunciar o despedimento de 2500 pessoas. Terá o negócio desaparecido? Certamente que não, mas há onde produzir mais barato a riqueza da empresa, apesar disso se traduzir  na pobreza dos que a fizeram.

É um exemplo entre imensos. Os medos levantam-se e os oportunistas políticos usam-nos como estratégia.

A extrema-direita deverá entrar nos parlamentos dos três estados, tendo largamente superado a barreira necessária dos 5% dos votos. Este partido, que nasceu apenas há três anos, passa assim a estar representado nos parlamentos de oito das 16 regiões da Alemanha, a 18 meses das eleições legislativas, e quando ainda são esperadas até lá mais eleições [PÚBLICO, 13/03/2016]

Aproximam-se tempos ainda mais difíceis.

Marcelo Rebelo de Sousa patrocinado pelo Expresso

MRS

Sim, já sabíamos que a imprensa adora Marcelo e que o carregou em ombros das instalações do Grupo Prisa até ao Palácio de Belém. O que talvez muitos não soubessem é que, apesar de já eleito, alguns jornais ainda se dão ao trabalho de continuar com o processo de beatificação. Marcelo, o Afectuoso, foi a pé de sua casa para a sua investidura com presidente. O Expresso acompanhou o percurso, publicou a peça e ainda decidiu pagar ao Zuckerberg para patrocinar este importante acontecimento no Facebook. E porquê? Não sei. Fica a dúvida que partilho com a página Os truques da imprensa portuguesa.

Imagem@Os truques da imprensa portuguesa

«Vai ao supermercado, para para ver o peixe fresco do dia, mete o que compra num saco plástico que leva na mão»?

construir

Via Contruir (http://bit.ly/1QSfpOm)

Não!

«Vai ao supermercado, pára para ver o peixe fresco do dia, mete o que compra num saco plástico que leva na mão».

Exactamente.

***

Nótula: Ontem, ao saber do falecimento de Hilary Putnam, lembrei-me quer da (rara, muito, muito rara e, além de rara, extremamente bonita) homenagem à inteligência da vítima no momento do ataque em artigo científico  (até o jornal The Guardian deu por ela: «When one reads Chomsky, one is struck by a sense of great intellectual power; one knows one is encountering an extraordinary mind»), quer da entrevista em que a Prospect conseguiu a um excelente título (A philosopher in the age of science) acrescentar um magnífico mote («Hilary Putnam is not well known outside philosophy. He should be»), quer obviamente do mais importante: a obra.

If intelligent non-terrestrial life – say, Martians – exists, and if the ‘Martians’ speak a language whose grammar does not belong to the subclass Σ of the class of all transformational grammars, then, I have heard Chomsky maintain, humans (except possibly for a few geniuses or linguistic experts) would be unable to learn Martian; a human child brought up by Martians would fail to acquire language; and Martians would, conversely, experience similar difficulties with human tongues. (Possible difficulties in pronunciation are not at issue here, and may be assumed not to exist for the purposes of this argument.)

— Hilary Putnam (1926-2016)

A geringonça jornalística

BF

Sempre atenta, a equipa da página Os truques da imprensa portuguesa chamou a atenção para a forma como alguns jornalistas, como foi o caso de Bernardo Ferrão do Expresso, se referem ao governo em funções como “a geringonça”, um termo cunhado por Paulo Portas. Não me choca o uso do termo, como não me choca a utilização de “irrevogável” quando o tema é anterior líder do CDS-PP. Mas uma coisa é serem usados por uma pessoa como eu ou o caro leitor. Outra muito diferente é ser um jornalista de um dos maiores grupos da imprensa nacional, um jornalista que, imagino, deve observar princípios de ética, isenção e deontologia, que deve ser objectivo e informar de forma imparcial. Infelizmente, Bernardo Ferrão não é o único protagonista desta forma tendenciosa e destrutiva de fazer jornalismo. A geringonça jornalística.

Imagem@Os truques da imprensa portuguesa