Crónicas Desportivas (5) – As ilações que Santos deve tomar

Dois jogos distintos contra duas selecções distintas, com poderios ofensivos e defensivos bem distintos e modelos de jogo quase antagónicos. Historicamente, Portugal dá-se melhor contra equipas da sua qualidade, cujo modelo de jogo seja um futebol mais aberto e mais técnico, tendo muitas dificuldades contra equipas de menor potencial como é o caso da Bulgária, selecção que faz da retranca, à falta de poderio técnico ofensivo, a sua grande arma contra as equipas de maior nomeada. Fernando Santos decerto irá tirar lições destas duas partidas realizadas na recta final da preparação para o Europeu, não esquecendo a derrota contra os Búlgaros: em França, contra Austríacos e magiares, teremos um pouco mais de Búlgaria e um pouco menos de Islândia, selecção cujo elenco é mais próximo do futebol belga.

Na sexta-feira, o futebol pregou uma das suas inúmeras partidas.  O azar esteve presente sim, mas, antes do azar, os búlgaros tiveram um guarda-redes à altura (Stoyanov inspiradíssimo; já não via um guarda-redes búlgaro tão bom desde o mítico Mihaylov, antigo guarda-redes dos Belenenses nos anos 90) não se podendo dizer que Portugal tenha pecado no capítulo da construção de jogo mas sim na finalização. Não posso porém afirmar que João Mário tivesse estado ao nível de hoje ou que Rafa Silva tenha criado melhores situações ofensivas no flanco esquerdo do que as que hoje criaram André Gomes, Raphael Guerreiro e Nani, jogadores que construíram a simples (e ao mesmo tempo prodigiosa jogada que resultou no primeiro golo).

Apostando num 4x4x2 assumido com Nani a fazer companhia na frente de ataque a Ronaldo (Santos vê em Nani o jogador capaz de criar os espaços necessários para o melhor futebol de Ronaldo, através das movimentações constantes do jogador do Fenerbahce do eixo para as alas), Portugal fez 22 remates à baliza dos búlgaros. Na 2ª parte contra a bélgica, já com o resultado em 2-1, para segurar a vitória, Santos foi obrigado a fechar o miolo com a entrada de William Carvalho, optando por terminar num 4x3x2x1 com Quaresma na esquerda e Éder sozinho na frente de ataque, revelando portanto que o seleccionador português tem em mente vários esquemas tácticos, podendo portanto trabalhar tacticamente a sua equipa com base no adversário.

Durante a primeira parte do jogo contra a Bélgica, a selecção portuguesa aproveitou a maior abertura belga em relação ao sistema fechado dos búlgaros para atacar com mais critério. A disciplina nacional começou claramente em Pepe, José Fonte e nos 4 homens do meio-campo. Certinhos, o defesa do Real Madrid anulou por completo o forte Romelu Lukaku, compensando de certa maneira a fífia dada no golo búlgaro na sexta-feira. O central do Southampton, sempre muito colocado nos sítios chave, fez quase sempre bem as dobras ao seu companheiro. Contudo, a exibição que me haveria de encher o olho foi a de Danilo Pereira, jogador que hoje ganhou definitivamente o seu lugar nos 23 e que é uma séria ameaça a William Carvalho se este continuar a ser o “trapalhoco” que tem sido durante esta temporada no Sporting. O trinco do Porto foi exímio quer no posicionamento e recuperação de bola (funcionando quase como um 3º central) quer no seu transporte no início da construção de jogo, não tendo medo de avançar com a bola nos pés e de realizar duas aberturas em passe longo para a subida dos laterais nas alas que resultaram em lances de perigo.

A postura de Danilo beneficiou claramente outra das directivas tácticas que Fernando Santos deu aos homens do meio-campo. Adrien esteve claramente escondido na primeira parte. Dali para a frente vimos mobilidade total com Ronaldo a vir atrás buscar jogo, Nani constantemente a variar entre flancos, estendendo o jogo construído a meio-campo quer por João Mário quer por André Gomes e os dois médios a oscilarem entre o centro e ala direita no plano ofensivo, fechando defensivamente tanto os espaços interiores como os espaços exteriores. Com um futebol vistoso nada rendilhado, Portugal foi trilhando, portanto, desde cedo o seu resultado, resultado esse que à passagem dos 20 minutos já poderia estar dilatado se o gigante Courtois não tivesse negado categoricamente o golo a Adrien e João Mário em dois tiros de meia distância, outro a Pepe num estirada monumental a cabeceamento do central e outro a Ronaldo. Entre golos, João Mário voltou a falhar na cara de Courtois, num lance de contra-ataque por deveras vistoso que no qual Nani acelerou no corredor central, abriu para a desmarcação de Ronaldo perante a corrida atenta de Gillet na esquerda, tendo este visto João Mário no outro lado. Na cara de Courtois, o jogador do Sporting deu um toque a mais e perdeu a oportunidade de disferir o golpe final, mostrando claramente (já no Sporting falhou imensos lances deste género durante a presente temporada) que precisa de ser corrigido neste capítulo de jogo (a meu ver João Mário só tem dois défices claros na sua magistral e inteligente forma de jogar: a finalização 1×1 e a forma em como sai a jogar com a bola controlada da sua área, perdendo algumas bolas de forma disciplicente que em vez de gerarem perigosos contra-ataques a favor da turma da Alvalade acabam quase sempre por resultar em lances de perigo contra a baliza de Rui Patrício).

Perante uma selecção belga desfalcada das suas duas maiores vedetas por lesão (Kevin de Bruyne e Eden Hazard) pode-se dizer que a turma de Marc Wilmots (icónico avançado que vi jogar na minha infância; artilheiríssimo do PSV Eindhoven) sentiu a falta dos seus criativos. Defensivamente, não podemos tirar o mérito à equipa de Fernando Santos. Executando uma defesa alta à zona, com duas linhas bem subidas a pressionar bem alto a saída de jogo pelos centrais, a segunda linha de pressão constituída pelos homens do meio-campo conseguir cometer a proeza de secar o poder de distribuição dos 3 médios de organização da turma belga (Naingollan, Fellaini e Witsel), facto que levou os belgas a terem muitas dificuldades de construção de jogo a meio-campo. Com Hazard e DeBruyne dentro de campo, a história seria decerto outra visto que são jogadores capazes de pegar no jogo a meio-campo e acelerá-lo a outra velocidade e com outra criatividade através do fortíssimo drible que ambos possuem como características. Apostando em tentar suplantar um sistema de pressão montado por Santos onde os portugueses, muito próximos, fizeram na primeira parte uma cortina defensiva belga articulada, tentaram os belgas em várias ocasiões suplantar essa pressão através de rápidas triângulações executadas entre os laterais, os designados “médios centros interiores” Fellaini e Witsel e os extremos (Chadli e Mertens), contudo sem grandes resultados. Decepcionante foi a primeira parte do extremo do Tottenham: ao contrário do que costuma fazer no clube de White Hart Lane, o extremo agarrou-se em demasia ao esférico perante um aguerrido Cédric, jogador que também se exibiu a bom nível apesar de considerar que Vieirinha pode dar outras dinâmicas ao flanco direito pois é um jogador que está habituado no Wolfsburgo a não só atacar a linha final como a entrar em virtuosas tabelinhas com os extremos e com os médios- centro do clube alemão. Do outro lado, Raphel Guerreiro mostrou-se em demasia a Santos. Com um pulsar certinho tanto a defender o seu espaço como a subir no terreno, o jogador do Lorient arriscou hoje a ser opção de Santos tanto para os 23 (Se Fábio Coentrão não recuperar ou não recuperar bem a lesão no tornozelo que o afasta hodiernamente dos relvados) como para o onze titular.

Na 2ª parte tudo se alterou. Logicamente, Santos queria ver mais jogadores em acção. O ritmo de jogo baixou, a articulação defensiva da linha média portuguesa alterou-se (Renato Sanchez apareceu mais disciplinado em campo, facto que lhe retira aquela explosividade que o caracteriza) e o médio do benfica, com uma marcação mais suave perante Naingollan (com mais espaço para criar jogo a meio-campo) permitiu a brecha que concedeu ao médio da Roma abrir o jogo para a subida na certa de Jordan Lukaku e a assistência perfeita para o cabeceamento do irmão Romelu, jogador que até então tinha perdido quase todos os duelos individuais que teve à entrada da área contra Pepe. No lance do golo belga, sobram culpas para Bernardo Silva e Cedric (o jogador do Mónaco não acompanhou a subida do lateral e Cedric foi por sua vez surpreendido nas suas costas) e para os centrais lusos, deixando, de forma simpática, o mortífero avançado do Everton cabecear à vontade no seu seio.

Se Rui Patrício evitou males maiores a uma bomba fortíssima de Naingollan, do outro lado, já com Éder em campo (definitivamente não), Ricardo Quaresma conseguiu desperdiçar uma oportunidade de ouro num lance construído na direita por Bernardo Silva (soltou-se a partir dos 70″, conseguindo prover uma ou duas grandes arrancadas em drible, assim como Quaresma do outro lado do terreno com uma ou duas flecções em drible sobre o possante Denayer; mais um grande produto da formação belga) com uma infantilidade de todo o tamanho: uma finalização de trivela quando se apostava que um seco do “cigano” selava a vitória sobre a nº1 do ranking mundial.

Feitas as contas aos dois amigáveis, creio que Fernando Santos terá aqui trabalhado com a esmagadora maioria dos 23 (faltando apenas por motivos de lesão temporária do indiscutível João Moutinho) que irá levar a França salvo as possíveis excepções que possam ser abertas por lesão ou pela recuperação (desde que positiva) de dois jogadores (Tiago e Fábio Coentrão), estando para o efeito algumas soluções (com quem já trabalhou) de reserva como  André André, Rúben Neves, Miguel Veloso, Silvestre Varela, Paulo Oliveira, Pizzi, Nélson Semedo ou Nélson Oliveira.

Fazendo-se sentir a ausência de um ponta-de-lança capaz de finalizar e de ao mesmo tempo abrir espaços para as entradas de Ronaldo em zona de finalização, Fernando Santos poderia ter experimentado Hugo Vieira e Bruno Moreira. Se o rapidíssimo avançado que neste momento está ao serviço do Estrela Vermelha de Belgrado merecia a convocatória a título experimental (à semelhança do que aconteceu em amigáveis passados com o frouxo Lucas João) por se encontrar actualmente de pé quente na Liga Sérvia (19 golos em 24 partidas), creio que o avançado do Paços (o melhor marcador nacional da nossa liga) também merecia uma chamada à selecção porque é um jogador cujas características (bom finalizador, rato de área, muito possante e muito forte no jogo aéreo) assentam bem nas características de uma selecção que consegue criar muito caudal ofensivo pelos flancos e que tem nas suas fileiras uma dúzia de bons assistentes por via de cruzamentos.

Noutro prisma completamente diferente, a meio-campo, as soluções de qualidade que o seleccionador nacional dispõe são tantas que 2 dos centrocampistas com melhor rendimento na Liga deste ano (Cafú do Vitória de Guimarães e Pelé do Paços de Ferreira) não tem espaço nesta selecção sequer para serem equacionados.