O argumento falacioso de RMD

Lê-se aquilo e talvez se pense que faz sentido. Até que se repara nos pressupostos.

Não sou professor, logo a mensagem não me é dirigida, mas permito-me imiscuir-me. Afinal de contas, se RMD está qualificado para mandar bitaites sobre educação, porque não o hei-de fazer também, até porque todos tivemos aulas – logo somos especialistas em educação.

No textículo de RMD comparam-se escolas secundárias com universidades. O argumento é que as segundas são óptimas, apesar de públicas, enquanto que as primeiras são uma porcaria, excepto se forem privadas. Logo, os professores do secundário só podem ser fraquinhos, acrescento eu.

A questão é que a comparação é inválida por várias razões.

Em primeiro lugar, há uma enorme filtragem de alunos que chegam à universidade, tanto ao nível económico, como de aprendizagem e de origem social. Isto significa que os alunos universitários têm melhores hipóteses de terem bons resultados. Portanto, comparar os dois níveis de ensino é falacioso.

Depois, dá-se o caso da escola pública (básico e secundário) ter que aceitar os alunos que lá chegam, ao contrário do ensino privado, que se dá ao luxo de seleccionar. Note-se que a mensalidade do colégio privado é um forte factor de selecção, a par com outros critérios que uma escola pública não pode colocar.

Não é honesto comparar escolas que não têm as mesmas obrigações e, depois, concluir se umas são melhores do que as outras. Por exemplo, gostava de ver que resultados teria o Colégio Salesianos do Estoril com os alunos da Escola Secundária de S. João da Talha.

Olhando para o Instituto D. João V, que é uma escola privada do Louriçal, e para a Escola Secundária Dr. Joaquim de Carvalho, que é uma escola pública na Figueira da Foz, respectivamente nas posições 104 e 72 do ranking de 2016, apesar de serem escolas em contextos não muito divergentes, vemos que a lógica da batata de RMD é isso mesmo, a lógica da batata.

Comments

  1. José Feliciano Cunha de Sotto Mayor says:

    o primeiro problema é desde logo a existência destes rankings, falsos à partida. mas sempre um instrumento dos liberalóides.

  2. Rui Naldinho says:

    Em relação ao artigo escrito pelo Rodrigo Moita de Deus sobre os professores, no seu Blog 31 da Armada, apetece-me repetir Pacheco Pereira, quando no seu ultimo artigo, no Público, afirmava:

    “Claro que se pode escrever sobre as perversidades do sector público, o seu gigantismo desnecessário em muitos casos, a sua má gestão, a falta de uma dinâmica assente no mérito no seu interior, a politização de escolhas nas chefias com o efeito de “jobs for the boys”. Defender “menos Estado, melhor Estado” tem toda a razão de ser, assim como a diferenciação entre as funções nucleares de Estado, como seja a defesa e a segurança, e as funções sociais, onde muitas vezes tem sentido privatizar funções que o sector privado faz melhor e mais barato.”
    “Posso, por isso, escrever um artigo usando uma argumentação ao contrário desta e com outros alvos? Posso, mas é para discutir com outros senhores e não estes. Os interlocutores e as suas intenções contam e muito, porque a conversação muda com eles. Discuto com um socialista a sua crença na infalibilidade do Estado e das soluções públicas, ou com um sindicalista a sua recusa de avaliação profissional, mas não começo a discussão aqui com esta direita cujo amor pelo trabalho e pelos trabalhadores privados se exerce em todos os sítios menos nas empresas e nas fábricas e muito menos na folha de salários e no respeito pelos direitos dos trabalhadores. Aí, esse amor propalado é muito mais desprezo e nalguns casos apenas medo.”

    Qualquer gajo civilizado percebe isto, seja ele de esquerda ou não, com excepção daquela direita Rottweiler, cujo “ ranger dos dentes se ouve todos os dias e a todas as horas”, quando nos deparamos com as suas opiniões num dos canais de Rádio ou Televisão, ou lendo um dos muitos comentadores políticos que pululam na nossa comunicação social escrita.

  3. Isso é tudo evidentemente verdade, e o argumento do Sr. Deus é miserável: a razão principal do recurso às escolas privadas (com raras excepções) é a segregação social – como comprova o facto de que, quando as escolas públicas não tem mitras, pretos e ciganos, a luta para meter lá os filhos é um autêntico “vale tudo” (mesmo entre os paizinhos que dizem mal do ensino público). Dito isto, não preocupa as pessoas de esquerda que os seus representantes políticos ponham todos os filhos em escolas privadas?

    • Não tenho nada a ver com as escolhas individuais. Mas preocupam-me as políticas comuns.

      • À pala dessa exemplar postura, o amigo do Sr. Sócrates ficou bilionário.

        • j. manuel cordeiro says:

          Só agora reparei nesta pérola.
          O comentador precisa de trazer a demagogia à argumentação. É a razão dos fracos.

    • è mesmo isso… a xenofobia dos paisinhos ditos de bem nas escolas publicas…
      Sempre fui um defensor que POLITICO deveria ser obrigatório usar todo o sistema publico… è que não custa nada (des)governar um ministério quando não se é afetado diretamente por ele…..

  4. ZE LOPES says:

    O que RMD debita não chega à falácia. Nem sequer a conversa de café. É mais conversa de tasca (à hora do encerramento). É a argumentação conhecida nos meios dos “media” como “divina moitácia”!

  5. Jose Oliveira says:

    Talvez fosse positivo introduzir um pouco de objectividade neste pântano. O ranking das escolas (como outros rankings, ou até o PIB) é um instrumento que fornece alguma informação, mas não toda a informação. Temos de ter consciência daquilo que podemos daí concluir e daquilo que não podemos. Mas os media, os jornalistas de serviço e os comentadores da treta marimbam-se para a objectividade. Apenas pretendem provar as suas opções ideológicas e o resto é paisagem. Basta ver que algumas das primeiras escolas do ranking, dirigidas por congregações religiosas ou grupos privados, possuem igualmente outros estabelecimentos de ensino bastante mal classificados. Logo, não se trata aqui da cassete “privado melhor que público”. Isso não existe. O facto é que existem muitos outros factores não previstos no ranking que influenciam decisivamente os resultados e que nada têm a ver com os lugares comuns prevalecentes nos espíritos simplistas e manicaístas que pululam por aí. Mas, está claro, só não vê isto quem não quer e desses não há que ter pena….

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