Onde a UE é musculada

Vacilante e mal segura como anda a UE (Brexit, refugiados, o populismo de extrema-direita, a “too big to fail” Itália, prenúncios de nova crise do Euro…), há uma área em que, pela calada, dá firmes passos de gigante: a política comercial e de investimento. Ao contrário do seu antecessor – o irritadiço belga Karel De Gucht que devido à sua incompetência foi posto a ridículo pelo robusto movimento europeu anti-TTIP – a Comissária Cecilia Malmström é uma extremamente hábil, resoluta e entretanto também experiente negociadora que, um após o outro, leva a bom porto os seus intentos. Com pezinhos de lã, e muito ao invés do que vem sendo prometido pela UE sobre transparência para os cidadãos, é todo um ramalhete de acordos de comércio e investimento que atam – e inexplicavelmente não há vozes políticas a bradar aos céus – a capacidade de legislar dos governos (mecanismos arbitrais) e põem em risco padrões ambientais e sociais (cooperação regulatória).

O CETA (UE/Canadá), já está em aplicação provisória desde há um ano, embora mais de metade dos estados-membros não o tenham ratificado e alguns (Holanda e Áustria) estejam ainda a aguardar a decisão do Tribunal Europeu sobre a compatibilidade do sistema de arbitragem para investidores, previsto no acordo, com o Direito europeu; em Portugal, a AR e Marcelo já, alegremente, deram luz-verde.

O JEFTA (UE/Japão), o peso-pesado, “o maior acordo comercial de todos os tempos” segundo a própria UE e que não precisa do beneplácito dos parlamentos nacionais dos estados-membros – porque, espertamente, a protecção ao investimento foi separada do acordo de comércio, ficando para outras núpcias – foi já assinado em Julho passado, devendo ser ratificado pelo Parlamento Europeu até ao fim do corrente ano (é estranho, mas é que os procedimentos europeus têm razões que a razão desconhece). O relator do JEFTA no PE, o português Pedro Silva Pereira, recomenda, também alegremente, que o PE ratifique o acordo. Como tudo indica que sim, teremos acordo despachado antes das eleições europeias de Maio – por causa das coisas.

UE/Singapura (assinado na sexta-feira passada, dividido em três acordos que seguem vias de ratificação diferentes), EU/Vietnam, Mercosul (EU/ Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), EU/México, EU/Austrália, EU/Nova Zelândia, uns pozinhos de UE/USA de Trump, é toda uma rede apertada que nos amarra por via destes tratados de milhares de páginas que submetem ao negócio quase todas as áreas da vida dos cidadãos e nos quais a bota neoliberal pisa fundo, por meio dos lobbys e da conivência dos governos.

Os direitos dos investidores transnacionais, esses sim, são assegurados com mão de ferro, via ISDS (Investor-State-Dispute-Settlement). O resultado podem ser mirabolantes indeminizações que os estados têm de pagar às transnacionais.

Já os direitos dos cidadãos e o desenvolvimento sustentável, esses, ficam na base do diálogo, da boa-vontade, das promessas que o vento leva.

É que uma coisa é o “comércio livre” e outra, bem diferente, é o “comércio justo”. Por mais que a UE ande a fabular que se trata do mesmo.

Comments

  1. Luís Lavoura says:

    foi assinado em Julho passado, devendo ser ratificado pelo Parlamento Europeu até ao fim do corrente ano

    Penso ser usual que acordos internacionais sejam primeiramente assinados pelos governos e só mais tarde ratificados pelos parlamentos.

    Por exemplo, ficou célebre o caso de um acordo Portugal-EUA sobre a base das Lajes, que foi assinado pelo presidente dos EUA mas depois o Congresso desse país se recusou a ratificar. O acordo foi a partir daí aplicado por Portugal, enquanto que os EUA usufruíram da base mas não pagaram nada em troca.

    • Ana Moreno says:

      E isso faz algum sentido, Luís Lavoura?

      • Luís Lavoura says:

        Talvez não faça sentido Ana Moreno, mas é a prática usual e por isso não vale a pena fingirmo-nos surpreendidos com ela, ou somente a contestar em certos casos.

        (Já agora uma pergunta: a Ana tem alguma coisa a ver com uma Paula Moreno que em tempos longínquos foi ativista da LPN e tinha um namorado alemão?)

        • Ana Moreno says:

          1- Contesto tudo o que não me faz sentido.
          2- Tenho tudo a ver 🙂 Porquê? Ou pensando melhor, deixe, isto não é nenhum FB ou lá onde é que as pessoas gostam de tornar públicos assuntos privados. 🙂

          • Luís Lavoura says:

            Então quando vir a Paula mande-lhe beijinhos da minha parte. Talvez ela ainda se lembre de mim.


  2. UE= 1,1 milhões de Consumidores & Contribuintes…


  3. UE: 510,1 milhões de Consumidores & Contribuintes…


  4. Ana, comecei a ler este seu texto sem ter reparado no nome de autor e ás primeiras linhas pensei logo – isto só pode ser AnaMoreno ! Felicito-a, pois claro !

    De novo a denúncia desta política comercial e de investimento da execrável UE, proclamada com tenacidade e que tem que ser motivo de informação séria sobre esta realidade a que tantas ou mesmo maioria das pessoas estão e alheias e desinformadas, numa indiferença tanto maior quanto a histeria dos media facebukianos com os bolsonaros encristados desta vida e afins e homicidas de tri-atletas e outras tretas lhes consome e dissolve a atenção e o conhecimento e o tempo num quotidiano que deveria ser de intervenção cidadã consciente e urgente em questões com esta abrangência cujos efeitos nefastos virão a ser comprovados tarde demais e já sem remédio com proveito programado e alcançado definitivamente nas manápulas de rapina dos gangsters e seus cúmplices políticos e governos e UE . ….atraiçoados que fomos nós aqui também, não é demais repeti-lo, pelo PS/Governo actual !

    • Ana Moreno says:

      🙂 Obrigada Isabela, é isso mesmo. Entre uma UE e uns governos ao serviço do grande capital, uns media que ignoram a temática como se não “passasse” nada, uns cidadãos que, mesmo quando têm a improvável oportunidade de serem informados sobre a temática, não a acham suficientemente “sexy”, isto é desatinante.
      Força para si, que se mantém informada e activa. Afinal, deveriam ser esses os condimentos da democracia.

  5. Ana Moreno says:

    🙂 OK Luís, isso mando 🙂

  6. Paulo Marques says:

    Mas, claro, o Brexit vai ser horrível porque é impossível fazer um acordo comercial… Eurofilisses.

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  1. […] comercial com a UE. E vice-versa, é mais que sabido, se há coisa que está a funcionar na UE é a “política comercial e de investimento”.  E aqui se vislumbra a cegueira destes governos e desta UE e a manta de retalhos esburacada que […]


  2. […] comercial com a UE. E vice-versa, é mais que sabido, se há coisa que está a funcionar na UE é a “política comercial e de investimento”.  E aqui se vislumbra a cegueira destes governos e desta UE e a manta de retalhos esburacada que […]