Entre os professores, há um ou vários cismas que não nasceram ontem e que se vão prolongando na paz podre em que aceitam viver há vários anos, acatando tudo aquilo que, desde 2005, é atirado para cima das escolas.
O episódio mais recente correspondeu à greve às avaliações, em que pudemos verificar a existência de, no mínimo, três trincheiras. Numa, esteve (e está) um governo irredutível que rejeita repor o tempo de serviço a que os professores têm direito. Numa outra, estiveram a maioria dos sindicatos e muitos professores que, reivindicando a dita reposição, acabaram por, conscientemente ou não, terminar uma luta que decorria serenamente, inventando várias desculpas esfarrapadas. Finalmente, um sindicato jovem e uma quantidade apreciável de professores que estiveram dispostos a prosseguir uma luta que, ainda assim, continua aquém do fundamental. Pelo meio, a oposição fingiu estar ao lado dos professores.
Acrescente-se que a greve às avaliações foi feita rotativamente, através da criação de fundos de greve, porque – deixemo-nos de lirismos – não é possível um profissional por conta de outrem fazer uma greve prolongada de outra maneira.
Fiz parte do último grupo, sem heroísmos nem arroubos épicos, apenas porque sou incapaz de ambos e porque, de qualquer maneira, as palavras de ordem me parecem, cada vez mais, ruído vazio.
O governo, claro, repetiu a cantilena do direito à greve, sim, mas assim não, fingindo que se preocupa com os alunos que anda há anos a prejudicar (porque este governo é só um prolongamento da máquina socrático-passista). Os principais sindicatos e vozes anexas terminaram a luta de modo a não prejudicar as férias e acrescentaram o argumento de que as negociações continuariam depois das férias e que era preciso dar força e credibilidade a quem se sentasse à mesa com o governo. Já se sabia que o resultado iria ser este: o governo, irredutível, devolveu o tempo de serviço que já tinha decidido devolver.
As condições de trabalho dos enfermeiros são de bradar aos céus e a verdade é que qualquer classe profissional que queira enfrentar governos, nos tempos que correm, está desprotegida. O governo é um patrão moderno cujo principal objectivo é retirar direitos e baixar salários, dominando, na prática, o poder legislativo (sendo que, no fundamental, a verdadeira maioria parlamentar é PS-PSD-CDS).
Os enfermeiros conseguiram criar um fundo de greve que lhes permite equilibrar uma luta em que os adversários estão desiguais. É importante, evidentemente, que a origem desses dinheiros seja bem explicada. É muito claro que haverá quem se aproveite politicamente desta greve, tendo em conta que a verdadeira maioria parlamentar é adepta da privatização de serviços.
O governo recorre mais uma vez à demagogia e a alarmismos próprios do Correio da Manhã (o sensacionalismo praticado pelos políticos é irmão gémeo das manchetes deste alegado jornal).
Além do governo, no entanto, muitas instituições e muitas pessoas que costumam estar do lado dos trabalhadores preferem atacar os enfermeiros, vendo apenas ataques ao Serviço Nacional de Saúde (sujeito a bombardeamento governativo há anos) e fretes a PSD e CDS e defendendo que a greve só pode ser greve se os mesmos trabalhadores deixarem de ganhar dinheiro, não explicando de que modo é que alguém pode lutar contra os poderosos sem armas e sem comer.
Os democratas andam demasiado distraídos. A democracia e a luta dos trabalhadores não se compadecem com simplismos, é certo, mas, ainda assim, confesso que tenho um preconceito: se uma classe profissional se queixa, é porque tem razão; se uma classe profissional faz greve, é porque não há verdadeira negociação. Não tenho a facilidade que muitos têm em encontrar razões para a eleição de trumps e bolsonaros, mas, quando há democratas com demasiada facilidade em criticar quem faz greve, o tiro atinge o próprio pé. São tempos estranhos e perigosos.
Os “socialistas” “progressistas” a suicidarem-se, que inesperado.
Apenas lembro aquela comissária política do PCP (Partido Conservador Português) que teve a distinta lata de chamar TERRORISTAS aos enfermeiros por usarem fundos de greve para a sua luta, sabendo-se como se sabe que este partido sempre combateu activamente os fundos de greve. A direita agradece reconhecida….
Excelente António Fernando Nabais!
Desde a caracterização do governo “O governo é um patrão moderno cujo principal objectivo é retirar direitos e baixar salários, dominando, na prática, o poder legislativo” , passando pela caracterização da verdadeira maioria parlamentar “(sendo que, no fundamental, a verdadeira maioria parlamentar é PS-PSD-CDS)” Até à caracterização geral dos grevistas e daquilo que podem ter ao seu alcance.
Aplaudo de pé.