A semântica da eutanásia

O chumbo da lei da eutanásia pelo colectivo de juízes do Tribunal Constitucional, levou Francisco Rodrigues dos Santos e André Ventura a celebrar uma vitória que é sobretudo semântica: a inconstitucionalidade da nova lei assenta, fundamentalmente, no texto apresentado pelos deputados, e enviado por Marcelo para subsequente validação do TC, e não naquilo que é o objecto e o conteúdo da lei.

Enquanto agitavam as suas bandeiras e decretavam a derrota da maioria parlamentar, que incluiu BE, IL, PAN, Verdes, a maioria dos deputados socialistas e 14 deputados do PSD, Rodrigues dos Santos e Ventura não terão certamente dado ouvidos ao presidente do Constitucional, sobretudo quando este afirmou que “O direito à vida não pode transfigurar-se num dever de viver em qualquer circunstância”, algo que pode ser traduzido à letra como “ser humano algum deve ser obrigado a viver em sofrimento atroz, se assim não pretender”, ao que eu acrescentaria “apenas para servir os interesses ideológicos e religiosos de pequenos lobbies que se estão nas tintas para a liberdade individual de cada um”. O presidente do TC foi ainda mais claro, quando afirmou que a inviolabilidade da vida “não constitui obstáculo inultrapassável”. Posto isto, parece-me claro que, ultrapassada a questão semântica, a lei passará pelo crivo do Tribunal Constitucional sem levantar grandes ondas. É uma questão de tempo e de gramática.

Compete agora aos deputados dos partidos proponentes, rever os textos apresentados no hemiciclo e rescrever a lei de maneira a ultrapassar os obstáculos semânticos que a fizeram bater na trave do Constitucional, em particular o conceito de “lesão definitiva de gravidade extrema”. De resto, estamos no bom caminho: no caminho do reforço das liberdades e dos direitos civis. Já faltou mais para nos libertarmos desta amarra conservadora e egoísta, que reserva o direito à morte medicamente assistida apenas e só àqueles que podem pagar pelo privilégio de o fazer na Suíça, ou noutro país onde o procedimento é legal.

Comments

  1. estevesayres says:

    Publicado em 13.02.2020

    Pela vitória do não à Eutanásia!

    Os deputados da Assembleia da República preparam-se para discutir e votar uma lei sobre a eutanásia, novamente proposta por PS, BE, PAN e Verdes, aos quais se junta, agora, a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira e a Iniciativa Liberal, um dos partidos de extrema-direita actualmente representados, com um deputado, naquele fórum parlamentar.

    Os comunistas sempre se opuseram a esta lei. Não por critérios moralistas e filosóficos decadentes e de direita, como grande parte dos deputados do PS a quem foi dada liberdade de voto ou do PSD, muito menos por critérios religiosos e reaccionários como faz o CDS e o Chega ou a Conferência Episcopal portuguesa.

    A 29 de Maio de 2018, o nosso saudoso camarada Arnaldo Matos, num dos seus vigorosos tuítes afirmava ser radicalmente contra a eutanásia porque:

    Em primeiro lugar, porque o parlamento vai discutir e votar sobre uma matéria que os deputados e partidos nunca apresentaram à consideração do eleitorado em eleições anteriores.
    Em segundo lugar, porque a despenalização da morte assistida e do suicídio assistido – é nisso que se traduzem os quatro projectos sobre a legalização da chamada eutanásia- é a legalização de um crime bárbaro contra a vida humana.
    Com a clareza que sempre o caracterizou, o nosso camarada Arnaldo Matos denunciou sem qualquer rebuço que, a discussão e eventual aprovação dos projectos de lei naquele distante ano de 2018 – que agora se replicam – visam conferir ao Estado, através do Serviço Nacional de Saúde, o poder de dispor como bem entender da vida dos cidadãos que busquem o tratamento e apoio do Serviço.

    Ora, o que o Estado deve fazer, propugnava o camarada Arnaldo Matos, é investir no Serviço Nacional de Saúde e financiar o seu funcionamento cada vez mais adequadamente à continuação da vida, assim como investir e financiar a segurança social, de modo a proporcionar aos idosos e doentes melhores condições de saúde e longevidade.

    Os comunistas do PCTP/MRPP consideram, tal como o seu fundador, que a despenalização da assistência à morte e ao suicídio tem só em vista diminuir a parte do Orçamento de Estado destinada aos trabalhadores e passá-la para a bolsa dos capitalistas, aumentando assim a mais valia destinada ao capitalista e a taxa de exploração da classe operária.

    Tal como em 2018, em que os quatro projectos então em discussão foram chumbados por maioria simples, agora em 2020 serão de novo chumbados. Se não pelo parlamento, pelo movimento de massas que já se levanta por todo o país. Tal como em 2018 , o Estado não irá adquirir agora também o direito de poder matar impunemente os velhos, os doentes e os incuráveis.

    Em Maio de 2018, e após a derrota que os proponentes destes projectos sofreram, o nosso camarada Arnaldo Matos alertava para que o PS e outros partidos reaccionários iriam certamente voltar com os mesmos projectos, porquanto a rejeição de então não assentou nos princípios de uma discussão ideológica correcta.

    Colocando o acento tónico na luta de classes, o camarada Arnaldo Matos afirmava na altura que:

    Como todos os modos de produção anteriores, o modo de produção capitalista tem por finalidade última a produção e reprodução do homem (e da mulher, claro).
    Enquanto houver um exército de trabalhadores de reserva, como é da natureza do modo de produção capitalista, a burguesia procurará, directa ou indirectamente, apropriar-se da parte do salário destinada a cuidar dos trabalhadores e trabalhadoras idosos, doentes e incuráveis,
    Pois o sistema ainda não prevê mandar matar quem não tem emprego. A despenalização da eutanásia é o procedimento legal pelo qual a classe capitalista se apropria da parte do salário que se destinava a reproduzir e manter os trabalhadores, mesmo na sua velhice e doença.
    Concluindo que Partidos reaccionários como o BE e o PAN, que aliás defendem melhor os direitos dos cães doentes do que os direitos dos operários velhos ou incuráveis, voltarão com os projectos ontem recusados, para abrir caminho à adopção de medidas que só interessam aos capitalistas.

    À derrota dos projectos agora retomados que, caso viessesm a ser aprovados, permitiriam conferir ao capitalismo o direito de mandar matar os velhos, doentes e incuráveis, deve a classe operária portuguesa responder imediatamente com a exigência de medidas políticas inversas, nomeadamente o reinvestimento e financiamento do Sistema Nacional de Saúde, por forma a garantir para os trabalhadores e trabalhadoras a maior longevidade possível e a mais completa dignidade no tratamento e controlo da dor nas doenças fatais e na morte.

    Se já hoje, sem despenalização da eutanásia, os velhos, as crianças e os doentes incuráveis são deixados a morrer como animais nos corredores dos hospitais, imagine-se como não seria bom para a classe dominante um sistema que lhe permitiria esconder estas práticas…

    Fazem parte do salário do operário as despesas com a segurança social, a velhice, a saúde e a dignidade pessoal na vida e na morte do operário e da sua família, quer sejam pagas como salário, quer como mais valias retiradas do orçamento de Estado.

    Num tuíte publicado a 30 de Maio, e respondendo a uma crítica que lhe foi ditrigida por Miguel Graça, o camarada Arnaldo Matos, para além de reafirmar o seu não alinhamento com o que era – e ainda hoje é – defendido pelos revisionistas e social-fascistas do PCP, tornava ainda mais clara a posição dos verdadeiros comunistas face à eutanásia e ao suícidio assistido:

    No modo de produção capitalista em que vivemos, o salário do operário deve cobrir todas as despesas com a produção e reprodução da sua força de trabalho, incluindo as despesas com a saúde, velhice, doença, tratamento e morte não dolorosa e digna.
    Se se despenalizar a eutanásia, o operário verá roubada a parte do salário – ou a mais-valia orçamental respectiva – destinada à manutenção da força produtiva, à saúde, à velhice, à longevidade e à morte digna. E verá roubada a vida!
    Para concluir que nas quatro propostas então discutidas no Parlamento e aí rejeitadas – e que agora se reeditam -, o apregoado direito a uma morte digna acompanhada ou ao suicídio assistido estará sempre na mão da classe dominante, através dos serviços de saúde e dos médicos e enfermeiros que aí exerçam esse poder… sendo mais do que certo que … a vontade do operário nunca será tida em conta, pois representará sempre consumo de maiores despesas e custos. O PCP tem uma posição pequeno-burguesa, antimarxista e anticomunista. A minha posição procura ir ao fundo das relações sociais e económicas em causa na nossa sociedade.

    Com o humor revolucionário que o caracterizava, o camarada Arnaldo Matos rematava com a palavra de ordem:

    Eutanásia- e já! – só se for para o actual Parlamento e para os actuais parlamentares…

    13FEV2020 LJ

    • Paulo Marques says:

      Não faço ideia de que parlamento fala; do português, não é.