A tudologia dos economistas ou os pedagogos de sofá

Há anos que é isto: se o tema for Educação, toda a gente sabe tanto ou mais do que os professores. Em Educação, não há leigos. A haver, são, na prática, os professores. No futebol, temos os treinadores de bancada; na Educação, os pedagogos de sofá.

Entre este tipo de pedagogos, avultam os economistas, porque não há assunto que lhes escape, numa arrogância extraordinária que vai da esquerda à direita. Há uns anos, tive uma polémica com Carlos Guimarães Pinto, a propósito de um capítulo de um livro em que os autores explicavam ao mundo tudo o que sabiam sobre Educação. Nessa polémica, sobressaiu a ignorância atrevida de quem cultiva uma ciência social que se arroga o direito exclusivo de explicar tudo o que existe no mundo.

Recentemente, alguns, vindos da esquerda, desprezando a questão sanitária, descobriram a existência de assimetrias enormes na vida dos estudantes, que o ensino à distância iria fazer sobressair os efeitos que as desigualdades sociais têm sobre as aprendizagens – e a vida, senhores, a vida – dos alunos. As escolas deveriam ficar abertas, mesmo aumentando o risco de contaminação da sociedade, para resolver esse problema. Mais uma vez, a Escola é vista como um paliativo para um problema que os pedagogos de sofá descobriram quando apareceu o ensino à distância. Entretanto, os professores têm sido obrigados a lidar (que é diferente de resolver) com esses problemas, enquanto a tutela despeja nas escolas decisões que só atrapalham, como a manutenção de um número exagerado de alunos por turma ou o eterno adiamento acerca de decisões fundamentais sobre o acesso ao Ensino Superior, entre muita outra tralha.

Hoje, tivemos direito a uma notícia e a um texto de opinião de Susana Peralta sobre a recuperação de aprendizagens, esse problema agigantado. Já no início do ano lectivo, o Ministério da Educação inventou cinco semanas para recuperações de aprendizagens, desprezando a capacidade crítica dos professores (que, como se sabe, não percebem nada disto) ou as diferenças existentes entre alunos, turmas e escolas.

Voltando à notícia sobre a recuperação das aprendizagens, não há novidades: a proposta é de uma equipa de… economistas. Muitos números, muita arrogância, muito drama à volta de recuperação de aprendizagens, com contradições pelo meio, como a de considerar que tanto faz entregar o serviço a professores como a jovens licenciados (o que faz sentido, porque, de qualquer modo, os professores não são especialistas).

Com o Ensino à Distância, ninguém aprendeu tudo, muitos não aprenderam nada. A Educação à Distância não é o desejável, mas, tendo sido o possível, não foi o pior dos mundos, foi apenas o mundo possível e inevitável, porque não era legítimo não fazer nada, como não faz sentido fingir que não há novos problemas para resolver. No entanto, não é necessário inventar problemas: todas as aprendizagens são recuperáveis, especialmente se deixarem as escolas e os alunos em paz e se pressionarem os governos para que dêem condições a quem nelas estuda e trabalha. Nas escolas, estão milhares de pessoas com formação e experiência capazes de tratar do assunto – são (oh espanto! oh ignomínia!) os professores.

Pedagogos de sofá, pouco barulho, por favor! Deixai as criancinhas em paz, deixai trabalhar quem sabe. Utopias minhas, eu sei.

Comments

  1. Rui Naldinho says:

    Gostei muito deste artigo. A arte de ensinar tem muito que se lhe diga. Muito para além do que se aprende nas universidades. Cada experiência pedagógica é por vezes única e irrepetível, para cada professor, mesmo fora do quadro pandémico em que vivemos, a começar logo no contexto social e económico onde se insere o grupo escolar.
    O que há de mais nesta terra são PhD ou Catedráticos a cagar sentenças, “só por que sim”.
    Ser professor ou médico devia ser mesmo só para alguns, cuja vocação ultrapasse a normal gula do ser humano pelo enrequecimento fácil. Infelizmente não é.

    PS – Quando eu vir um economista a acertar na mouche, numa qualquer teoria económica,

    • Rui Naldinho says:

      PS – Quando eu vir um economista a acertar na mouche, numa qualquer teoria defendida por si, matriculo-me logo como seu aluno. Nunca é tarde para aprender.

  2. Luís Lavoura says:

    Recentemente, alguns, vindos da esquerda

    Não sei a quem se refere. Mas conheço uma pessoa dessas vinda da direita: Henrique Pereira dos Santos. E outra: Alexandre Homem Cristo. São pessoas vindas da direita que têm alertado para o enorme problema que a falta de aulas presenciais está a construir.

    • António Fernando Nabais says:

      Todos sabemos que a falta de aulas presenciais é um problema. Não era necessário aparecerem iluminados a lembrar isso. Outra coisa que também não é necessária: iluminados a inventar alarmismos. Outra coisa ainda: por onde andaram os iluminados durante todos os anos em que têm sido tomadas medidas lesivas em Educação aos magotes, sendo que muitas delas tornam ainda mais difícil o combate às desigualdades?

  3. Luís Lavoura says:

    o eterno adiamento acerca de decisões fundamentais sobre o acesso ao Ensino Superior

    Que decisões seriam essas?

    • António Fernando Nabais says:

      O acesso ao ensino superior tem de ser da responsabilidade do ensino superior e não deve transformar o ensino secundário num mero sistema de acesso ao ensino superior.

      • Luis Lavoura says:

        Duas afirmações diferentes.
        (1) O acesso deve ser responsabilidade do Ensino Superior. Muito bem. Mas o Ensino Superior pode decidir continuar a usar as notas do Secundário como critério de acesso…
        (2) O ensino secundário não é um mero sistema de acesso ao Superior. As pessoas (os encarregados de educação) é que o consideram como tal.

        • Paulo Marques says:

          E os patrões, consideram o quê?

        • António Fernando Nabais says:

          1) o Ensino Superior poderá usar os critérios que entender, mas convinha pensar que a média pode não ser suficiente para saber se um aluno tem capacidades para um determinado curso. Veja-se o caso de Medicina: o que é que garante que uma média acima de 18 confere competências para exercer a profissão?
          2) O ensino secundário está condicionado ao acesso ao ensino superior, sim, pode dar as voltas que quiser.

  4. JgMenos says:

    O que muita mais gente sabe é quem, vindo das escolas, justifica o salário que ganha.

    E é ver ministros que não falam sem muletas sonoras a intervalar palavras, gente incapaz de se fazer entender por escrito, e em geral uma olímpica expectativa de que sempre é preciso muito tempo…para aprender a fazer bem…zinho!

    • POIS! says:

      Pois é, mas…

      Se as escolas fizessem milagres isso já se tinha notado. A começar pelo verdadeiro exemplo que é V. Exa.

      A avaliar pelo resultado houve realmente algum falhanço.