Esta era a cidade de Mariupol, antes da invasão russa. Desconheço a real dimensão da destruição da cidade, tenho acesso às mesmas fotografias random que vocês, mas vi estas imagens no The Guardian, que me revolveram-me as entranhas. Uma zona habitacional deserta, que parece fumegar do chão, feita de edifícios bombardeados, alguns em ruínas, rodeados por estradas com o piso partido, árvores rachadas ao meio e destroços por toda a parte. Imagens que julgávamos não voltar a ver na Europa, depois da tragédia jugoslava do final do século passado. Estávamos enganados.
O cerco a Mariupol já reclamou pelo menos 5 mil vidas. Feriu gravemente centenas, perturbou mentalmente milhares, arrasou uma cidade e instituiu o terror. Há pessoas com medo, pessoas a chorar, pessoas revoltadas que nada fizeram para estar naquela situação. Pessoas a querer fugir sem conseguir. Pessoas às escuras, sem água canalizada. Pessoas a sobreviver de latas de atum, se a vida lhes estiver a correr bem.
Putin não vai parar enquanto não controlar a ligação terrestre entre a Crimeia e o Donbass, agora território da Federação Russa. Aliás, o Kremlin anunciou na semana passada que vai ter início a segunda fase da sua “operação especial militar”, que consistirá na concentração da máquina de guerra na região do Donbass, que tem em Mariupol a sua principal cidade portuária. “Libertadas” as novas “repúblicas populares”, Putin passará à terceira fase, que consistirá na apresentação de uma desculpa esfarrapada, com propósito “desnazificador”, que justificará a ocupação de territórios que já ocupa de facto, nomeadamente Zaporizhzhia e parte de Kherson.
Talvez seja esse o momento em que Putin pára. Em que alega, cansado e falido, mas com o ar de quem está preparado para accionar as ogivas, que concluiu a sua “operação especial militar” com sucesso, estabelecendo-se nas zonas já ocupadas do Donbass e em toda a orla marítima do Mar de Azov até à Crimeia, e que se dedicará agora à “desnazificação” da zona “libertada”. Talvez recue no cerco a Kiev, talvez recue no norte e nordeste da Ucrânia, mas dali já não sai. Como não saiu da Crimeia, desde 2014, sem que isso tivesse perturbado o normal funcionamento dos mercados ou das relações comerciais com os seus parceiros ocidentais.
É também por isto que analisar o que se passa, sem ter em conta os antecedentes, as hesitações e algum colaboracionismo do Ocidente, apesar das várias ocupações dos últimos 10, 15 anos, é um embuste. Uma farsa. Como é uma farsa o facto de vários Estados europeus manterem as compras de gás e petróleo à Federação Russa, enquanto se mostram muito consternados com o drama ucraniano. A Ucrânia precisa de firmeza da nossa parte, precisa de um embargo total ao tirano, não que lhe continuemos a financiar o esforço de guerra, ainda que indirectamente. Não se combate a opressão com relações comerciais. Não precisamos de mais sangue inocente nas nossas mãos.
A Ucrânia […] precisa de um embargo total ao tirano
O mundo é muito grande e, mesmo que se consiga convencer alguns países (os ditos “ocidentais”) a embargar a Rússia, esse nunca será um “embargo total”. A Rússia, mesmo não vendendo os seus bens ao “Ocidente”, ainda terá muitos outros países ansiosos por os comprar.
Pelo que, esta conversa do “embargo total” é um disparate sem sentido. Consiste simplesmente em a Rússia deixar de vender o seu petróleo à Alemanha e passar a vendê-lo à Índia e à China. Não é um embargo, é um tiro no próprio pé.
(E vamos a ver quando o “embargo total” abranger o trigo que a Rússia produz… há de haver muito mais gente neste mundo a morrer de fome devido ao “embargo total”, do que gente a morrer devido à guerra.)
Os outros países sabem o que significa o SWIFT poder se fechado por decreto unilateral.
Mas de que outra forma podíamos ver a américa tão preocupada com a fome onde apoia guerras? A preocupação com o Iémen é tão enternecedora!
Nunca posso concordar com esta destruição e guerra, seja ela de onde vier…Responsabilizo; a OTAN,UE, EUA e a Rússia de Putin, e não só!!!
A obrigação de pagar em rublos o gás e petróleo russos, imposto pelos filhos da Putin no poder na Rússia, e a que uma parte dos clientes ocidentais irão ceder, com toda a certeza, atira “para canto” o efeito da maioria das sanções atualmente decretadas, principalmente a mais efetiva de todas: o congelamento das reservas em euros do Banco Central da Rússia.
Aconselho a leitura de um artigo do Ricardo Cabral no “Pùblico” (eu li na edição em papel de 28/3). Vem lá tudo explicado.
E também li por aí que está em marcha um acordo entre a Arábia Saudita e a Rússia para pagamento de importações em rublos. E que a Arábia Saudita se está a aproximar da Rússia, esperando algum apoio no quadro de um eventual conflito com o Irão.
Há um aspeto intimamente relacionado com o conflito que não tem sido levado em devida conta: um dos calcanhares de Aquiles do poderio americano é o dólar estar a perder rapidamente importância como “moeda franca” nas transações internacionais.
A escalada de sanções podem obrigar a que essa perda se acelere, através da ação de diversificação das reservas em divisas que os bancos centrais serão forçados a realizar para se precaverem dos riscos financeiros.
Isso levará a que os sistemas de pagamentos se diversifiquem tornando muitas das sanções decretadas desprovidas de utilidade e, mesmo, como avisa Ricardo Cabral, “tiros no pé”.
Como, por exemplo, a aqui apelidada por alguns “ingénuos” “bomba atómica”: a exclusão de bancos russos do sistema SWIFT. Talvez incomode muito russo comum. A oligarquia e o Estado, duvido. E não sou o único.