Primeiro resultado positivo trazido pela troika

Fim dos ajustes directos. Lá se terão que arranjar outras formas de financiamento partidário.

O memorando aperta mais o cerco aos contratos por ajuste directo.
No memorando da troika há responsabilidades adicionais atribuídas ao Tribunal de Contas. Em documentos semelhantes de outros países não se dá tanta ênfase aos organismos de controlo. Esse papel acrescido reporta-se a dois aspectos: contratação pública, cabendo ao Tribunal o acompanhamento muito rigoroso da legislação e o seu aperfeiçoamento.

Está a falar do fim das excepções que facilitam os ajustes directos?
Exactamente, de acordo com o que o tribunal tem dito sobre essa matéria.

Entrevista de Oliveira Martins ao ionline. Outros aspectos interessantes: a questão da auditoria ao Banco de Portugal (“Não é uma questão de que eu possa falar”); visto prévio para as PPP; na responsabilização da gestão privada em PPP , “há processos pendentes que estão em segredo de Justiça”.

Centenário da República: a génese do movimento republicano

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Adiante explicarei porque comecei com o hino da «Maria da Fonte», interpretado pelo Vitorino, esta crónica, a primeira de uma série que, ao longo do ano, irei dedicando ao Centenário da proclamação da República em Portugal que, como sabemos, se celebra em 5 de Outubro. Sem a preocupação de ordenação cronológica, irei dedicando textos a momentos significativos no caminho para a queda do regime monárquico que vigorava desde a fundação do País. Hoje, falarei dos alvores do movimento republicano. [Read more…]

Mais um chumbo

 Tribunal de Contas

 

 Faz parte da cultura portuguesa sermos muito rápidos a acusar e lentos a reconhecer. Afinal nem todos os políticos ( ex-políticos ? ) permanecem reféns dos aparelhos partidários que os alcandoraram aos lugares que ocupam. Guilherme d’Oliveira Martins tem sido um exemplo disso. Com este novo chumbo, o Tribunal de Contas põe em causa  um dos eixos da política de betão do governo para o "relançamento da economia".

   Os motivos, presume-se, são os mesmos que conduziram aos chumbos anteriores, entre eles uma violação dos cadernos de encargos que implica uma derrapagem  dos custos previstos para a seis auto-estradas a construir ( Transmontana, Douro Litoral, Baixo Alentejo, Baixo Tejo, Algarve Litoral e Litoral Oeste ) de 2 790 milhões de euros para 3 900 milhões.

   Além disso, o TC manifestou-se perplexo ao verificar que nos casos da Transmontana e Douro Litoral o estado perdoou 430 milhões de euros de contrapartidas à Mota-Engil e à Soares da Costa.

   Sócrates e Jorge Coelho devem andar fulos, já que, com estas decisões e por uma vez, algumas "economias" privadas sofrem mais do que a da generalidade dos portugueses. É chato, é injusto e revela que o homem não passa de um mal-agradecido…

A máquina do tempo: Gualdino Gomes – uma operação de resgate (1)

 

Da esquerda para a direita, Abel Manta, Aquilino Ribeiro, Gualdino Gomes e Júlio Costa Pinto. Esta fotografia, tirada em 1938 á porta da Havaneza, no Chiado, é a única que se conhece de Gualdino Gomes.

 

Sócrates, o filósofo grego, viveu entre 470 e399 a.C. Diz-se que era filho de uma parteira e de um escultor e marcou para sempre a história da filosofia. Nada deixando escrito, apenas o conhecemos através das difamações de Aristófanes, da imagem redutora que dele traçou Xenofonte e dos elogios de Platão, os quais lhe conferem uma dimensão que doutra forma não teria.

 

Há vultos que assumem grande importância e influência enquanto estão vivos e, se ninguém os recordar, desaparecem ao morrer, pois nem todos têm a sorte de ter um Platão como amigo.  Há também o fenómeno inverso, como o de Fernando Pessoa, que, como grande figura literária, só começou a «viver» cerca de vinte anos após a sua morte.

Vou falar sobre um homem que não tem o nome em qualquer rua e não figura sequer nas enciclopédias.Vamos conversar sobre uma figura da cultura do ultimo quartel do século XIX e primeira metade do XX, que a maioria das pessoas desconhece completamante – Gualdino Gomes. Salvaguardando as devidas proporções. Nem Gualdino era Sócrates, nem eu sou Platão.

 

 

«Sou um leitor, não sou um escritor», dizia aos que o acusavam de não ter obra publicada. Porém, mais do que um leitor, Gualdino foi um censor ético e estético, um critico severo e atento, cujas diatribes eram temidas. Os seus conselhos foram acatados por escritores de sucessivas gerações. Vagas de literatos e de artistas que pelos seus olhos foram passando, aguardavam, apreeensivos, o juízo que, da sua cadeira de café, Gualdino iria emitir.

 

Durante sete décadas manteve convívio com os mais notáveis homens de letras e artistas. Foi amigo de Oliveira Martins, de D. João da Câmara, de Teixeira-Gomes, de Marcelino Mesquita, de Raul Proença, seu director na Biblioteca Nacional. E foi íntimo amigo (e inimigo de estimação) de Fialho de Almeida. Óscar Lopes, na História da Literatura Portuguesa, afirmou que Fialho foi um émulo de Gualdino no seu «pontificado de café». A relação entre Gualdino e Fialho nem sempre decorreu de forma pacífica.

 

«Algumas figuras, de certo modo numerosas, fizeram do café o único cenário conhecido ao longo de toda a sua vida: Gualdino Gomes, Stuart Carvalhais, António Soares, Alberto de Sousa…», afirmou Marina Tavares Dias em Lisboa Desaparecida. Raul Brandão nas Memórias foi mais cáustico para a fauna que escolhia os cafés como habitat: «É na Brasileira e no café Chiado que os pobres-diabos, como rãs num charco de café, se exaltam ou combinam as revoluções do dia seguinte. A um canto, o Gualdino de gabinardo e barba branca, prepara a última piada…» Na realidade, o nome de Gualdino Gomes é quase indissociável dos lugares que, durante mais de sete dezenas de anos, foii ocupando às mesas dos cafés da Baixa lisboeta. Como recorda José Gomes-Ferreira, há «alvos predilectos (…) das setas envenenadas de muitos arcos» que a fauna dos cafés desfere. Júlio Dantas é um deles (- Júlio Dantas é o discípulo do chinó do Garrett! dirá Gualdino Gomes «mestre dos mestres dos conversadores de café»).

 

Uma reportagem do Notícias Ilustrado de 1928 – «Lisboa e os seus cafés», proclamava, legendando uma foto da fachada do Martinho, situado no então Largo de Camões (hoje Praça D. João da Câmara) – «O Martinho que ainda se lembra de Fialho e de Gualdino». Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, o político e jornalista, numa evocação organizada pelos Amigos de Lisboa em 26 de Dezembro de 1936, recordou a tertúlia do Martinho: «o que caracterizou esta casa era o grupo literário que todas as noites realizava as suas sessões de cavaqueira irreverente, em torno das chávenas de café e do pontífice que era o incomparável Fialho de Almeida. Desse grupo faziam parte Marcelino Mesquita, Manuel Silva Gaio, D. João da Câmara, Gualdino Gomes, Heliodoro Salgado, João e Levy Marques da Costa, João Chagas, o espirituoso Figueiredo (Pinturas), Eugénio de Castro, Abel Botelho […] Guerra Junqueiro e Rafael Bordalo Pinheiro também apareciam de longe a longe.»

 

O escritor Fernando Correia da Silva, no romance Querença, contou dois interessantes episódios ocorridos em 1947 ou 1948, pouco antes da morte de Gualdino. O Fernando era na altura um muito jovem estudante e fazia parte de um grupo que, no Café Chiado, onde Gualdino Gomes, já muito idoso, era figura destacada: «- O Gualdino é um sobrevievente solitário. É mantido por filhos ou netos de amigos seus já falecidos. Magro e comprido, barbicha branca, à duque de Guise. Roupinha no fio, mas sempre distinto e distante, aristocrata por defesa e temperamento. Diz ele para o criado de mesa que anda sempre a bufar: «Ó Pina, traga-me uma bica e um queque, mas que seja fresquinho.» «Ó Sr. Gualdino, os queques acabaram de chegar…» «Também eu acabei de chegar e já tenho 90 anos…» Segunda história: «Um dia, um preto… Esqueci-me do seu nome. É angolano e jornalista. Anda sempre a louvar o génio universalista dos portugueses, pois o Infante, assim e assado, o Vasco da Gama e Albuquerque… (…) Pois um dia o preto, no Café Chiado, decide humilhar o velho. Não suporta a sua ironia, isso é coisa do reviralho e merece correctivo. Intercepta o Gualdino, aponta-lhe a gola do sobretudo, grita, apregoa para que todos ouçam: «Ó Gualdino, você tem aqui um piolho…» O Gualdino mira o piolho, real ou fictício, para o caso tanto faz. Com um piparote do dedo médio logo o dispara sobre o preto: «Ah malandro, vais já desterrado para a costa de África!»

 

Gualdino foi assíduo frequentador dos galinheiros dos teatros de Lisboa. Os galinheiros eram os lugares mais baratos, com assentos incómodos, situados no topo das salas e, portanto, mais distantes do palco, com má visibilidade e deficiente acústica. Ao galinheiro deu-se também o nome de geral.  António de Sousa Bastos, marido de Palmira Bastos, escreveu: «Apesar de ter aparecido apenas uma única vez no teatro, como colaborador de Marcelino Mesquita na revista A Tourada, que se representou no Teatro Avenida, [Gualdino Gomes] é bastante conhecido no meio teatral por ser um dos mais salientes manifestantes contra grande número de originais que se representam no Teatro Normal [D. Maria II]. No café Martinho, à porta do Mónaco, no galinheiro do D. Maria, é sempre ele o chefe das verrinas.»

 

A propósito desta forma de exercer crítica teatral – através do aplauso vibrante e ruidoso, da pateada ou do hilariante chiste gritado em coro por espectadores da geral, voltemos a Raul Brandão e às suas Memórias: «Pertenceu à malta que ia com Fialho para o galinheiro dos teatros deitar as peças abaixo – pertenceu à malta esplêndida que se levantou como um só homem e gritou – Às armas! – quando, no palco, um actor vestido de porteiro anunciou aos outros a entrada do senhor general – metendo para sempre no fundo apeça, o autor e os comediantes.»

 

Da sua mesa de café, Gualdino assistiu à passagem de grandes e pequenos vultos, de diversas gerações e de distintas correntes literárias. À chegada de uns e à partida de outros, como numa estação de caminho-de-ferro. Viu desaparecer grandes
no
mes da literatura e da cultura:  Alexandre Herculano, Gonçalves Crespo, Cesário Verde, Oliveira Martins, Gomes Leal, João de Deus, Eça de Queirós, Tomás Ribeiro, António Nobre, Gervásio Lobato, D. João da Câmara, Fialho de Almeida, Bulhão Pato, Mário de Sá-Carneiro, Marcelino Mesquita, Gomes Leal, Maria Amália Vaz de Carvalho, Teófilo Braga, Augusto Gil, Wenceslau de Morais, Florbela Espanca, Raul Brandão, Henrique Lopes de Mendonça, Fernando Pessoa, Leonardo Coimbra… 

 

Na sua juventude, relacionou-se com alguns dos próceres da chamada Geração de 70. Viu depois chegar os realistas e os parnasianos, os neo-românticos e os simbolistas, a gente do Orpheu, os futuristas, os presencistas, os seareiros (foi um deles), os neo-realistas, os surrealistas… Durante a sua longa vida assistiu à abertura da Avenida da Liberdade, às grandes comemorações camonianas que constituram como que um ponto de partida, um importante marco, na luta pelo derrube da Monarquia, ao apaixonado e exaltado debate da Questão Coimbrã, ao evoluir das obras de Eça de Queirós, de Antero de Quental, de Sampaio Bruno, de Teófilo Braga, de Ramalho Ortigão, de Oliveira Martins, de Fialho de Almeida, à criação do famoso Grupo do Leão, imortalizado por Columbano, ao Regicídio, à proclamação da República, à eclosão da Grande Guerra, à Revolução de Outubro, ao sidonismo, ao advento do fascismo e do nazismo, ao 28 de Maio, à instauração do corporativismo salazarista, à Guerra Civil de Espanha, à Segunda Guerra Mundial…  A política não era território em que lhe interessasse internar-se. No entanto, não permaneceu alheio às vicissitudes que afectavam o povo. Não aprovava o regime autoritário que, desde 1926, vinha, com as mutações necessárias à sua sobrevivência, a dominar a vida social, política e cultural do País.

 

Falando da relação de Gualdino Gomes com Fialho de Almeida, disse Raul Brandão que, apesar da sua isenção crítica, «com apenas dois ou três folhetos [foram quatro, na realidade!] e um soneto no bolso» – pois esta é toda a sua bagagem literária –   sempre se mói com alguma inveja quando vê outros escreverem mais um folheto do que ele conseguira produzir. E acrescenta: «Passou a vida a inventar pormenores do Fialho, vingando-se, como ele próprio confessa, da maneira como o grande escritor tratou aquele soneto que começava assim: Nas soirées do Gervázio/De olho matreiro e gázio… – Por causa dele deixei de escrever! Escarneceu a minha obra!»

 

Sobre a biblioteca de Fialho, disse Gualdino: «Eu chamo a estes livros as onze mil virgens. São apenas quatro mil volumes, ou pouco mais, mas – vai surprendê-lo esta minúcia – estão aqui todos por abrir. Há aqui Balzac e Zola, Eça e Ibañez, os Goncourt e Ponson du Terrail. Fialho tinha muito Ponson na sua biblioteca. Esta literatura de costureiras e guarda-portões era para as grandes hora amarguradas.» Conta também que, pretensioso e janota, Fialho «ostentava uma grande corrente de ouro e uma esmeralda de brasileiro na gravata. Num dia de tourada, apareceu no Martinho, com uma camisa vermelha que teve de tirar pela troça que lhe fizeram: – Julgo que nunca, nem com a própria mulher, teve relações senão de amizade. Os seus quartos de dormir eram separados, um em cada extremidade da casa, e pela manhã, quando ela lhe batia à porta, ele dizia sempre: – Espere, menina, que eu ainda não estou vestido.»

 

Do lado de Fialho de Almeida as referências a Gualdino Gomes foram muito escassas. Em Os Gatos, referindo-se a um atentado falhado contra o imperador D. Pedro II do Brasil e dissertando sobre a imperiosa falta que ao currículo dos monarcas que se prezem faz um regicídio, mesmo que falhado, diz – «Oh meu senhor, habilite-se! Uma reles bomba que seja.» (estava-se em 1889, a 21 anos de distância de um regicídio bem sucedido…). Neste contexto, e propósito de uma alfinetada literária a D. Luís, dizendo que ele traduziu tão mal Shakespeare «que esfriou entre nós o fetichismo pelas obras-primas estrangeiras – subtil maneira esta de V.M. reconduzir o gosto à exclusiva adoração das nacionais!», continua assim a diatribe. «Era trabalho onde o meu rei despejaria a contento geral as asneiras que lhe tivessem sobrado dos seus outros trabalhos literários, e que podia sugerir talvez ao Sr. Gualdino Gomes, por via do rancor plumitivo, o tirázio que V. M. jamais pechinchará do Sr. Consiglieri Pedroso, mercê do jacobino.» Referia-se aqui Fialho ao professor universitário, ensaísta positivista e militante republicano, Zófimo Consigieri Pedroso, famoso pela acutilância dos seus folhetos doutrinários. Fialho de Almeida colocava Gualdino no topo da agressividade verbal, comparando as suas verrinosas piadas a um tirázio regicida.

 

(Continua)