Ao cuidado do sindicato dos camionistas de materiais perigosos

Falem com o Augusto Santos Silva. Parece que as leis não são para ser interpretadas literalmente.

Um paradoxo

Os motoristas de matérias perigosas estão obrigados por lei a possuir uma carta de qualificação de motorista (CQM), certificado de aptidão para motorista (CAM), certificado de ADR e precisam de fazer diversas formações.

Que se saiba os motoristas das Forças Armadas requisitados pelo Governo não cumprem estes requisitos. Está o Governo a colocar os portugueses em perigo ou são estes requisitos desnecessários?

Negociações entre quem?

A Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (Antram) não esteve presente na reunião que decorreu no ministério, mas fez chegar uma proposta para o Governo discutir com o sindicato, segundo Pedro Nuno Santos. [Expresso]

A ANTRAM não esteve presente. Apenas participou o sindicato e o delegado do patronato, perdão, o Governo.

Negociar significa discutir os pontos em desacordo para se encontrar uma solução que sirva ambas as partes. Que legitimidade tem Pedro Nuno Santos para negociar em nome da ANTRAM? Este episódio não passou de uma cortina de fundo para alimentar um enredo onde este sindicato não aceitou, quando os outros aceitaram.

Quanto é que é mesmo o aumento negociado?

Ora bem, se o acordo da FECTRANS inclui a tal cláusula 61”, com a qual o patronato paga apenas 2 horas de trabalho extra por dia (mesmo que trabalhem mais do que isso) e dado que o “conceito de dia” de trabalho é um “período de 24 horas, a contar do início da jornada de trabalho”, há aqui uma potencial poupança da entidade patronal quanto aos custos laborais. Resta saber se o aumento negociado será mais do que essa poupança.

Crónica de uma morte anunciada

Governo: “processo de mediação” chegou ao fim, Antram não negoceia com greve
Hipótese de mediação durou quatro horas. Governo confirmou que ficou por terra perante a posição da Antram de não negociar com a greve em curso. Sindicato independente de mercadorias reúne-se com Governo e tem a suspensão da sua greve em cima da mesa. [PÚBLICO]

Com o governo do lado do patronato, fornecendo motoristas e patrocinando um acordo com outra central sindical, a ANTRAM não tem um único motivo para aceitar negociações.

Entretanto, ANTRAM e SIMM estão reunidos. Se sair mais um acordo, fica o xeque-mate ao SNMMP a um passo.

E fica claro quem manda no país. Dica: não é o governo.

Adenda: Aí está: Sindicato de Mercadorias desconvoca greve. Governo lança apelo ao SNMMP. Agora só falta os 78% dos camionistas associados do SNMMP concordarem em ficar de mãos a abanar.

“A Fectrans escolheu a via negocial e consegui resultados, o SIMM decidiu-se pela via negocial e pretende também conseguir avanços, falta o SNMP”, disse Pedro Nuno Santos [DN].

Governo e patronato de mãos dadas na velhinha táctica de dividir para reinar.

“Com a espada sobre a cabeça”

Um repetido argumento da ANTRAM tem sido que não negocia com a espada sobre a cabeça, querendo dizer que exige que a greve seja cancelada antes de ir para negociações.

Mas repare-se na espada que a ANTRAM coloca sobre a cabeça dos grevistas.

Havendo acordo [entre a FECTRANS e a ANTRAM], este só se aplica a quem o negociou – vincou na noite de quarta-feira o representante da Antram. Dito de outra forma, os motoristas que estão nos sindicatos que optaram pela greve não terão direito às medidas entretanto acordadas com a Fectrans. [Expresso]

Ainda sobre este mesmo acordo, repare-se nesta parte da mesma notícia no Expresso:

A Fectrans confirmou que entre as matérias ontem acordadas inclui-se a polémica “cláusula 61”, aquela que no contrato coletivo permitiu às empresas deixarem de pagar remuneração pelo trabalho suplementar, recebendo duas horas de trabalho extra por dia (mesmo que trabalhassem mais do que isso). O problema é que nem todos os sindicatos assinaram este contrato coletivo, nem várias empresas o aplicam nesta cláusula. Porém, esta quarta-feira, nem Fectrans nem Antram explicaram em que sentido avançaram neste campo. [Expresso]

É uma cláusula fantástica e coloca dúvidas sobre a capacidade negocial da FECTRANS, especialmente se se atender a que, de acordo com o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS em 2018, o “conceito de dia” de trabalho é um “período de 24 horas, a contar do início da jornada de trabalho”.

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Xeque

A meio da tarde, Pedro Pardal Henriques pegou no cavalo e moveu-o para a casa de desafio a André Matias de Almeida para que este participasse em negociações amanhã à tarde no Ministério. Nas notícias ouvia-se que os sindicatos estavam prontos para negociar. Xeque.

À noite, o porta-voz da ANTRAM puxa do bispo e contra-ataca, deixando um peão em posição sem defesa. Nas notícias fala-se em “Acordo histórico” entre Fectrans e patrões. “O tempo da greve terminou”, diz Pedro Nuno Santos. A jogada abriu caminho para a rainha fazer Xeque.

Pardal move o rei para fugir ao ataque mas a posição está pouco defendida. “O Governo patrocinou um acordo que foi assinado à revelia do que os motoristas pretendiam”, aponta, frisando que “motoristas têm reclamado condições que não são as que estão no acordo”.

A ANTRAM aproveita a fragilidade e faz novo xeque. ANTRAM recusou o desafio do Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) para uma reunião na quinta-feira, alegando que não pode negociar com “a espada na cabeça”. A ANTRAM ter colocado a espada na cabeça do sindicato numa jogada anterior, quando afirmou que com greve não haverá aumentos, foi há demasiado tempo para que alguém se lembre.

Outros lances paralelos foram encurralado o rei, sendo o da credibilidade, que parece só se aplicar a um dos lados, um dos com maior alcance. PGR confirma que Pardal Henriques é alvo de inquérito.

Com a ajuda da rainha e do bispo, o jogo caminha rapidamente para xeque-mate, não se desse o caso de os 700 peões, de um total de 900, serem afiliados do sindicato que não foi chamado para as negociações e que convocou a greve.

O jogo continua amanhã. Teria graça se fosse engraçado.

Ponto de situação – os protagonistas e as reivindicações em cima da mesa

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