Desordem, fome e dor são ingredientes diários de uma nação estraçalhada
O primeiro país latino-americano a proclamar a sua independência ainda no século XVIII, parece ainda pagar um preço muito caro por isso, ao longo de sua existência. A história do Haiti está repleta de sangue, desavenças, injustiças e totalitarismo.
O país que manteve estreitos laços com a Espanha e a França se viu à própria sorte após proclamar repetidas vezes a sua independência. Berço de vodu e de piratas franceses, a ilha conhecida como Espanhola, da qual o Haiti ocupa um terço – sendo os outros dois ocupados pela República Dominicana – assistiu a sucessivos mandatários subirem e descerem do poder, na maioria das vezes, da pior maneira possível.
Se procurarmos entender um pouco da história do Haiti, vamos concluir que o país parece mesmo estar repleto de energias nefastas, ao viver em constante caos social e econômico. Após a entrada e saída de diversos chefes de estado, incapazes de elevar o Haiti ao status de nação, senão somente às guerras sociais, as Nações Unidas (ONU) resolve intervir, com a intenção de restabelecer a ordem.
A Missão de Paz das Nações Unidas para a estabilização no Haiti foi criada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas em 30 de abril de 2004, através da resolução 1542, que visa restaurar a ordem no Haiti. A “nova ordem” se deu após um período de insurgência e a deposição do presidente Jean-Bertrand Aristide, que substituiu os regimes sangrentos de Baby Doc e Papa Doc, mas foi incapaz de manter o país estável.
O Brasil foi incumbido de liderar esta missão da ONU e diversos soldados do Exército Brasileiro (EB) foram destacados para o país caribenho. A situação do Haiti sempre foi de precariedade e a estrutura do país se iguala a outros paupérrimos, como a República do Congo, na África e o Timor Leste, na Oceania.
Por cerca de seis anos o Brasil passou a manter um estreito laço com o Haiti, enviando seus homens para cuidar da segurança e da ordem haitiana. Durante este período de instabilidade, foi nomeado presidente René Préval.
A missão de paz era chefiada pelo diplomata tunisiano Hédi Annabi que, dramaticamente veio falecer em 12 de janeiro de 2010, vitimado pelo sismo que devastou o Haiti.
A situação do Haiti sempre foi de caos e depois do violento sismo de 7 graus se tornou ainda mais precária. Perto de 100 mil pessoas (ou cerca de 1% de sua população) perderam suas vidas, soterradas por toneladas de concreto e escombros.
Aqui no Brasil houve forte comoção e o governo do país aumentou ainda mais seu empenho no sentido de auxiliar o povo haitiano. O presidente Lula tomou diversas providências, a incluir o envio de mais soldados e equipamentos, além de US$ 25 milhões, a princípio. A ajuda internacional também veio de países tão distintos quanto distantes, seja em dinheiro, equipes de resgate, doações e materiais diversos. Japão, China, Israel, Estados Unidos, Canadá, Venezuela, Colômbia, México, União Europeia e tantas outras nações responderam prontamente ao pedido de ajuda.
No Brasil, o Haiti passou à ordem do dia em todos os noticiários. As tevês continuam mostrando uma cidade de Porto Príncipe destroçada e repleta de pessoas com olhares perdidos e almas rasgadas. Aproximadamente 25 brasileiros que prestavam solidariedade ao Haiti, perderam suas vidas, sendo a maioria soldados do EB, além da missionária católica Zilda Arns que fazia um trabalho social no país.
Uma semana após o pesadelo real no Haiti, presos fogem de cadeias destruídas e gangues tomam o poder ao assumirem o comércio de artigos de utilidade e subsistência. Cerca de 10% da população (um milhão de pessoas) está desabrigada e dormindo sem teto. Passados dias, equipes de resgate internacionais com seus cães farejadores ainda buscam sobreviventes entre os escombros, na esperança de reduzir o número de óbitos.
Curioso é refletirmos que, o mesmo que se passou na nação mais pobre das Américas, pode ocorrer em qualquer outra nação do mundo. Dias antes do terremoto do Haiti, o Estado do Rio Grande do Norte, no Brasil – país com poucos históricos de terremotos e somente uma vítima em toda a sua história – sofreu um abalo sísmico de 5 graus, refletido também em outras regiões. Distante a milhares de quilômetros do Haiti, sismólogos descartam a relação entre os eventos.
Mas, fato é que abalos estão sempre a ocorrer, pois outros surgiram, logo depois da catástrofe haitiana nos seguintes países, Venezuela, México, El Salvador, Guatemala, Ilhas Cayman, Argentina, Chile e, do outro lado do globo, em Taiwan – todos superiores a 5 graus, mas não causaram vítimas. Sem querer viver em clima de terror, é possível que tenhamos em mente que os abalos podem ocorrer a qualquer momento e em qualquer lugar.
Até mesmo minha pacata cidade, Itaúna, situada no interior da montanhosa estado de Minas Gerais, com pouquíssimo histórico de terremotos, no dia 15 de janeiro de 2008, experimentou um tremor de 4.5 graus, que assustou a população e fez estremecer paredes e quebrar lustres de várias residências.
Sabemos que toda a região da América Central está sujeita a sofrer abalos, por causa do encontro das placas tectônicas caribinha e norte-americana. Lamentavelmente, outros desastres devem ocorrer, em questão de tempo, naquela região. Enquanto isso, milhares de pessoas vindas de todas as partes do mundo conturbam o aeroporto de Porto Príncipe e desembarcam no Haiti. Procuram levar ajuda, conforto material e espiritual àquela sofrida população.
Antes do terremoto, o Haiti já dependia de ajuda financeira externa para manter sua economia, já que o país é incapaz de sustentar, até mesmo, as despesas de seu próprio governo. Se antes era assim, agora os haitianos necessitam ainda mais da ajuda internacional e da solidariedade que, conforme o presidente do Brasil, “precisa se transformar em dinheiro”.
Ainda na década de 1980, quando o Haiti se encontrava mergulhado numa intensa guerra civil, o compositor brasileiro Caetano Veloso, cantou numa canção homônima ao país: “Pense no Haiti, reze pelo Haiti. O Haiti, não é aqui, o Haiti, é aqui”. Ou seja, o Haiti pode se fazer a qualquer instante, em qualquer lugar do mundo, independente de sua localização ou situação econômica.
PEPE CHAVES
Pepe Chaves é editor do diário digital Via Fanzine (www.viafanzine.jor.br), em Minas Gerais, Brasil.
Belo texto, Pepe! Mande mais que nós gostamos do Brazil e dos brazileiros, e essa visão de quem está do outro lado do Atlântico é,para nós, muito enriquecedora
Um abraço e obrigado!