Eu não te espero!

(adao cruz)

Eu não te espero! Yo no te espero! Jo no t’espero! Eu nom te espero!

Acordei hoje de manhã com uma grande sensação de paz. No entanto, atravessavam-me a cabeça três traves mestras. Duas delas de madeira sã, firme, sem bicho. Outra de madeira podre, carunchosa.

 A primeira era uma reflexão muito agradável e confiante sobre a leitura da véspera, o maravilhoso livro de António Damásio “O livro da consciência”. Li e reli tudo o que ele escreveu. E comparando com tudo o que ele escreveu, este livro parece-me um passo gigante no sentido da firmeza, da confiança e da projecção do ser humano no caminho do conhecimento e da verdade. Quando ele diz que o “eu” que tornou possível a razão e a observação científica, e a razão e a ciência, por seu lado, têm vindo a corrigir as intuições enganadoras a que o eu, por si só, nos pode levar, é um pensamento magistral. Nada há como a razão, a principal riqueza do ser humano.

 A maravilhosa explicação que ele dá acerca dos diagramas de conexão e a forma de entender aquilo que o cérebro faz, a partir das conexões já influenciadas no útero por factores ambientais, as experiências individuais em ambientes únicos, aprimorando todos os nossos primeiros padrões de conexões, tornando-os mais fortes ou mais fracos, alargando ou estreitando a rede neuronal, sempre sob a influência da nossa actividade, da aprendizagem e da criação de memórias que nos permitem esculpir, moldar e refazer os padrões do nosso cérebro individual, é um dado de incomensurável importância para o desenvolvimento mental da humanidade. Voltaremos mais tarde a passar as mãos pela macieza e brilho desta trave mestra que atravessa a nossa cabeça.

 A segunda trave mestra que me perfurou a pinha ao acordar nesta manhã de paz, e deixou cair sobre mim aquele pó cinzento da decomposição, foi a visita do papa a Espanha. Uma trave de madeira podre e carunchosa. Este homem a quem eu chamo abutre, sem ofensa aos abutres da minha querida amiga Andreia Dias, anda, com efeito, por esse mundo fora, à procura dos restos secos e mumificados de uma humanidade que há dois mil anos procura desenvolver padrões mentais para se situar no tempo e no espaço. A sua inglória missão é reacender, impunemente, o obscurantismo e a estupidificação medievais e cavernícolas, base essencial do colossal negócio da igreja católica.

 Pobre homem! Pobre homem que nem sabe que mais de metade da humanidade é obrigada a ser ateia por força da razão e do conhecimento, e como ateia se está borrifando para as suas anedóticas intervenções místicas. Pobre homem que nem na protecção divina confia, encurralando-se numa ridícula gaiola blindada. Pobre homem, que às vezes me dá pena, mas outras não dá, porque é suficientemente inteligente para saber o que quer, e o que quer resume-se à economia e às finanças do Vaticano. Já Paulo II, armado em anjinho, e isso está mais que demonstrado, sabia muito bem as linhas com que se cosia, e sabia muito bem como actuar  no que respeita à finalidade principal da igreja: DINHEIRO!

 Vir à Galiza e à Catalunha pedir, não sei a quem, para “devolver Deus à Europa” e pedir à Europa que “se abra a Deus” trabalhando em prol da dignidade humana – talvez como faz a igreja na sua intercontinental pendência pedófila! –   é de rir e é brincar com os neurónios das pessoas, que segundo a evolução e as neurociências, estão numa fase de desenvolvimento irreversível, perfeitamente incompatível com a esclerosada   mentalidade vaticana.

 E aqui entra a terceira trave mestra, de madeira firme e brilhante, que hoje, ao acordar, suavemente e deliciosamente me atravessou a cabeça. A gente da Catalunha, empunhando cartazes de toda a espécie, clamando alto e bom som: eu não te espero.

 E não o esperam porque é um papa falso, hipócrita, um papa que sempre calou e se calou, nos momentos em que devia falar, um papa embalado no luxo por um poder político imbecil que se enrosca na igreja para melhor obter a absolvição e as gordas prebendas que o riquíssimo estado do Vaticano espalha por aí em nome de Deus. O Vaticano pode ser considerado o maior banco do mundo, de onde emerge o maior apoio a banqueiros, especuladores e parasitas da humanidade. Antigamente dizia-se: “quem dá aos pobres empresta a deus”. Hoje o slogan é outro: “Quem dá aos ricos empresta a deus”. E a igreja, o vaticano e Bento 16 sabem disso muito bem!

 Viva o povo da Catalunha! Viva a resistência à falsidade, ao obscurantismo e à crendice! Viva a inteligência humana! Viva o homem na magistral essência da sua razão! Viva um povo que tem os neurónios activos, e procura preservar com toda a dignidade a frescura da sua higiene mental.

Comments

  1. Albano Coelho says:

    Brilhante como sempre. Apenas uma (importante) correção: Onde escreve “Vir a Espanha e à Catalunha (…)” de veria ter escrito “Vir à Galiza e à Catalunha”. Afinal também merecemos o reconhecimento como nação oprimida no Estado Espanhol a para de Euskal Herria e dos Països Catalans. O nosso é mesmo o mais antigo destes nacionalismos.

    Mais informações e vídeo da violência policial em Compostela nas ligações abaixo.

    http://www.diarioliberdade.org/index.php?option=com_content&view=article&id=8420:concentracom-da-rede-feminista-galega-contra-a-visita-do-papa-em-compostela&catid=146:resenhas&Itemid=23

    http://www.diarioliberdade.org/index.php?option=com_content&view=article&id=8419:concentracom-de-ontem-em-compostela-decorreu-sob-assedio-policial&catid=9:resenhas&Itemid=39

  2. Toda a razão meu caro Albano Coelho. Vou corrigir. Obrigado e um abraço

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