O Carnaval dos hospitais

 José Xavier Ezequiel

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1 — Na primeira reunião do conselho nacional do PSD, após a recente eleição em congresso, o primus inter pares Miguel Relvas entrou mudo, sorriu para as câmaras e saiu calado. Não sem antes ter gerado, só pela sua presença pública, um carnavalesco incidente entre o sempiterno Zeca Mendonça e as canelas de um fotógrafo menos atento a golpes baixos.
No seu discuso de posse, Miguel Relvas terá declarado: “Os caminhos alternativos são cantos de sereia que levam à tragédia.”
Tendo em conta a densidade oratória e o fino recorte metafórico, suspeito que Miguel Relvas também recorra aos serviços do assessor de Assunção Esteves.

2 — Rui Machete, em lobby nas Nações Unidas, aproveitou aquele palco internacional para exortar a grande Rússia a não invadir a pequena Ucrânia. Vladimir Putin, finalmente, pôs-se em sentido.

3 — Passos Coelho é teimoso. Gosto de políticos teimosos. Porém, como ensina o Eclesiastes, há um tempo para tudo. Um tempo para teimar e um tempo para deixar de teimar.
Teimar em tentar acabar com o Carnaval é das coisas mais estúpidas que este governo já viu. Representa, mesmo, o arquétipo da absoluta inépcia para lidar com as coisas mais simples da vida.
Vejamos. O sector privado, excepto a bem aventurada Bolsa, encerrou em bloco. As autarquias, excepto três mais ranhetas (que a RTP fez questão de escrupulosamente noticiar), fecharam em uníssono. As escolas, bem ou mal, fecharam para férias. Ou seja, por junto, trabalharam meia-dúzia de desgraçados da administração central, sobretudo em finanças e seguranças sociais, onde a exposição pública não permitiu o expediente usualmente utilizado nas pontes.
Ah, e para que não se diga que os funcionários públicos não fazem a ponta de um corno, os pobres deputados foram obrigados a picar o ponto de mais uma jornada parlamentar, onde até puderam contar com a presença de um dos mais idiotas ministros da educação que este país já viu. Também ele a mostrar serviço público, bem entendido.

4 ­— Confrontados com este edificantes exemplos de boa governança, ter havido uma empresa de papel do Porto que criou, produziu e ofereceu camas de cartão aos sem abrigo, era uma piada de mau gosto que podia muito bem ter passado despercebida. Jonathan Swift ou Thomas de Quincy não teriam uma abordagem tão inóspita. Nem de tão cruel humor negro.

5 — Mais inóspita ainda é a notícia que (juro) li num tablóide com estes dois que a terra um dia há-se comer. Luiz Pacheco, Júlio Pinto ou mesmo José Vilhena, por mais que o tentassem, não conseguiriam ser tão truculentos: “DOENTE DAS CALDAS RECUSADO EM LISBOA, LOURES E LEIRIA MORRE EM ABRANTES.”

6 — Bem diria o grande facho afrancesado António de Sommer Champalimaud — “isto é um país de brincadeira”.
Ou de Carnaval, diríamos nós. Apesar da ignara teimosia do primeiro Coelho.

Comments

  1. JgMenos says:

    Uma treta muito ao gosto de gente que cavalga as banalidades do momento.
    Gente para quem a balda institucional da tolerância de ponto é um sinal de boa gestão!

    • Nightwish says:

      Uma treta muito ao gosto de quem acha que a produtividade se mede pelo número de horas que se deseja não estar onde se está.

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