Os desígnios insondáveis das sondagens

Tendo recebido um telefonema em que alguém se propunha sondar-me em matéria eleitoral e tendo eu declinado o convite – como sempre fiz – lá fui parar, mais uma vez, à coluna dos que “não sabem/não respondem”.

Gostava que as palavras que aqui estou a escrever tivessem o efeito mágico de afastar estas abordagens de uma vez por todas. Notem que não consigo tratar mal ou ser indelicado para as pessoas que se encarregam destas tarefas, sobretudo as que nos abordam presencialmente. Geralmente são jovens a procurar ganhar um parco salário e, por isso, merecem-me, geralmente, simpatia e cordialidade. E não só os que fazem sondagens políticas, mas também comerciais – quando lhe perguntam que programas de televisão prefere, estão, de facto, a relacionar os seus dados pessoais com os seus gostos no sentido de escolher espaços de colocação da publicidade televisiva -, estas agora mais raras, sobretudo desde que as empresas aprenderam a piratear dados das redes informáticas (como esta…) e desenvolveram métodos mais fiáveis de medição de audiências. Mas lá que recuso, recuso.

Agora que as sondagens – e, quando querem poupar dinheiro, as entrevistas sobre o valor das ditas – estão a ferver, devidamente comentadas por entrevistados conspicuamente parciais, quer sejam assumidamente pertencentes a partidos – quase sempre próximos do poder – quer sejam jornalistas sabujos e servis, espécie que abunda em todos os canais e jornais, ocorre-me deixar aqui esta nota. Quanto ao valor e credibilidade das metodologias usadas e dos resultados, se os sucessivos fracassos não vos convencem, talvez vos convençam os nomes de dois dos “especialistas” que dirigiram o defunto centro universitário a estas coisas dedicado na desaparecida Universidade Moderna: Paulo Portas e Santana Lopes. Estes dois nomes de homens de vão saber deviam arrumar o assunto. Mas não. Aí estão elas disparatando em grande – olhem o exemplo da Grécia – e usadas, como é habitual, como arma política grosseira oriunda da ciência da banha da cobra.

Nem vou perder tempo com o valor das amostragens, muitas delas simples e preguiçosos painéis. Notem, porém, a natureza dos inquéritos: os telefónicos, nem interessam aqui, já que relevam da era paleolítica da sociologia, mas os próprios inquéritos por entrevista directa ou presencial. Por muito simples e directas que sejam as questões, a primeira objecção surge logo na forma da entrevista: é uma série de perguntas em que o entrevistador pergunta e escreve as respostas e o inquirido responde sem conhecer a série de quesitos em causa e sem qualquer controlo sobre os acontecimentos? Ou um inquérito que é entregue ao entrevistado, que o preenche pessoal e confidencialmente e o coloca numa urna selada? A diferença entre estes dois métodos, como qualquer pessoa minimamente informada em matéria de psicossociologia sabe, é abissal e as duas vias produzem – mesmo que as perguntas sejam as mesmas! – resultados diferentes. Tanto, que, por mim, só aceito responder quando é usado o segundo método. Já ocorreu duas vezes e com esta prática não tenho qualquer problema, até porque temos acesso a todas as questões e podemos recusar pura e simplesmente responder, já que o modo como elas são feitas está longe de ser indiferente.

Exemplo? Qualquer de nós é capaz de alinhar quatro perguntas que conduzam, quase inexoravelmente, a uma conclusão e, depois, só publicar essa última questão, omitindo todas as outras. Claro que muitos dos meus amigos sabem que entre as duas metodologias de inquérito referidas há uma razoável variedade de técnicas intermédias. Mas penso ter ilustrado o meu ponto. Finalmente, não vou gastar a paciência de quem a tem para me ler até aqui abordando a grosseira prática de, em algumas sondagens, aparecerem, não só inúmeras variáveis parasitas mas verdadeira e pornografia sociológica. Quer procurando indagar de modo simplório sobre atitudes – e as atitudes avaliam-se por escalas, sejam quais forem os autores preferidos de quem inquire, que dão um trabalho que os encomendantes não querem pagar e os encomendados não querem ou não sabem fazer –, quer tentando indagar o que “ as pessoas” pensam do que os outros pensam, como aconteceu em recente sondagem em que aparece a pergunta sobre qual o partido que os inquiridos pensam que irá ganhar as próximas eleições. Sem surpresa, o resultado desta pergunta é muito diferente dos dados obtidos pelas opções partidárias evidenciadas. O partido em segundo lugar nesta sondagem aparecia com maioria absoluta na convicção dos inquiridos sobre o comportamento alheio. Um disparate, a não ser que a agência – que publicava uma ficha técnica armadilhada, como é habitual – quisesse fazer uma espécie de psicanálise para totós. Porque, bem sabemos pelo velho e bom tio Sigmund, “quando Pedro me fala sobre Paulo, eu fico a saber mais sobre Pedro que sobre Paulo”.

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  1. […] podem ser discutidas como se representassem o ser, a realidade ela mesma. As sondagens – e não quero maçar-vos mais sobre o tema – reflectem apenas e muito vagamente uma sombra da realidade. Elas não têm estatuto […]