A zona cinzenta de Maria de Belém

MdB

Não tenho acompanhado os debates presidenciais. O entusiasmo que me colou à TV por altura de todos os debates televisivos que colocaram frente-a-frente os líderes dos partidos em disputa pela vitória nas Legislativas é agora substituído pelo tédio de assistir a uma campanha para uma presidência da República na qual um candidato, Marcelo Rebelo de Sousa, leva uma vantagem absolutamente desigual sobre todos os seus opositores e, como se tal não bastasse, ainda é levado ao colo pela imprensa. Não admira que já se autoproclame sucessor de Cavaco Silva.

Existem, no entanto, vários candidatos que me parecem dignos do cargo. Sampaio da Nóvoa, Henrique Neto, Marisa Matias, Paulo Morais ou Edgar Silva parecem-me, ideologias à parte, gente séria e de carácter. Confesso que não conheço Cândido Ferreira ou Jorge Sequeira e entendo que o Tino de Rans, por muito simpático que possa ser, não é muito diferente do saudoso candidato Vieira. Depois temos os candidatos do regime. Marcelo Rebelo de Sousa, rei do comentário político, líder falhado do PSD, amigo íntimo dessa referência da trafulhice bancária que é Ricardo Salgado e grande fã de Marcelo Caetano, e Maria de Belém, ex-ministra e presidente do PS que ocupou diferentes cargos políticos e em organizações internacionais, regra geral ligados ao sector da saúde.

E é precisamente na área da saúde que encontramos uma das zonas mais cinzentas do percurso de Maria de Belém. Quando presidia à Comissão Parlamentar de Saúde (2006-09), a agora candidata aceitou um convite da Espírito Santo Saúde para ser sua consultora, passando em 2015 a membro do Conselho Consultivo da Administração da Luz Saúde, empresa controlada pelos chineses da Fosun que absorveu a ES Saúde. Ora se isto é, num Estado que é um convite ao tráfico de influências e à corrupção, totalmente legal, não será menos verdade que, do ponto de vista ético, esta sobreposição de funções representa um conflito de interesses e de conflitos de interesses estão as comissões parlamentares cheias. E para quem ainda tem dúvidas da festa que para ali vai, recomendo o livro Os Privilegiados, de Gustavo Sampaio. Está lá tudo, preto no branco. Ou laranja no rosa se preferir.

No debate de ontem entre Maria de Belém e Marisa Matias, a bloquista confrontou a opositora com a referida acumulação de cargos e, apesar de sublinhar a legalidade de tal situação, posicionou-se contra a acumulação de cargos no sector privado por parte de titulares de cargos públicos. Belém escondeu-se por trás do carácter legal da questão e garantiu ter defendido o “interesse público intransigentemente”. Não conheço a fundo o seu trabalho enquanto presidente da CP de Saúde, mas tenho sérias dúvidas que, enquanto consultora da ES Saúde, tenha emitido pareceres e feito sugestões que acautelassem o interesse público quando este chocava de frente com os interesses da sua entidade patronal privada. Será que o conceito de defesa intransigente do interesse público de Maria de Belém terminava no momento em que saía do edifício da Assembleia de República?

Não deixa de ser estranho que, apesar da narrativa, Maria de Belém não tenha disponibilizado o seu registo de interesses referente à X Legislatura, precisamente aquela em que assumiu a presidência da CP de Saúde e a avença de consultoria na Espírito Santo Saúde. Para quem afirma a defesa intransigente do interesse público, não vejo motivo que justifique esta omissão. Ninguém discute a legalidade deste acumular de funções mas qualquer pessoa percebe que existe algo de muito pouco ético para além da lei que o permite. Legal ou não, Maria de Belém representa, como nenhum outro candidato nestas presidenciais, a opacidade da acumulação de funções públicas e privadas que tão bem caracterizam a central de negócios em que se transformou o Parlamento português. Não admiram os valores desastrosos que as sondagens lhe vêm atribuindo. Os portugueses começam a ficar fartos destas coincidências.

Comments

  1. tancredo says:

    Se Marcelo é uma geringonça, subproduto do estado novo, esta senhora é uma geringonça produto do estado velho.

  2. Rui Moringa says:

    Duas pessoas do sistema.

  3. FilipeMP says:

    Paulo Morais ou Marisa Matias seriam pessoas que eu gostava de ver na presidência do país. Infelizmente vamos levar com um parente do regime.

Trackbacks

  1. […] este grupo de convivas do bloco central, temos a candidata presidencial Maria de Belém. Como se a zona cinzenta na área da saúde não bastasse, a subscrição deste pedido indecente e imoral num país onde se contam tostões, […]

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