A emigração, ainda como arma de arremesso

Em Dezembro de 2011, Passos Coelho apontou a emigração como solução para os professores desempregados. Passados estes anos e com um novo governo, eis que António Costa recorre a argumentação semelhante para os mesmos profissionais.  Um olhou para os PALOP, o outro para França. Enfim, triste sina a de se ter que sair do país para se ter trabalho. Mas, ainda assim, há uma nota substancialmente diferente: o contexto. Enquanto que Passos Coelho exultava a que os portugueses saíssem da sua zona de conforto, Costa falava de um compromisso, feito pelo Presidente francês nas celebrações do 10 de Junho, para “desenvolver o ensino da língua portuguesa em França”. É um detalhe para quem emigra, mas as palavras de Passos Coelho não foram de circunstância, mas sim decorrentes de uma série declarações, proferidas por diversos membros desse governo, com o objectivo explicito de apelar à emigração como solução para o desemprego.  

Ainda neste contexto, tive curiosidade em ir ler o que é que esses que agora se indignam com a ausência de indignação escreveram perante as declarações de PPC em 2011. E foi o quê? Desvalorizaram o que foi dito. Agora, os mesmos procuram acusar de duplo-pensar aqueles que não se indignam como em 2011. Poderá acontecer que a isso cheguemos, mas o facto é que neste momento não estamos perante um apelo generalizado à emigração para fugir ao flagelo do desemprego. Não reconhecer esta diferença é, isso sim, o autêntico duplo-pensamento.

Antes:

– As declarações de PPC:

O primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, sugere que os professores desempregados emigrem para países lusófonos, realçando as necessidades do Brasil.

Questionado sobre se aconselharia os “professores excedentários que temos” a “abandonarem a sua zona de conforto e a “procurarem emprego noutro sítio”, Passos Coelho respondeu: “Em Angola e não só. O Brasil tem também uma grande necessidade ao nível do ensino básico e secundário”, disse durante uma entrevista com o Correio da Manhã, que foi publicada hoje.

Pedro Passos Coelho deu esta resposta depois de ter referido as capacidades de Angola para absorver mão-de-obra portuguesa em sectores com “tudo o que tem a ver com tecnologias de informação e do conhecimento, e ainda em áreas muito relacionadas com a saúde, com a educação, com a área ambiental, com comunicações”.

“Sabemos que há muitos professores em Portugal que não têm, nesta altura, ocupação. E o próprio sistema privado não consegue ter oferta para todos”, disse ainda o primeiro-ministro.

“Estamos com uma demografia decrescente, como todos sabem, e portanto nos próximos anos haverá muita gente em Portugal que, das duas uma: ou consegue nessa área fazer formação e estar disponível para outras áreas ou, querendo manter-se sobretudo como professores, podem olhar para todo o mercado da língua portuguesa e encontrar aí uma alternativa”, explicou. [Público]

 

– A reacção da direita:

2016-06-13 insurgente profs emigracao CMF

Agora:

– As declarações de António Costa

E o ponto que António Costa mais salientou desse balanço foi o compromisso feito pelo Presidente francês nas celebrações do 10 de Junho, na Câmara de Paris, de desenvolver o ensino da língua portuguesa em França. “É muito importante para a difusão da nossa língua. É também uma oportunidade de trabalho para muitos professores de português que, por via das alterações demográficas, não têm trabalho em Portugal e podem encontrar trabalho aqui”, afirmou Costa em declarações aos jornalistas, no Grand Palais, no centro de Paris, onde visitou, com Marcelo, a exposição do pintor Amadeo de Souza-Cardoso. [Rádio Renascença]

– A reacção da direita:

2016-06-13 insurgente profs emigracao MN

 

2016-06-13 insurgente profs emigracao FB

Comments

  1. anónima says:

    “Enfim, triste sina a de se ter que sair do país para se ter trabalho. Mas, ainda assim, …”
    “É um detalhe para quem emigra, mas …”
    Estes “mas” não justificam a diferença abissal da forma como foram recebidas e analisadas as declarações de ambos, nem o impacto que tiveram na opinião pública.
    Felizmente agora reflecte-se um bocado antes de partir para a histeria mediática a partir de declarações públicas.

    • j. manuel cordeiro says:

      As situações são diferentes e a histeria, usando o seu termo, no primeiro caso foi perfeitamente justificada. Lembro-me de 3 momentos distintos, com 3 protagonistas, em que o incentivo à emigração teve lugar. Além da estratégia, foi também a forma de dizer, com o discurso de viver acima das possibilidades e de precisarem de sair do quentinho. E do desemprego ser uma oportunidade. Esta estratégia e este discurso não existem neste momento e isto faz toda a diferença.

      • anónima says:

        Passado o histerismo e a indignação, onde cada palavra proferida, cada vírgula, cada ponto de exclamação, cada expressão (“a forma de dizer”) era interpretado e discutido até à exaustão, parece possível finalmente falar da substância dos assuntos. E essa é a mesma: a emigração é uma alternativa, sempre muito dolorosa, de tentar fugir ao desemprego. Como sempre foi, e como sempre será (?), aqui e em muitos outros países.
        Gosta mais da forma como António Costa o diz? Se isso evita a histeria, está bem. Fica o essencial da mensagem.
        Quanto a novas estratégias, idem. Eu continuo confortável com António Costa, mas também não diabolizo Passos Coelho.

        • j. manuel cordeiro says:

          Não é uma questão de forma. É o facto de ter havido uma estratégia de apelo à emigração versus uma declaração isolada. A ver se agora lá vamos, com a terceira vez a dizer o mesmo, com diferentes palavras.

          • anónima says:

            “estratégia de apelo à emigração”

            Sinceramente, acha mesmo que há políticos em Portugal que têm como estratégia apelar à emigração, assim, sem mais? Concretizando: Passos Coelho é uma espécie de “monstro desumano”, que apela à emigração porque gosta de ver famílias separadas, enquanto António Costa “tem compaixão” e apenas fez uma declaração isolada?
            Peço-lhe, por favor, que só responda amanhã, com calma.

          • j. manuel cordeiro says:

            Dispenso o paternalismo.
            Não é o que eu acho. Foi o que Passos, Relvas e Alexandre Mestre disseram.

  2. Amilcar Dias says:

    O problema nao esta na falta de indignacao.
    O problema esta no duplo criterio utilizado pelos vossos jornais e tvs

  3. Mafarrico says:

    E se fossem os bandalhos dos políticos TODOS (gajos que vivem nos partidos e não têm outra profissão, autarcas a tempo inteiro, 230 frequentadores do Para Lamento, ministros, secretários de estado, sub-secretários e chefes de gabinete, presidentes e ex-presidentes) a emigrar e a ficar para sempre por lá? De preferência muuuuuito longe de Portugal?
    Como ficaria o país sem um único político a desgovernar, a roubar bancos que nem Vara de porcos?
    Como nos sentiríamos nós num país sem políticos?
    Já pensaram nisso?

  4. Carvalho says:

    Não

  5. A presente declaração do dão sebastião Costa só recebe atenção (apesar de deslocada para um 1º ministro), porque a “superioridade moral” da esquerda fez a escandaleira que fez, no tempo do PPC. O resto é o folclore normal dos talibans, que se acham muito espertos.

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