Bielorrúsia: o mundo real é fodido, não é?

Minsk

Entretanto, em Minsk, a onda de terrorismo de Estado avança, imparável. Um tirano, violento e decadente, que governa a Bielorrússia como se fosse sua, ordenou às forças de segurança que reprimissem os manifestantes, tendo já encarcerado, sem os procedimentos legais normais no resto (ou na maioria) da Europa, mais de 6 mil jornalistas, líderes associativos e sindicais, activistas, opositores políticos e outros “agitadores”. Isto não é comunismo, nem fascismo, nem outro ismo qualquer. Isto é uma monarquia absoluta travestida de República. E a Europa deve deixar-se de politicamente correctos e retaliar. Sanções, boicote económico, corte de relações diplomáticas, não sei. O que os decisores políticos acharem mais adequado. Mas isso obrigaria a fazer o mesmo à China ou à Rússia, só para citar dois exemplos, e seria too much. Porque produtividade, crescimento económico e competitividade e tal. E as democracias ocidentais também têm as suas prioridades. Tal como o capitalismo selvagem, que não funciona sem as ditaduras que providenciam a mão-de-obra barata semi-escrava.

O mundo real é fodido, não é?

Oito apartamentos e um sótão (3)

Segundo direito

A meio de uma linha de programação, na secretária enorme, com três ecrãs também enormes, ao fim de uma noite ininterrupta de trabalho, José recebeu uma notificação com palavras fora de uso: quarentena, confinamento. A palavra a que estava mais habituado era ‘vírus’. Segundo as notícias, as pessoas deveriam evitar ao máximo sair de casa, o que, no seu caso, era uma segunda natureza. Quando, mais tarde, soube que, durante um fim-de-semana, não seria permitido viajar para fora do concelho, lembrou-se de que já não saía do concelho há mais de um ano. Levantou-se, tão perplexo quanto possível, e foi espreitar a varanda, para perceber que já não se recordava da última vez que lá tinha estado.

Teletrabalho era só trabalho, contratos assinados digitalmente, tarefas com prazo de entrega, muito raramente um telefonema. As refeições e as compras eram, há muito tempo, embrulhos e sacos entregues em casa, papéis e plásticos que se acumulavam na cozinha e no quarto, até ao dia em que decidia, quase sem razão, sair para despejar tudo no lixo, contrariado por não haver um serviço que tratasse desse assunto.

Sair de casa era um risco, porque podia cruzar-se com um vizinho e responder a um cumprimento. Tinha-se quase desabituado de cumprimentar pessoas: os seus conhecidos eram nomes na caixa de e-mail ou nicks nos jogos online. Quando descobrira que a sua vida encaixava no estereótipo do informático, sentiu-se ainda mais tranquilo. [Read more…]