Quo vadis, União Europeia?

Sempre fui um europeísta convicto. Acredito numa Europa de nações com parte da sua soberania partilhada, celebro os seus feitos e virtudes, que (ainda) superam as suas falhas e limitações, reconheço a necessidade de a reformar, mas, devo dizê-lo, a minha convicção já conheceu melhores dias.

Não que me tenha deixado infectar pelo vírus da conspiração reptiliana do globalismo, que me merece a mesma reacção que as 40 virgens que aguardam os terroristas islâmicos no céu deles – eles que acreditem no que quiserem, desde que não chateiem e ou rebentem com os outros – mas os factos são o que são e eles aí estão para testar a minha fé no projecto europeu.

Primeiro foi a resposta à crise financeira do final da década passada. A receita da austeridade autoritária foi um desastre, trouxe ao de cima o egoísmo e a ausência de uma verdadeira solidariedade entre os membros, e deixou a nu a incapacidade que muitos Estados têm de aceitar que estamos nisto juntos, no exacto mesmo barco, mais não almejando que poder beneficiar de uma moeda única, nefasta para as economias dos países mais frágeis, e de um mercado interno sem barreiras, para pessoas, mercadorias e, sobretudo, capitais. Sobretudo capitais.

Dez anos volvidos, novo desastre: a gestão do plano de vacinação, que inicialmente parecia ter tudo para dar certo, revelou, uma vez mais, as enormes fragilidades da União, que financiou investigação, financiou directamente o desenvolvimento e produção de vacinas, para de seguida ser ultrapassada por potências como os EUA e o UK, mas também por pigmeus como a Sérvia e Israel. O lobby farmacêutico, instalado em Bruxelas, fez o seu quinhão. Já Bruxelas ficou com os atrasos nas entregas, com as compras de vacinas a título particular por Estados como a Alemanha (revelando o embuste que foi o plano conjunto de compra), com os cavalos de Tróia de Moscovo e com a incapacidade de fazer aprovar a tal da bazuca, porque a solidariedade europeia é mais teórica e utópica do que real e pragmática.

Dois acontecimentos, separados por 10 anos, que são os mais graves deste século, no seio da União Europeia. Dois acontecimentos que se transformaram em terreno fértil para soberanistas anti-europeus, para a extrema-direita oportuno-populista e para uma série de negacionistas que são, eles próprios, um vírus tão ou mais perigoso que o SARS CoV-2, apostados em promover o caos e a escalada da doença. Para não falar num leste europeu cada vez mais extremista, cada vez mais adverso aos valores fundadores da União, mais alinhado com Moscovo do que com Bruxelas, como são os casos da Hungria e da Polónia, com quem é cada vez mais inviável tentar qualquer tipo de negociação ou consenso. A quem as instituições europeias parecem incapazes de fazer cumprir o propósito do projecto europeu. Como se a percepção da total ausência de democracia nos corredores burocráticos e lobbistas de Bruxelas não fosse já suficientemente destrutiva.

A União Europeia corre o risco de ser um Estado falhado antes de o ser. E o mais certo é nunca vir a sê-lo, e talvez seja melhor assim. O certo, pelo menos neste século, em que a ameaça soviética já não existe, pelo que já não importa afirmar uma alternativa ao totalitarismo comunista, agora que todos os tiranos estão perfeitamente integrados no modelo de organização capitalista, é que, sempre que é chamada para lidar com os verdadeiros problemas, a União falha. Na crise das dívidas soberanas, na vacinação contra a covid-19, na crise dos refugiados, na ascensão das forças anti-democraticas, já confortavelmente sentadas em Bruxelas, e sempre que somos verdadeiramente postos à prova.

Estará a União defunta, e nós é que ainda não demos por ela?

Se está, é uma pena. Tinha tudo para dar certo.

Comments

  1. Paulo Marques says:

    Tinha? Uma união comercial em que os povos não se respeitam e as diferenças económicas só podem ser “resolvidas” por desvalorização interna, excepto por unanimidade entre quem tem a faca e o queijo e quem não tem escolha, tinha mesmo tudo para dar certo?

  2. JgMenos says:

    «…e, sobretudo, capitais. Sobretudo capitais.».

    Estas tiradas de corretês esquerdalho, são o pináculo da idiotice:
    1- num país que tem emigrantes aos milhares por essa Europa, a que só o Brexit veio atrapalhar.
    2 – Que precisa de capitais como de pão para a boca,..
    3 – Que sobrevive endividado há quase 50 anos

    Faz esta cena de quem tem medo que lhe fujam os capitais, que com um produto miserável não acumula, quando só precisa que cá acorram os capitais que se acumulam lá fora!

  3. Filipe Bastos says:

    Como o Paulo, não vejo como a UE tinha “tudo” para dar certo: é frustrante para um europeísta, mas a Europa sempre teve enorme talento para guerras, implosões e tiros no pé.

    Sim, falhou na crise mamona dos ‘mercados’, como antes falhara na Jugoslávia, como falhou agora nas vacinas, como falhou sempre na harmonia fiscal, no regabofe dos subsídios, no clube de capachos do Eurogrupo, nos lacaios-mor Juncker e Burroso, no paralamento da euromama e em quase tudo o resto que importa.

    Estranho e espantoso é quando acerta; quando do jogo de interesses franco-alemão sai algo que não seja fantasias de tecnocratas ou submissão hipócrita a multinacionais e ao grande capital.

    Ainda assim, para direitalhas e cultistas do ‘mercado’ como o Jg não chega: até devem achar que a UE é socialista. Para eles, todo o nosso problema é não abrirmos mais as pernas a mamões.

  4. estevesayres says:

    Nunca estive de acordo para que a CEE/EU entrasse em Portugal, perdemos a nossa independência, e não só!!! Esperamos uma guerra inter-imperialista, em guerra revolucionária para instaurar o modo de produção comunista em cada país do Mundo…