Que comunicação na comunicação de crise em Saúde pública: o papel dos meios de comunicação social (MCS)?

(Autora convidada: Professora Isabel de Santiago, Professora Convidada e Investigadora em Comunicação em Saúde Instituto de Medicina Preventiva e Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UL)

Os dias de pandemia vieram trazer à arena da sociedade politica nacional e mundial os dilemas e os paradigmas sobre os quais os investigadores e teóricos da comunicação em saúde (CS) se debruçam diariamente: sejam em planos de intervenção para reduzir risco em situação epidémica ou pandémica ou, numa esfera mais caseira, na politica de promoção da saúde e prevenção da doença (PSPD), cujo exemplo mais elevado e recente é o do Governo Regional dos Açores, criando um inteligente pilar de desenvolvimento (humano). Veremos aqui, como se desenharam e desenham os caminhos dos MCS.

Nos últimos 50 anos do século XX, desenharam-se grandes teorias de CS que se atravessaram de forma corajosa e invadindo de forma avassaladora os mundos encriptados das ciências da saúde, da medicina, da psicologia, até da enfermagem. A comunicação em saúde não é senão a maior e melhor ferramenta da saúde pública. Pensarmos que todos têm competências para, começa por ser o erro número um. E o erro número 2, e o maior deles, tomar esta área científica como um arremesso de instrumentalização política. O que se aprendeu no terreno com a doença por vírus Ebola, em países lusófonos, dos quais destaco todo o território da Guiné Bissau1, foi  literalmente esquecido com esta pandemia da SARS-CoV2. Ela veio mostrar como a sociologia comportamental dos políticos e a psicologia de determinados egos destruiu aquilo que deveria ser uma mensagem chave singela para os diferentes públicos-alvo, considerando as diferentes idiossincrasias regionais deste País, verdadeiramente vulneráveis. Sem acesso a nada: internet, satélite, televisão por cabo, SMS, jornais ou o que queiram. Os povos deste país, são pobres. São humildes. Sofrem de uma elevada iliteracia em saúde e os maiores responsáveis são os agentes políticos que (des)comunicam saúde para se ouvirem e (des)informarem os seus (inter)pares.

O que é uma estratégia de CS? É um modelo que serve um conjunto de pessoas na prevenção de um problema de saúde no sentido da redução da risco e minimização de mortes, poupando vidas, com recurso a um conjunto de ferramentas, como os Pilares na gestão e comunicação.

Na situação de crise  emergência em saúde pública é determinante que se articulem os três pilares [no diagrama abaixo] na sua gestão e que se restabeleça a confiança entre as pessoas. Verificamos o exemplo mais recente: a quebra de confiança pelos portugueses (e europeus  em relação à vacina da Astrazeneca). Sobretudo num período em que a curva epidémica pode recomeçar a sua subida, que pode ser vertiginosa, estas medidas, pese embora tardias, devem ser de imediato adotadas. Os três pilares passam por tipos de recomendações que são declarações sobre intervenções ou práticas que as evidências indicam serem a melhor escolha.

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Em algumas circunstâncias, como quando, por exemplo, a investigação numa determinada área seja inadequada, a Organização Mundial de Saúde (OMS) dá “recomendação de investigação”. Noutros casos, quando é evidente o uso de melhores práticas com base em princípios aceites, a OMS enquadra as suas declarações como uma “declaração de melhor prática”.

A força da recomendação – quer “firme”, quer “condicional” – é determinada tendo em consideração a qualidade das evidências, juntamente com considerações sobre danos, benefícios, viabilidade, valores, preferências, uso de recursos e equidade envolvidas na recomendação. Uma recomendação firme é uma recomendação que deve ser implementada em todos os contextos, ao passo que uma recomendação condicional poderá ser implementada em contextos específicos e/ou em circunstâncias específicas. Desenhamos assim os pilares:

pilar A recomenda fortemente que se deve construir a confiança e engajar/mobilizar as populações afetadas, destaco especialmente os jovens os verdadeiros embaixadores, sempre ignorados pelas autoridades. A ligação ao funcionamento e acesso aos serviços deve ser estabelecido com transparência, em tempo real e imediatamente, devendo ser de compreensão fácil. É urgente dissipar a incerteza (riscos, situações e que intervenções) perante casos de morte, que começam a registar-se em Portugal.

Esta comunicação deveria ter sido estabelecida pelo chefe de Governo, aconselhado pela Autoridade Nacional de Saúde Pública e pela diretora-geral da Saúde. Mas criaram-se ruídos com agentes ignorantes em torno desta matéria e criaram-se circuitos cortados de comunicação, gerando incertezas e inverdades (contabilizadas em cerca de 50). É urgente comunicar com as populações afetadas, criar um link e estabelecer a autoeficácia, com recurso a capacitação de mensagens, sem ruído de publicidade, com divulgação em todas as plataformas, métodos e canais, que atinjam grupos diretos e indiretos e as populações mais vulneráveis, como os maiores – os mais velhos – que devem ser ajudados pelos jovens os nossos embaixadores de tecnologia.

Exige-se: Comunicar o conhecido e o desconhecido no momento certo, ao fim de cada dia com mensagens chave adequadas e adaptadas as populações-alvo e produtos certeiros. Não nos dirigimos a um miúdo de 5 anos da cidade de Lisboada mesma forma que a um avô de 85, que é agricultor em Trás-os-montes. Preparar a mobilização numa aliança com a comunidade e recurso às Forças Armadas dos diferentes ramos, dentro e fora do país. Dentro de Portugal, com os jovens, apelando à divulgação pelas redes sociais e seus pares. Fora de Portugal, garantindo alguma tranquilidade aos familiares com o envolvimento dos pontos focais no processo de tomada de decisão. Garantir que as intervenções que se seguem são participadas e com base nas características da comunidade.

pilar B recomenda fortemente que Portugal deve integrar a comunicação de risco em situação de emergência em saúde pública nos sistemas de resposta. O  ruído nas mensagens (repetição)  “maisdomesmo.pt”, quando as pessoas apenas devem recolher-se e manter os cuidados de higiene recomendados. Governança e liderança em emergência de saúde pública competem ao chefe do Governo. Apenas o primeiro-ministro deveria falar, adjuvado pela diretora-geral. Comunicação de Risco em Emergência de Saúde Pública (CRESP) deve ter um papel nacional e global na preparação de resposta apenas articulado com a OMS e os Centers for Disease Control and Prevention nos Estados Unidos. Mas temos registado a maior calamidade na história da CS: diferentes players que “caíram” do Céu para se autopromoverem. Os meios de comunicação social nacionais foram desastrosos.  Relembramos que o Centro de Coordenação de Resposta a Emergências (ERCC) é o coração do Mecanismo de Proteção Civil da UE e coordena a prestação de assistência a países atingidos por desastres, como itens de socorro, experiência, equipas de proteção civil e equipamentos especializados. O ERCC garante o rápido envio de apoio de emergência e atua como um centro de coordenação entre todos os estados-membros da UE e os seis estados participantes adicionais, o país afetado e especialistas em proteção civil e humanitária.

O centro opera 24/7 e pode ajudar qualquer país, dentro ou fora da UE, afetado por um grande desastre mediante solicitação das autoridades nacionais ou de um órgão da ONU. Por ser um problema comum nos diferentes estados membros, a cláusula de excepção foi levantada pela presidente da comissão Ursula Van der Leyen.  Também é de recomendação forte moderar a qualidade da evidência. Mas, em Portugal, os políticos recorreram à ciência quando a sua “ciência” caiu em praça do descrédito total e se geraram as maiores crises alguma vez imaginadas de colapso dentro das unidades hospitalares, obsoletas. Cada degrau intermédio deve estar sintonizado e up to date 24 sobre 24 horas. Para tal, esperamos um pleno funcionamento do sistema de informação, que deve ter a capacidade de desenvolver e construir agências e redes organizacionais através da rede geográfica. Não é aceitável nem tolerável que uma Ministra da Saúde, perante casos de infeção por idosos, diga que os lares deviam fazer planos de contingência de emergência em saúde (PCES). Porque é que ela não projetou isso? É esse o papel da comunicação de crise. Mas o Ministério nunca teve (e continuara a não ter especialistas nesta área).

Aliás, o mais próximo é uma “criação” do IHMT – para fazer o spread das mensagens do Ministério. Diz e desdiz. De Correia vai entiagando mensagens em que ele acredita sem crédito nenhum. Como se a saúde internacional se acreditasse vinda de quem nunca saiu do gabinete. E a estes especialistas se chamam de saúde internacional. Assim como se inventaram especialistas a martelo de comunicação em saúde.

Uns estudam outros inventam-se. 

Este é o Portugal dos muito tristes, que nunca “…chegarão a ratos” parafraseando O’Neill.

Estes sistemas devem ser adaptados às necessidades dos utilizadores, envolvendo os parceiros, as ajudas que deveriam já estar na rede e os stakeholders locais, com atenção às idiossincrasias de cada local. Ver os casos de Espanha com idosos. Capacitação e empoderamento, articulado com o Crisis Management Emergency Coordination Centre (ERCC) da UE. Preparação e treino do pessoal.

O pior vai chegar a cada local e recomenda-se fortemente a atualização regional de cada região, via delegados de saúde regionais e um censo feito pelas juntas de freguesia, informando a DGS. O foco  deve ser a coordenação entre as partes interessadas envolvidas, como a PSP, a GNR, as delegações regionais de saúde, Administrações Regionais de Saúde Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve.

pilar C deveria encaminhar-nos para um manual de emergência em saúde pública, simples, que deve ser encaminhado junto das populações-alvo. O planeamento estratégico implica, em primeiro lugar, a avaliação das necessidades, a definição de objetivos, a implementação de intervenções específicas, de forma coordenada, e a monitorização e avaliação das atividades das intervenções, para promover a sensibilização do público e influenciar comportamentos antes, durante e depois de um evento ou emergência de saúde pública. Se o Ministério tivesse uma política de antecipação, teria prevenido 50% do impacto desta crise. Mas vive-se do dia-a-dia. Não se estuda: mas “logo se vê”.

As vidas que se teriam poupado… alguém terá que pagar o custo desta fatura. Eu sei quem é.

A análise das evidências indicou que não existe nenhuma estratégia singular que garanta o êxito na comunicação em tais situações. O planeamento é uma prática melhor, abrangente, que deve ser apresentada antes das recomendações sobre novas práticas. Assim, apontamos que a investigação deverá criar os melhores mecanismos e métodos para avaliar rapidamente as intervenções da ERC e incorporar os resultados da avaliação e o feedback das partes interessadas e das comunidades, para informar e melhorar as respostas atuais e futuras. As redes sociais podem ser usadas para apelar à participação do público, facilitar a comunicação entre pares, transmitir conhecimentos sobre a situação, monitorizar e responder a rumores, reações e preocupações do público durante uma emergência, e para facilitar respostas a nível local.

Recomendação condicional e Evidências de qualidade moderada. A Nova Lei 95/2019, de Bases, se tivesse alguma utilidade, estaria, desde a sua entrada em vigor, a aplicar a Base 1, nº 4 Prevenção. Ou a Base 2, 1, alínea d) Direitos das pessoas, à qual devo acrescentar a Base 5, 1, Literacia que inclui a comunicação para gestão do risco em emergência de saúde pública. As armas não se limpam agora. Mas muitas vidas se poupariam. Mas quiseram que não fossem poupadas.

Comments

  1. A dra. Isabel tem obviamente razão. A estratégia comunicacional do governo foi um desastre, a construção da (des)confiança foi outro, a instituição de tabus (tratamentos) foi mais um, as mentiras ainda mais outro ( testes sem fiabilidade, confinamentos absurdos…), vacinas muito seguras, quando a há pessoas a morrer delas e muitas a adoecerem gravemente, enquanto outras vacinadas apanham a doença… Enfim, é uma novela interminável de incompetências, de incompreensões e de ausência de debates sérios, pois, todos os especialistas que vão às Tv dizem sempre todos o mesmo. O unanimismo forçado só pode gerar o maior repúdio.
    É um bocado difícil fazer pior.

    • Paulo Marques says:

      Olha um perito que ninguém convida. É triste, de facto.

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