Moção de Folclore: o triste espectáculo que nos proporciona a classe política

Fotografia: Carlos M. Almeida/LUSA

Foi a votos, hoje, uma moção de censura apresentada pela Iniciativa Liberal.

Como era expectável, a moção chumbou, ou não bastassem os deputados eleitos pelo Partido Socialista, em maioria, para a moção não passar. Com os votos contra do próprio partido do Governo, do Partido Comunista e as abstenções do Partido Social-Democrata, do Bloco de Esquerda e do Partido Animais e Natureza, só o proponente da moção, a IL, votou a favor, juntamente com a extrema-direita, representada pelo Chega.

Rui Rocha, deputado liberal e candidato à liderança da IL. Fotografia: António Pedro Santos/LUSA

A moção apresentada, sabia-se, não teria qualquer consequência política. Foi apresentada, pura e simplesmente, como forma de marcar uma posição, numa altura em que o partido que a propôs está em reformulação interna, mostrando assim os dentes ao eleitorado e tentando não cair no esquecimento. A IL foi o único partido, hoje, que rodou os oito deputados. Todos falaram e foi Rui Rocha, o mais bem colocado para suceder a João Cotrim de Figueiredo, a fechar o debate (e, pela amostra, a IL atingirá o objectivo: Rui Rocha é mais popular; só que, como se diz hoje em dia, é um senhor que é cringe – ou seja, traduzido, é um senhor que quando abre a boca embaraça pela fraqueza do discurso). Os argumentos são válidos e são verdadeiros: apesar da narrativa tresloucada do Governo – o país está pior, os portugueses estão em pior situação e as políticas apresentadas não resolvem a situação. Só que a moção peca num simples aspecto, mas que é tão significativo: não há alternativas e a direita, que apresenta a moção, dificilmente faria muito diferente daquilo que o Governo do PS tem feito desde o início desta legislatura.

João Cotrim de Figueiredo está de saída da liderança da IL. Fotografia: Paulo Rascão

Para que serviu, então, o espectáculo de Ano Novo com que nos brindou a Assembleia da República durante o dia de hoje? Serviu para que IL, CH e PS mostrassem uma coisa: estão amarrados uns aos outros e obcecados uns com os outros. O Primeiro-ministro entende que elogiar o CH e a sua postura truculenta (por contraponto com a IL) é a melhor estratégia para afastar o “fantasma” da extrema-direita? O próprio sabe que não e fá-lo exactamente por tacticismo: bipolarizar a política partidária entre “nós” (os sacro-santos democratas – sem perceberem que não há santidades em democracia) e “eles” (os javardos que não sabem estar na missa). Ao mesmo tempo, ataca desmedidamente a IL, apelidando de “queques” aqueles que, supostamente, “guincham” muito alto. O descrédito da democracia faz-se, também, quando um Primeiro-ministro eleito se refere a um partido que, para todos os efeitos, é democrático, desta forma, granjeando, nas entre-linhas, a extrema-direita. A moção teve o efeito contrário ao pretendido; não só não passou, como mostrou, ainda, que a direita está em cacos e não se entende, uma vez que o principal partido da oposição, o PSD, decidiu pela abstenção, deixando recados à irresponsabilidade dos liberais.

A Iniciativa Liberal surgiu mostrando frescura, tentando diferenciar-se pela postura, que mostravam responsável, até chegar a pandemia e tudo mudar. Se muitas das questões colocadas durante a pandemia eram legítimas, não deixa de ser verdade que foi durante esse período que a IL mostrou que, afinal, os seus representantes e militantes eram tudo menos responsáveis. Mas elegeram oito deputados em Janeiro e tudo parecia estar a correr bem. Não sei se pela ânsia de competir com o Chega por eleitorado, não sei se por pensar que poderia pôr-se em bicos de pés face ao PSD, a verdade é que os últimos meses do auto-proclamado “primeiro partido liberal português” têm sido desastrosos, amorfos, mais concentrados nas questões internas que tanto dividem o partido e os seus membros do que em apresentar propostas concretas para lá dos chavões cada vez mais repetitivos que nos apresentam. A continuar assim, o crédito acumulado até hoje evaporar-se-á em segundos.

O Bloco de Esquerda tem tentado assumir as rédeas da oposição à esquerda, mas a figura da líder vai-se desgastando. Fotografia: Tiago Petinga/LUSA

Já à esquerda, num momento em que as políticas do PS se posicionam ao centro e a tender para a direita, ainda mostra as feridas que as últimas eleições provocaram: tem os pressupostos correctos, a crítica está lá, mas a entrega é sempre frouxa. Quanto mais não seja, está também amarrada, depois de quatro anos de acordos parlamentares com o PS. Mas uma coisa certa: hoje, Catarina Martins conseguiu (o que também não é grande feito, pois já é hábito) irritar António Costa com a questão de Carla Alves, inquirindo se mantê-la no lugar, face às últimas notícias, não seria arriscado… e acaba o dia a ter razão, tendo Carla Alves, que foi Secretária de Estado por um dia, pedido a demissão. António Costa, sempre tão lesto a empurrar Pedro Nuno Santos para debaixo do autocarro, decidiu passar três horas a defender uma Secretária de Estado há um dia em funções (habituem-se!).

Com isto, vai reinando António Costa, qual Luís XIV do século XXI. Mesmo com a mediocridade que nos apresenta e com que nos presenteia todos os dias, quer individualmente, quer ao nível do Governo, o líder do PS sabe que, sozinho, deu dois tiros à esquerda e quatro à direita. Desconfio é que, se continuar com esta postura, a elogiar “por baixo da mesa” a extrema-direita, tentando dividir o espectro em dois lados apenas, ficará associado, também, à queda definitiva do Estado de Direito em Portugal. E para lá caminhamos.

Fotografia: Nuno Fox

Comments

  1. Absolutamente acertada a última frase, sobretudo pelo uso da palavra “definitiva”.

  2. Anonimo says:

    Sim, realmente o importante é discutir as políticas de centro a derivar para a direita, ou esquerda. Parece aqueles programas da bola, uma equipa de coxos, mas convém discutir se com o 4x3x3 não seria melhor que o 4x2x4 losango.
    Estes espectáculos convêm e sempre convieram aos politologos e afins, enquanto se entretêm a falar das tácticas, não precisam de falar sobre a realidade do país. A qual também desconhecem em grande parte, porque a linha do Metro acaba na Amadora…
    Felizmente ou não, em Portugal há aversão à mudança e ao desconhecido, caso contrário esta maralha já teria sido apeada em detrimento de uma LePen qualquer.
    Entretanto, atirar para baixo do autocarro? Nunca tinha ouvido essa. Em português, salvo seja. Haverá outras expressões tradicionais a usar, ao invés de traduzir americanices.

    • João L Maio says:

      A da AMP acaba ou no Dragão, ou na Póvoa de Varzim. E depende da linha. Se for a F, liga Senhor de Matosinhos a Fânzeres. Essa de que fala é a azul e também pode acabar em Santa Apolónia. Já a verde ou acaba em Telheiras ou no Cais do Sodré.

      Mas quem só conhece uma linha nunca passará dela.

    • João L Maio says:

      Eu já percebi que se incomoda muito quando se critica o PS, daí que assine anónimo e tenha criado um e-mail para o mesmo efeito.

      Mas preocupe-se menos com a forma ou com uma frase adaptada do inglês e mais com os problemas que o país atravessa. Acho mais importante isso do que saber se a linha azul acaba na Reboleira ou a verde em Telheiras ou se “under the bus” está bem num texto com centenas de palavras.

      Não se atire assim para debaixo do autocarro.

      • Anonimo says:

        Quais problemas? Um governo patriótico e legítimo de esquerda, a direita a dizimar-se… não pode haver melhor. É o sonho de décadas, percebo que se o Alegre fosse PR seria idílico, mas não se podem queixar do Dr. Marcelo.
        O resto rapaz, faço minhas as palavras da Ygritte ao João das Neves. Não percebes nem perceberás, porque não lês nem tens interesse em ler o que aqui se comenta.

        • Paulo Marques says:

          Ui, a carteira de quem trabalha e cria riqueza até arrota de comer tanto sucesso.

        • João L Maio says:

          Este Governo do PS é a Junta de Salvação Nacional deste século. Vem aí o PREC!

  3. Luís Lavoura says:

    foi durante [a pandemia] que a IL mostrou que, afinal, os seus representantes e militantes eram tudo menos responsáveis

    A minha opinião é suspeita, uma vez que sou um militante da IL, mas o facto é que foi durante a pandemia que a IL mais posições corretas e responsáveis assumiu.

    Ao contrário do Bloco de Esquerda.

    • João L Maio says:

      Pois foi. Setas e dardos, sardinhadas com carapaus, arraias a arrear.

      Como o BE não fez nada disso, portou-se mal.

      Os seus comentários também aferem o porquê de a IL ser irresponsável e ter a cabeça em Plutão.

    • Paulo Marques says:

      Mandar or pobres trabalhar sem condições para nos produzir os doces e brinquedos é sempre o mais responsável.

  4. Luís Lavoura says:

    Rui Rocha é mais popular

    É mais popular, em que sentido? Como mede o João Maio a popularidade de Rui Rocha?

    Se é por ter recebido mais aplausos da bancada da IL, eu não diria que isso significa muito, uma vez que é sabido que a maioria dos membros da bancada apoia a candidatura de Rui Rocha. Acontece, porém, que quem vota para a direção da IL são todos os membros (que se inscrevam para o efeito) da IL, e não somente os deputados – os quais, aliás, nem sequer voto de qualidade têm.

    • João L Maio says:

      É mais popular: é mais de chavões do dia-a-dia, manda mais piadolas, é mais tosco no discurso.

      É uma espécie de um tio nosso que diz umas larachas, só que este tipo é gestor e ainda se orgulha de dizer que o antigo empregador o ameaçou com despedimento se fosse deputado (o espelho do mundo em que a IL mandasse).

      Parece ser um rapaz simpático, mas frouxo.

  5. Santiago says:

    É a tática habitual do PS. São bem conhecidas as ligações que os socialistas mantiveram com o MDLP na tentativa de esvaziar a influência do PCP e as ainda mais obscuras ligações de dirigentes à rede bombista de extrema-direita nos subsequentes ao PREC.

    Infelizmente, esta tendência natural do PS para tentar ser hegemónico acabará por dar cabo da democracia, ou do pouco que dela resta, num futuro próximo

    • Carlos Almeida says:

      Exactamente Santiago

      Só estranha o comportamento do PS nesta altura quem não viveu em 75 e 76 em que Mario Soares e seu Partido se uniu `extrema direita e à rede bombista do MDLP, com o partido recauchutado do Marcelo Caetano (PPD) convenientemente a reboque e na sombra

  6. JgMenos says:

    Se há partidos vários é porque não se entendem.
    Quando o acesso ao poder é uma possibilidade ou uma garantia, tendem a entender-se dentro de limites variáveis.
    Assim a geringonça esquerdalha, assim o fará a direita se não for estúpida e fizer o seu trabalho contra a máfia instalada.

    • João L Maio says:

      Também não é preciso ejaculares tanto quando pensas na União Nacional.

    • Paulo Marques says:

      É natural; tirando a forma, não discordam de nada de fundamental nem com o governo, quanto mais entre si.

  7. JgMenos says:

    «queda definitiva do Estado de Direito em Portugal»
    Há quedas parciais?
    Só há queda, com resultados variáveis.

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