As gasolineiras e o socialismo

Volta e meia somos iluminados pelos especialistas em preços de combustíveis, com aquele argumentário sempre sólido e factual, que se resume bem nas duas traves mestas da retórica destes doutos académicos, a saber: “a culpa de ___________ (inserir a maleita que mais vos aprouver) é do socialismo”, porque o PS, garantem os especialistas, é mesmo socialista, e “os impostos são __________ (inserir a dose de anarco-capitalismo desejada)”, porque as nações mais prósperas do planeta nem cobram os impostos mais altos nem nada. Toda a gente sabe que a Escandinávia, repleta de fome e miseráveis, ombreia com russos, sauditas e chineses em matéria de totalitarismo.

Dito isto, olhemos para o pensamento académico dominante entre os especialistas em preços de combustíveis. Quando os combustíveis sobem por decisão das gasolineiras, os especialistas em preços de combustíveis garantem que a culpa é do governo. Quando o preço do barril de Brent sobe, seja por uma alteração na relação entre oferta e procura, seja por mera especulação, os especialistas em preços de combustíveis também garantem que a culpa é do governo. Esta semana, contudo, os especialistas em preços de combustíveis deram um salto de gigante em direcção à excelência. O governo desceu o ISP, as gasolineiras não reflectiram essa descida, apropriando-se de parte do corte, e os especialistas em preços de combustíveis, sempre geniais, rapidamente concluíram que a culpa foi do governo. Confesso que não sei o que seria de nós sem os especialistas em preços de combustíveis. E sem as gasolineiras, que lutam como ninguém contra a tirânica opressão do governo, quais Robin dos Bosques fiscais, roubando aos pobres para dar os ricos. E sem a ERSE, que nos protege a todos dos aumentos e confiscos impostos pelo governo, de pistola sempre apontada às cabeças da GALP, BP e Repsol, condenando-as a brutais aumentos de lucros. Parafraseando Amália, estranha forma de socialismo.

Novo aumento do preço dos combustíveis: a culpa é de António Costa

O barril de Brent, referência para o mercado de combustíveis português, está hoje a ser negociado ao valor mais baixo desde o início do mês, 20 euros abaixo dos 127,98€ que, na semana passada, a 8 de Março, foram usados como justificação para o violento aumento que entrou hoje em vigor.

Quer isto dizer que os preços vão baixar, de forma proporcional aos aumentos das duas últimas semanas, ou será que as gasolineiras vão fazer o que sempre fazem, que é garantir que a redução do preço, ao contrário de qualquer aumento, só se reflecte daqui por dois ou três meses?

Eu disse gasolineiras? As minhas desculpas! Eu queria dizer António Costa. Porque foi o António Costa que ordenou à GALP, BP e Repsol & Cia que aumentassem os preços, imediatamente, caso contrário ia tudo dentro e as empresas seriam nacionalizadas. Agora vou  acabar de comer o meu gelado com a testa, que o gajo está a começar a derreter e eu não quero ter que esfregar o chão com a fronte, que não estamos em tempo de desperdiçar comida.

O preço do petróleo, a ganância das gasolineiras e outras maravilhas do mercado livre

Eu explico-te, Fernando: desde que o mercado dos combustíveis foi liberalizado, as empresas privadas que nele actuam passaram a fixar os preços a seu bel-prazer, sem regulação ou necessidade de responder a quem quer que seja. Maravilhas do mercado dito livre.

Vai daí, somos agora confrontados com uma triste e oportunista realidade, que é esta: quando o preço do barril desce, as gasolineiras esperam meses até reduzir o preço em meio cêntimo, quando reduzem, alegando que a baixa no preço do barril só se reflecte daí a dois ou três meses, porque a compra é feita antecipadamente.

Quando o preço sobe, o discurso muda e a subida, alegam, é urgente e acontece no imediato, para fazer face ao aumento de custos, que, a julgar pelo que nos dizem quando o preço cai, só se reflectirá daí a uns meses. Chama-se ter a faca e o queijo na mão, e meio bloco central sentado no conselho de administração. Ou mercado a funcionar, não tenho bem a certeza. Também há quem lhe chama chulice, ou esmifranço, mas acho que não devemos expor os leitores do Aventar a discursos ordinários. Para ordinarice já nos chega a atitude das gasolineiras e o ISP.