Já poeta não sou
já não sou quem era
não sinto as noites de prata
nem mexe comigo a ventania
que varre as faldas da serra
não me doem as videiras
espetadas no céu
nem os castelos de fantasia
caídos por terra.
Cada erva
cada semente
é resto de uma canção
que já não sei cantar.
Fugiu do peito o coração
foi-se embora o luar
e o rio que eu era
nem sequer chegou ao mar.
Sou pirilampo das sombras
voando pelos regatos secos
não sei se vou longe se vou perto
se ao cimo se ao fundo
não sei se giro por dentro
ou por fora do mundo.
Ressoa a Bocage : «Já Bocage não sou!… À cova escura/Meu estro vai parar desfeito em vento…» O Elmano Sadino aparece quase como um mote, muito bem desenvoilvido nos restantes versos que se seguem a «já poeta não sou». Aliás, a beleza do poema desmente categoricamente o primeiro verso.
Como sempre, generoso. Obrigado