A Revolta de Fevereiro de 1927 no Porto – 2 (Memória descritiva)

Parlamentários dos revoltosos, o comandante Jaime Morais e o major Severino, vendados, a caminho do quartel-general do Ministro da Guerra, tenente-coronel Passos e Sousa, instalado num prédio da Avenida das Devezas, em Gaia.

Como já disse, as operações de cerco aos revoltosos eram dirigidas pessoalmente por Passos e Sousa, ministro da Guerra e pelo coronel João Carlos Craveiro Lopes, pai do futuro presidente da República, Francisco Higino Craveiro Lopes. Um dispositivo que ia, a cada hora que passava, sendo reforçado pelo afluxo de tropas, transformou o centro da cidade ocupado pelas tropas rebeldes numa zona onde nada podia entrar ou sair.

Com as atenções focadas em Lisboa, onde o movimento parecia finalmente arrancar, os revoltosos resistiram durante os dias 5, 6 e 7 de Fevereiro à crescente agressividade das ofensivas lealistas, mas à medida que as horas passavam e as munições se iam esgotando, ia aumentando o número dos que entendiam que a rendição era inevitável Preocupado com o que estava a acontecer, Raul Proença regressou a Lisboa na noite de 6 de Fevereiro para pedir auxílio e para tentar activar a já desencadeada revolta na capital.

Pôde verificar que, ao contrário do que se pensava no Porto, apenas tinha havido movimentações de trabalhadores greves e agitação, movimentos de solidariedade com os democratas portuenses. A tropa continuava nos quartéis. Em Lisboa a agitação alimentava-se com a solidariedade para com as vítimas de uma tragédia, verdadeira, mas pintada com cores catastrofistas. No Porto, a resistência ia buscar forças à ilusão de que em Lisboa a revolta ia de vento em popa e que em breve a ajuda chegaria. Segundo parece, os resultados da viagem de Raul Proença foram esclarecedores, mas nulos.

Sem as adesões e os apoios esperados, os revoltosos do Porto começavam a enfrentar sérias dificuldades. Pôs-se a hipótese de assaltar à baioneta o dispositivo de artilharia da Serra do Pilar, mas um tal assalto às baterias leais ao Governo seria um sacrifício heróico, mas inútil, de muitas vidas.

Ao cabo de cinco dias intermináveis de luta cada vez mais acesa, na zona ocupada pelos revoltosos, os militares haviam-se já apercebido de que não existia qualquer hipótese de êxito. Segundo Sarmento Pimentel, o número dos sitiantes era sete vezes superior ao dos sitiados. Na tarde do dia 7, no quartel-general da Revolta, instalado no Teatro de S. João, foram dispensados os civis que voluntariamente ali prestavam serviço. O ambiente era de pesado desânimo.

À meia-noite, foi pedido ao major Alves Viana, da GNR, que fizesse chegar ao Regimento de Artilharia 5, em Gaia, onde estava o posto de comando governamental, um documento assinado pelo general Sousa Dias em que era proposta a rendição das forças revoltosas sob algumas condições, tais como a “isenção de responsabilidade aos sargentos, cabos e soldados e toda a responsabilidade aos oficiais”. O quartel-general das forças lealistas respondeu concedendo a isenção de responsabilidades a cabos e soldados, oficiais e sargentos envolvidos seriam punidos. E os civis apanhados de armas na mão seriam imediatamente fuzilados (como, dias depois, viria a acontecer em Lisboa). Pelas 3 horas da manhã do dia 8, Sousa Dias informou que aceitava as condições, ordenando a rendição dos revoltosos.

A população saudava entusiasticamente os militares – «Viva o Exército! Viva a República! Vivam os Revoltosos!, gritava-se para os lados do Marquês de Pombal, quando os oficiais passavam de automóvel para as Antas. Iam avisar os camaradas de artilharia da rendição iminente. Diz o capitão Sarmento Pimentel «Correra na cidade a afirmação enganosa da nossa vitória e ouvindo cessar os tiros e grupos de oficiais percorrendo as linhas, mais acreditava a ingenuidade popular na queda do Governo e no triunfo dos republicanos. – Que glória! Que grande glória a destes rapazes vencerem! Dizia comovido um homem com aspecto de empregado de escritório, que passara junto ao nosso carro quando íamos a apear-nos. Santa ilusão a deste povo que depressa acredita no que a justiça e a razão, e a inteligência e a índole democrática lhe mostram por verdade! ».

Pelas 8:30 horas, Passos e Sousa entrou triunfalmente na cidade, pela Ponte D. Luís. Estava terminada a revolta. Na tarde desse mesmo dia 8 de Fevereiro, o Ministro partiu para Lisboa, cidade onde a rebelião aumentava de intensidade. Nessa manhã, o comandante da Região Militar, Craveiro Lopes, através da telegrafia sem fios, enviou a seguinte mensagem ao presidente da República “Felicito V. Ex.ª e o Governo da Nação. Tropas entraram Praça da Batalha, Porto, às 8 horas e meia, tomando conta da cidade onde a vida vai retomando a sua normalidade”.

No opúsculo “Memórias de um sitiado (5 dias e 5 noites sob a metralha)”, datado de 1927, são identificados os oficiais presos no final da revolta do Porto: um general (Sousa Dias), dois coronéis, três majores, 18 capitães, 55 tenentes, seis alferes, três músicos das bandas militares. O mesmo documento refere que até 11 de Fevereiro tinham sido presos 125 sargentos e 22 civis. Os presos foram depois conduzidos à Penitenciária de Lisboa.

Durante a revolta no Porto terão morrido mais de 100 pessoas, entre militares e civis. Foram mais de 500 os feridos, alguns dos quais viriam a sucumbir nos dias seguintes, mais de um milhar de prisões, muitas deportações. Estes dados parecem-me fiáveis, embora haja estimativas que apontam para números muito mais elevados, quer quanto aos mortos, quer quanto aos feridos.

As ruas e edifícios do centro do Porto ficaram consideravelmente danificados. Edifícios n Praça da Liberdade, os quartéis das três corporações de bombeiros, cafés na Praça da Batalha, onde o palacete dos Guedes onde estavam instalados os C.T.T., semi destruído pelo incêndio provocado por uma granada, um altar da igreja dos Congregados, a estação de S. Bento; o edifício do Governo Civil; o Hospital de Joaquim Urbano; e os hotéis Aliança, à entrada da Rua de Sampaio Bruno, Grande Hotel do Porto, onde uma granada atingiu o quarto do cônsul norte-americano, e o Sul-Americano, na Batalha, que ficou com a fachada crivada de projécteis. Sofreram também grandes danos o Quartel-General e o Regimento de Infantaria 18; o Salão Rivoli, antigo Teatro Nacional; e a Tabacaria Africana, situada ao cimo da Rua de 31 de Janeiro e que vemos na fotografia da «trincheira da morte».

O saldo desta primeira grande tentativa de derrube da Ditadura Militar foi, pois, negativo. Iniciou um conjunto de movimentos insurreccionais que ficaram conhecidos pelo Reviralhismo.
Razões para a derrota? Descoordenação evidente entre os dois pólos revolucionários, hesitação e fraca adesão dos militares das unidades de Lisboa que ao atrasarem o desencadear da sedição na capital, permitiram ao Governo gerir os movimentos de tropas, acorrendo ao Norte primeiro e concentrar todas as forças no combate aos entrincheirados no Porto, atacando depois em Lisboa. Passados dias do esmagamento da rebelião nas duas principais cidades, rebentaria uma revolução de grandes proporções em Lisboa.

Na tarde do dia 9, a posição dos revoltosos era crítica, com os governamentais dominando o Porto e vencendo em Lisboa. Terminada a contenda, os revoltosos derrotados fazem uma análise amarga aos acontecimentos, apontando como principal razão para o insucesso a falta de adesão em Lisboa. O general Sousa Dias, atribuiu o insucesso «à falta de acção de elementos militares mais do que suficientes para garantir o seu êxito em todo o País, e que no momento necessário faltaram».

Acabo este texto ainda com palavras das «Memórias do Capitão». Diz Sarmento Pimentel: «Às 8 da noite, na posição de artilharia que estava além do Monte Pedral, despedimo-nos com lágrimas nos olhos e um abraço de fraterna camaradagem, eu, o major Faria Leal, o tenente Seca, o capitão Alcídio da Guarda Republicana, o tenente Mário de Almeida e mais dois outros oficiais cujos nomes esqueci. Combinámos que cada um se esconderia onde pudesse e iria depois, ou entregar-se ou emigrar.» (…) «E encontrei-me só na rua escura e deserta, voltada para os lados de Rio Tinto onde as luzes da povoação marcavam o caminho de Ermesinde e linha do Douro».

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(Continua)

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