Nós é que amamos. Portugal, Chile e os seus costumes

 http://www.youtube.com/watch?v=P-4cWnh-uek

Sonhava, reconheço, sonhava. Parecia-me que o Chile e Portugal, eram dois países semelhantes: debates, desencontros, divertimentos, demissões. Países em festa que parecem ser uma pantomima, como as suas relações todas cortadas, sem se entenderem entre eles, como devem ser, quando se governa: há quem diz, há quem diz que nada disse, toma-se o dito por não dito. Era um sonho, quase pesadelo, porque eram os meus países, especialmente Portugal: correcto ou incorrecto, o seu comportamento político e arte de governo, mas meu país, nos bons e maus momentos. No meu sonho, devo ter pensado que Portugal era como a Nação Mapuche que habita no Chile. O meu sonho, de um quase impossível entendimento entre partidos políticos, muito semelhantes. Faziam a festa e passavam a conta ao povo. Vou contar esse sonho, mudando o nome das hierarquias que nos governam, ao que eu vi no meu sonho. Uma metáfora…de países na sua infância…

A imagem do meu sonho, era parte da festa de um matrimónio Mapuche, festa que dura vários dias. A cerimónia é praticada por uma mulher, a machi da tribo, que representa a sua divindade, o deus Pillán. A machi cura, casa, educa, tem muitas tarefas para fazer dentro das reduções dos que namoram. Os católicos têm uma cerimónia privada, de madrugada ou de noite a que assistem os noivos e os seus padrinhos apenas. A festa é a maneira ritual antiga, e divertimento para a redução e os que casam, fazem parte da festa. O que interessa não é o ritual, é a família, que está definida assim: a sua organização social estava baseada principalmente na família e na relação entre eles. A família estava confinada pelo pai, as suas mulheres e os filhos. A linha de parentesco mais importante era a materna. Por não serem considerados parente os filhos do mesmo pai com as suas outras mulheres, não existiam tabu sexual do incesto. Crença e comportamento mal interpretado pelos espanhóis como pratica generalizada do incesto. Actualmente a poligamia tradicional não existe entre os mapuche.

Os grupos de famílias relacionados por um antepassado comum, denominava-se lof, normalmente escrito como lov, levo ou caví pelos historiadores. As famílias que conformavam un lof, moravam ruas vizinhas, colaborando entre elas. Havia um Chefe, um lonco (“cabeza” en mapudungun). Fonte: a minha memória, os meus diários de campo Bravo, a minha investigação e o texto de Patrícia Bravo (1999). «[http://www.mapuche.info/news01/punto991029.htm ¿La pobreza es una infiltrada? Pregunta alcalde mapuche de Tirúa.]».

La familia mapuche desempeña, esencialmente, dos funciones: económica y cultural.

  • En el ámbito económico, se manifiesta como una unidad de producción y consumo. Todos los miembros desempeñan un rol económico, diferenciado según el sexo y la edad.
  • En el cultural, la familia es el ámbito donde los jóvenes miembros de la familia son socializados, aprehendiendo la cultura e incorporando el estilo de vida tradicional.

Pero estos dos aspectos, el económico y el cultural, no se hallan disociados: el desarrollo cultural se efectúa en el mismo proceso de producción y consumo, y viceversa. Es por esto que el desarrollo cultural es indisociable del desarrollo económico. La transmisión de los saberes culturales se efectúa en el ámbito doméstico (de padres-madres a hijos, de abuelos a nietos, de tías y tíos a sobrinas y sobrinos, etc.) y a través de las prácticas: en el mismo momento en que se realiza una actividad se está enseñando y aprendiendo (la cría del ganado, la elaboración de comidas, la confección de tejidos, etc). Mientras en las grandes sociedades humanas son principalmente la familia, la escuela y los medios de comunicación quienes administran y transmiten la cultura; en las comunidades o grupos humanos más pequeños, tales como las comunidades mapuche, estas funciones suelen estar mezcladas con otras de índole económica y social.

 Reglas de vida familiar mapuche

  • El patrilinaje: Los miembros de la familia están unidos por vínculos de parentesco que vienen desde la línea paterna. La nomenclatura de las relaciones es de tipo omaha.
  • La exogamia: Se busca pareja fuera del grupo familiar propio.
  • La patrilocalidad: La mujer sigue al hombre a su residencia. Fonte: mencionada antes 

 

 Família mapuche final do Século Siglo XIX.

Parecia-me importante fornecer estes dados, para entender a questão colocada como título de cabeçalho e entender o que passo a analisar na base da minha teoria de etnopsicologia da infância.

Queira o leitor lembrar de que gostava de debater, enquanto transfiro parcialmente para si os meus dados de trabalho de campo, pelo menos dois assuntos centrais. Um, é que às crianças que crescem, são feitos enquanto memória social impinge impostos novos dados na sua memória individual. A criança que temos à frente a crescer, é o resultado do saber acumulado cronologicamente no tempo. Tempo que a criança vive no nosso presente de adultos e que nós, adultos, vivemos como eles, anos antes, a realizar as mesmas tarefas de aprendizagem que nós fizemos e que eles, realizam hoje. O saber é contínuo, com essa qualificação de conjuntural nas suas mudanças, que me parece adequado pensar. O processo educativo resulta da interacção dentro de um mesmo povo, através da Historia, ou com outros povos também da cronologia do tempo, essa Historia que faz de nós o que somos e como amamos. Um segundo assunto, é que esta racionalidade da criança, essa pessoa que acumula uma epistemologia também, é diferente da racionalidade cognitiva do adulto, durante o tempo infantil da criança e de vida adulta dos que antes, os seus pais, foram também crianças. As formas do entendimento são diferentes, quer pela idade, quer pelo contexto histórico que contextualiza esse saber. O saber está marcado pela cronologia do tempo e pelas novas descoberta que a ciência nos fornece. Há varias gerações que vivem dentro do mesmo tempo com experiências diversificadas, quer pelos ciclos, quer pelo tempo que a pessoa incute na Historia do seu ser social. Experiências que, apesar de emotivas, são orientadas pela razão, porque a criança observa para calcular o que deve fazer e aprende esse calcular.

 Sou consciente de ter levado ao leitor ao longo da cronologia, para trás e para frente, da maneira que a linguagem Internet permite, reiterando casos e a abrir lentamente as historias, em torno ao elo processual que Victoria, Pilar e Anabela, estruturam do processo racional da reprodução social. Comparar três povos de diferentes línguas e experiências, não é simples, mas é interessante para quem trabalha com os dados do quotidiano. Um quotidiano prolongado para mim, porque aos Picunche os conheci sempre, os de Vilatuxe faz 36 anos hoje, e aos de Vila Ruiva, vinte e dois.

Queira o leitor entender que somos poucos a estudar a criança como entidade humana que entende e aprende, sendo esse o problema a resolver. Os adultos procuram que a criança seja um adulto em ponto pequeno, como Philipe Ariés tão claramente diz (1964), ou Lahire estuda (1993), ou como temos analisado com os colegas de minha equipa de investigação. Análise da infância, que Pierre Bourdieu e equipa, não quiseram tomar como objecto de análise. Pierre Bourdieu, ao todo em relação à infância, escreve a experiência humana no livro que lhe deu a fama, no seu La misére du monde (1993). Livro que trata em diálogo, a interacção dos seres humanos. Como Eugène O’Neill (1956) faz no Longa viagem do dia á noite, onde a criança aparece no corpo e comportamento de cada adulto. Porque a interacção do lar, acaba por ter atalhos denominados do adulto, atalhos de criança, atalhos de emotividade, atalhos de razão. Atalhos que definem a realidade em que vivemos. A criança não tem atalhos de adulto para o adulto, tem sempre comportamentos irreflectidos e espontâneos, que os pedopsiquiatras gostam de estudar. Que a população do quotidiano gosta de celebrar, com um limite: cresce, e rejeita, tentando apagar o que apreendeu, na sua inteligência e emoções. Uma criança desenvolve-se durante o seu crescimento, e é nesse crescimento, que o adulto tem o prazer de observar que imita o seu comportamento. Como uma que conheci de perto, essa que o seu avô lhe dizia para fazer como um cavalheiro, e ele cruzava as pernas, uma sobre o joelho da outra, e as mãos pousadas por sobre o joelho livre, e a olhar em frente com cara de adulto sério, como relato no livro de 1999: Brincadeiras da minha meninice, AJTG. Até se cansar. Uma maneira de atrair a atenção do avô e dos adultos que gostavam de ver. Se depois não comia, era o grito que mandava, não a sedução. A sedução acaba aí onde começa a ideia de que é o adulto quem sabe, quem manda, que disciplina, que grita e pune, como se essas atitudes fossem ensinar. Não corrigir com paciência, é ensinar. Deixar fazer, é ensinar. Mandar ler, é ensinar. Que privar a criança de brincar com os seus pares, é ensinar. Marcado estou pela minha reflexão sobre o processo de aprendizagem, já citado no Nº 1 da Revista Educação, Sociedade e Culturas, Afrontamento, Porto, 1994, nunca mais acabado de citar, tornado a referir, comentado mais uma vez. Porque está retirado da minha experiência na análise de grupos domésticos e a sua interacção. Aí é que vejo, o que é, a heterogeneidade da vida da criança. O resultado que passa a ser. O que o seu professor desconhece e que Luís Souta estudou (1995), que Telmo Caria estudou (1997), que Ricardo Vieira estudou (1997). Como outros. Em outras classes sociais, como Henrique Costa Gomes de Araújo (1998). O leitor não fique, confuso, por tanta citação. É só para ajudar a referir o que se pretende saber, o crescimento das crianças de forma espontânea, etnográfica. A criança não o problema que se coloca ao adulto. É a criança, a pequenada da qual tomamos conta até eles tomarem conta de nós, como argumentei antes em outros ensaios desta palestra de debate. Até nós observarmos o que eles calculam. Como estudou Filipe Reis (1989-1991-1997), na Beira Alta. Esse cálculo, resultado dessa vida quotidiana que a pequenada tem, longe dos adultos. Ou com adultos, quando é ritual. Porque a pequenada, como todo ser, tem uma vida diferenciada entre vários assuntos que bem sabe distinguir.

A-    Victoria

Entre os Picunche, os pequenos são queridos e cuidados por todos. Como toda criança mapudungum do Chili pré hispânico, é o futuro da nação. Gabriela Mistral, a poetisa chilena que ganhou o prémio Nobel de 1949 e que se reclamava índia do Norte do Chile – onde habitam ainda os Aymara ou Aimara-, teve a delicadeza de dizer: “Piececitos de niño, azulosos de frio, como os vem e no os cubrem, Dios mío” (1922). Entre vários dos seus versos, todos dedicados à pequenada. Essa Gabriela Mistral que era professora primária de Pablo Neruda, que cresceu e nunca mais se lembrou de ser pequeno, às vezes. Como era na vida real. Essas histórias que Victoria nunca estudou porque em casa não sabiam e porque na escola não sabiam e porque na sua infância Neruda estava banido do País e Mistral, ignorada. Victoria e os seus congéneres estudam os mitos que a educação oficial quer ensinar, a obra ou a história grossa, o dado largo, a fisiologia sem desenhos. Ou com o livro cosido nos sítios perigosos, os do corpo. Victoria aprendeu em casa o lado perigoso da vida, nas disputas entre a mãe e o do pai, disputas as quais não tinha direito a intervir, porque as não entendia. Mas a tradição Picunche tomava conta dela, e ora a irmã Rebeca tratava de pequena, ora a pequena ficava na casa dos tios, dos primos Cárcamo que moravam em frente, esse Nestor Cárcamo, Alcalde de Pencahue por anos sem fim, o pai de Alexandra, a sua amiga. Com a qual brincava aos animais, às bonecas, às corridas de cavalos, a trabalhar a terra. Victoria amava e era amada. O período turbulento em que cresceu, foi ignorado por ela, como por todo ser que quiser ter um mínimo de paz pessoal transferindo essa paz aos descendentes. Cada casa de vizinho, era a sua casa, na qual se pode entrar sem bater á porta, e ficar para comer, se quiser e houver. Brincadeira reiterada era tecer ao tear, trabalho Picunche existente ao longo de séculos não contados, porque não havia escrita. Observei muitas pequenas a colaborar com a mãe em cardar a lã, mexer na máquina de madeira, tratar das madeixas. Ou brincar às escondidas, ao capelão, luche em mapudungun, com as vizinhas da rua ou na escola. Infância e adolescência percorridas com a calma que a proximidade da mãe, trazia. Com os namoros, com recados que entre elas enviavam, para falar deles. Espontaneamente, a imitar aos adultos na sua expressão de carinho e de amor pelos outros. Victoria, como vários outros, ia à catequese, ritualmente à primeira comunhão e à confirmação. A missa obrigatória dos Domingos. Doutrina que aprendeu, incutiu em si e foi a base da vida do crescimento que foi levando. Até que aos seus vinte e dois anos, a mãe morreu. Foi levada pelos primos Cárcamo a casa de cidade de Talca, onde morava antes da morte da mãe, para complementar os seus estudos, os do ciclo secundário e estudos superiores na Universidade. Uma das poucas do sitio, que estudou para fazer o seu futuro. Como criança, teve apoios solícitos dos irmãos todos, que juntaram a sua emotividade em torno da mais nova.

Uma pequena assim criada, acaba por ser doce e serena, a estar em paz consigo própria, porém, em paz com os outros fora de casa. A sua geração cresceu a observar que havia adultos que desapareciam por causa de ditadura governamental, bem como outros que não falavam por temor a repressão criminosa governamental. E cresceu a aprender nos textos que acima de todo  outro valor, estava o do bem comum, essa ironia do livro, porque bem comum não existia: nem todos eram iguais. Uma contradição que entendeu no real. No entanto, foi capaz de ser igual com todos os  da sua classe e do seu povo. Disciplinada para os estudos, disciplina que aprendeu do trabalho da mãe e dos horários de trabalho dos irmãos mais velhos. Entendida no campo, que percorreu metro a metro nas propriedades da família. Romances, nenhum, pelo medo aos homens que podiam ser como o pai, abusador de menores, como o cunhado: para eles, era apenas mais uma fêmea para penetrar e assim dar-lhes prazer, perante o pranto de Victoria, atrocidades que lhe ensinaram a incapacidade de confiar e amar.

 A história oral Picunche coloca a mulher em segundo lugar, definindo o seu rol social como de apenas, ter filhos para criar, lavar, alimentar, tratar dos pais deles. Victoria foi capaz de guardar apenas para si, a afectividade que sentia por todos, um segredo apenas confiado a sua prima Alejandra Cárcamo e assim ninguém soubesse. Victoria é e resultado do seu tempo. Um tempo conturbado no nível global, calmo no nível local, definido no nível íntimo. Solitário, no emocional. No emocional pessoal. Porque há o costume de namorar, pololear como aí é dito en língua Picunche.

 Victoria estudava. O estudo a retirava do conjunto de assuntos de que não queria ouvir falar. A rapariga que eu conheci, era amável, é amável; era atenciosa, é atenciosa; era boa para comer, é boa para comer. Era divertida, e é. A rir, a festejar, a gostar de ir aos rodeos ou festas onde os homens correm a cavalo, para empurrar os animais novos, fazê-los suar, deitar fora o pelo da pele nova, ficarem mais mansos, mais domesticados pela subjugação aos homens. Assunto já não tão divertido e, no entanto, parte da festa do rodeo. Via, ouvia e calava, esse sofrer do animal: era veterinária, amava aos seus bichinhos, grandes ou pequenos. Para os conformar, festejava aos que corriam. Uma corrida masculina, que achou sempre injusta. Porque é que o masculino e o feminino não eram iguais? Porque é que as mulheres tinham que se subordinar aos homens? Sempre? Teorizava como José e Jesus eram subordinados a Nossa Senhora. O mito hispânico estava aí a funcionar. O mito Picunche só coloca a mulher shamã, essa que sabe mais porque cura, porque opera, porque trata de ossos partidos, porque tem o poder matrimonial de organizar casais, acima das outras pessoas. O resto do mulherio, era sempre inferior. O tempo de Victoria, é esse dos anos setenta, oitenta, noventa, anos que masculino e feminino trabalhavam igualmente, com ordenados que permitiam a independência deles todos… se fosse pago de forma justa e conveniente. Anos que acrescentavam mais trabalho na mulher. Público e doméstico Em consequência, a possibilidade de uma proximidade emotiva simples, de transferência amorosa, fraterna, leal não estava facilitada. Aos vinte e cinco anos, já a mulher era casada ou com filhos. Ou tinha uma profissão. Nos seus vinte e cincos, ela guarda o tempo para a sua profissão. Da pequena reguila a correr pelas ruas, passa a ser a mulher noiva que todos consultam e respeitam, confiam os seus pequenos caso seja preciso, e comentam os seus assuntos que ela ouve com a sabedoria que o quotidiano lhe dá. Quinhentos anos antes, teria sido já uma mulher mãe, ao pé das outras mulheres mães do mesmo cacique o chefe de família. Quinhentos anos depois, é a católica consultada e conhecedora das casas, das pessoas e das coisas. Com os costumes Picunche perto dela, que aceita sem perguntar e trata sem hierarquizar. No restaurante que Alexandra, ela e eu comíamos, era ela quem ia dentro da cozinha tratar de que a minha comida fosse feita da melhor maneira possível. Na pesquisa do arquivo, em silêncio e com tempo, construiu matematicamente a genealogia que orienta a minha escrita. São assim todas as mulheres Picunche, inquilinas hoje, ou proprietárias ou tecedeiras? Diria que nem por isso. A sua geração vestia-se como via na televisão, penteava-se como artista, seduziam aos rapazes que gostavam nas suas brincadeiras. É notável ver como no sítio de três mil habitantes dispersos pelas terras de Pencahue, o passeio é ir ao largo municipal e namorar aos abraços, em público. A descendência nova, esfrega-se, beija-se, fuma e namora ao mesmo tempo, senta-se nos bancos do largo, elas no colo deles, as conversas são sobre as outras pessoas, a chegada a casa é tarde e em silêncio, ouvidos surdos ao que os pais possam dizer. É um esplendor na relva universal e pública, com intimidades e abortos não permitidos pela lei, com bebés não permitidos, embora criados pelos pais. Uma alta percentagem de raparigas, acabam como empregadas domésticas na cidade de Talca, ou vão encher a fila de habitantes da Capital da República, Santiago. Enquanto eles, servem de motoristas, mecânicos, empregados de supermercados. E eles e elas, de prostitutos nocturnos na vizinha cidade, nos sítios privados que pagam os ricos para se divertirem com jovens do mesmo sexo, pagos ao proprietário do local em importâncias que até dava para uma família pobre, viver vários meses. A população urbana do sítio de Pencahue, é consumidora de drogas, de álcool, de divertimentos que não me permitem falar com o outro. Depois de falar com vários, apercebo-me que o que se procura é dinheiro, mas pelo meio mais curto possível. Num País que ficou sem trabalho para uma alta percentagem da população de fora dos centros urbanos interessantes para os investidores. Pencahue, essa terra Picunche, com os traços Picunche feitos europeus nos hábitos e sem meios para os materializar, oferece uma indústria de tratar madeiras, e duas em Talca: para manufacturar porcinos, e uma fundição, a da família Cruz; trabalho de jornaleiro no campo, necessidade de sair a emigrações nacionais, cuidados paternos e domésticos até tarde na vida. A maior parte da população que não vive do campo, recebe salários de empregos estatais. Pencahue é o sitio que incrementa o internacionalmente Produto Geográfico Bruto anual de incremento, de 3% sustido, porque não há força de trabalho ocupada e autónoma. Contrário à doutrina espalhada nos últimos 24 anos, a plena ocupação ou o pleno emprego é baixo, os postos de trabalho escassos e os sítios para trabalhar, longínquos. Como as indústrias de processamento da madeira de Constituição, o porto marítimo do mesmo sítio, e a transferência para os sítios de trabalho, em carros ou carrinhas partilhadas. É desta forma que o País tem incrementado as riquezas dos centros urbanos centrais, é dizer, de Santiago e de cidades de lazer, como Viña del Mar. Pencahue é pobre, porque o país é pobre. Um ordenado de jornaleiro acaba por ser de mil pesos (moeda nacional) por dia, o equivalente a novecentos escudos por dia. O salário mínimo mensal é de 40000 pesos (15€, ou 3.000$ Esc. em moeda antiga), sem imposições. As famílias precisam habitar sob o mesmo teto para compartir o que se ganha, porque a política de preços é cara. Um quilo de pão, três ou quatro unidades, é de quase 500 pesos. Eis que a população vive de chá e pão, ou sopa de abóbora, a penca que dá o nome a Pencahue. Um lugar de trabalhadores manuais, obrigatoriamente formados na escola e no secundário até à idade de 15 anos. Escolas dependentes das municipalidades, que podem conceder bolsas, se o Ministério da Educação assim o estimasse conveniente. O alegar de que nós é que amamos, é uma ironia minha, retirada da realidade de um País que dava emprego no exército à maior parte da população, e aos que não dava, expulsava, obrigava a sair do país, fazia desaparecer, matava fazendo parecer culpados os vizinhos inocentes. O que antigamente foi a saída para muitos homens, o exército, é hoje obrigatório para homens e mulheres. Muitos dos quais têm sido a guarda pessoal de determinadas famílias, como essa que se apropriara do vale de Pencahue, da antiga Hacienda Quepo e Los Almendros e Lo Figueroa. Terras todas entregues a familiares do proprietário do Chile por 24 anos já. O exército conta com 300.000 mil efectivos, dentro de uma população de 12 milhões de habitantes no País, com 60% de menores de 18 anos. Uma população nova, sem futuro. Muitos dos quais efectivos, habitam na área de Talca, Regimento de triste memória por ter servido de prisão a um alto número de pessoas. Regimento que bem conheço por dentro, na altura que fui de visita ao Chile nos anos setenta e que reparei que o dito Regimento não tinha espaço suficiente para tanto recruta, hoje em dia profissionais das forças armadas. Antigo caminho da saída da família, é hoje outra vez o trabalho melhor remunerado nas redondezas. Por haver campanha de guerra permanente contra todo inimigo, é dizer, todo o que pense diferente ao sistema central político. Nunca se sabe quem pensa de uma maneira e quem pensa de outra: o ordenado é quem manda. Ainda, hoje, enquanto escrevo estas linhas. O amor é resultado da política económica. Ainda que em Antropologia exista um debate sobre o assunto e se pense que não há relação entre economia e afectividade. Como o debate Dalton (1971), Polanyi (1957), e, recentemente, Humphrey e Hugh-Jones (1992), ao analisar sítios nativos, como se nesses sítios nativos não houvesse também um capital que manda. Como é demonstrado pelas guerras africanas de hoje – a Guiné-Bissau, como por exemplo, o Zaire, o Peru, a Indonésia, o Ruanda, o Iraque, a Macedónia, o Kosovo, outros. Quem é que hoje em dia, guarda os valores da memória social dos ancestrais, como já tenho debatido, mais têm elementos novos que vêm transformar essas memórias que, embora guardadas, ficam para um momento de melhor estabilidade. Não vi em Pencahue lar nenhum que fosse calmo no seu interior. Menos as pessoas do campo. Porque a concorrência é grande, é ilegítima, é à Henry de Montchrestien (1616), que no século XVII, já advertia no seu Traicté de l’OEconomie Politique, de que o capital levava as pessoas a lutarem umas contra as outras, os irmãos matarem os irmãos, os amigos, aos amigos. É verdade que tenho escolhido Victoria como elo, porque na sua família há zangas e mágoas que não são provenientes só dos problemas emotivos. Disse já no ensaio prévio, de que Clodomiro o pai, chegava a casa só com bebedeira e sem dinheiro. Que foi o que finalmente levou a mãe a pô-lo fora de casa. A economia acabava por descansar nela e em Rebeca, a irmã mais velha. Que também expulsa o homem por  causa do dinheiro, partilhado com outra E o seu primo Cárcamo, o Presidente do Concelho ou Alcalde, dá-lhe trabalho como secretaria. É entre mulheres que a casa anda. É entre mulheres que os afectos andam. Para um país em transição violenta, que nunca se sabe se haverá mais uma vez perturbações, ou a aparente calma vai continuar. Calma aparente, porque tenho visto todo lar a trabalhar enquanto o emprego possível aparece. Sim, nós é que amamos, mas assim. Sim, é o que sou, mas assim. Eis que Victoria escolhe o seu caminho, deixa o lar, estuda, trabalha, mora fora da casa doméstica. Como a maior parte do povo faz. Como tinha visto antes em sítios de bairros de lata, trinta e três anos antes. Como não me deixaram ver no dia que fui oficialmente convidado de volta ao Chile e queriam-me levar pela estrada de circunvalação da capital para eu não ver a pobreza da cidade. Tive sempre alguém que tomara conta das minhas conferências, para não falar do que pudesse ser pouco conveniente ao sistema. O que não quis ouvir. Como não oiço agora que escrevo o que sou, e persisto em escrever o que sou. Arisco o campo de concentração outra vez. Esse que Victoria nunca viu e do qual eu nunca falei. Como foi na Galiza antiga e que deixou marcas que sararam. Como as do Chile, que um dia talvez, venham melhorar. Como aos poucos, melhoram. Com as Victorias que sabem comportar-se, porque viveram um sistema durante estes vinte e cinco anos. Uma Victoria que, como tantos outros, prefere ignorar para viver em paz. Porque o que eles são, são dignos de saber ignorar, de não ouvir, de não ver, de calar. De ver, ouvir e calar. Como na Galiza necessariamente já não é. Foi. Mas foi esquecido. No Chile, é ignorado. Entre os Picunche, é outro tipo de assuntos mais pessoais o que os envolve, e nos quais se deixam envolver localmente para se afastar da sociedade global, que ainda não mudou como se quer e se luta para mudar como mudara, tão rapidamente, a Galiza que é orientada pela sociedade global. Ideias que passo a debater, como a minha metodologia comparativa.

O leitor que tire as consequências do relato do meu sonho, coloque cada ser hierárquico, no sítio mais conveniente…e entenderá a metáfora…penso eu…

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