Salpicos de Verão

“Menina prenda o seu melro / Que me vai à minha horta. / Esgaravata-me os tomates / À procura da minhoca”

Confesso que é o título mais foleiro que consegui arranjar. E, para isso, ouvi toda a pimbalhada epocal, da Ana Malhoa ao Álvaro dos Santos Pereira, da Assunção Cristas ao Quim Barreiros. Li e reli o Barcelos Popular. Da prosa miraculosa da Olga Costa (ó menina, 70 mil pessoas na Sra. da Aparecida nem Cristo no seu melhor aquando da multiplicação dos pães!) à literariedade jucunda dos escritos festivaleiros do Pedro Granja. Fui mais longe ainda. Esmiucei a mistela analítica e conselheiral de João Albuquerque e descobri que o engenheiro-cronista conseguiu parir uma “originalidade” doravante consagrada, estou certo, em todos os livros de citações. Assim: “todos os cidadãos devem assumir os seus plenos direitos e deveres.” Este “salpico de Verão”, que me parece resultante de um processo dialéctico de simplificação mental arduamente perseguido e finalmente encontrado, dignifica não só a “mente brilhante” capaz de o pensar como a coragem e o esclarecimento intelectual de quem o tornou público. E se dizem que os grandes líderes se definem por aquilo que fazem, eu acrescentaria também que se impõem pelo que dizem ou escrevem. Ora, a continuar assim, este “génio da banalidade” irá longe, muito longe.

Ouvi Passos Coelho no discurso do Pontal e recuperei o que Clara Ferreira Alves escreveu referindo-se à cabeça de Cavaco Silva como “o sexo dos anjos”. Coelho está claramente na mesma linha do grau zero do pensamento. À beira dele, o actual treinador do Benfica é um mestre da dialéctica e da oratória. Um e outro, Cavaco e Coelho, na impossibilidade manifesta de uma relação comunicacional minimamente inteligível (Vasco Pulido Valente acusou mesmo Passos Coelho de não saber escrever e aconselhou-o por isso a arranjar rapidamente quem escreva por ele), encarregam outros de o fazerem em vez deles … no Facebook! Ora “fazer política no Facebook faz tanto sentido como cozinhar no PowerPoint”, escreveu Ricardo Araújo Pereira. Estamos pois, quanto a isto, mais que conversados.

Fiquei a saber (outro “salpico”) que a dispensa da gravata (hábito que cultivo há muitos anos) faz poupar no ar condicionado e reduz as emissões de CO2. Ora, eu não sabia que, nos ministérios deste governo de eunucos e aldrabões, a gravata era um penduricalho indispensável, uma paneleirice obrigatória. Soube-o agora. Como também fiquei a saber que a dispensa do seu uso requer o competente despacho ministerial. A medida, que Cristas baptizou de “ar cool”, se para alguns mostra que o ridículo não tem limites, para outros, vem comprovar a possibilidade bem real de concretização daquilo que João Pereira Coutinho designou como “strip-tease de austeridade”! E poderia conduzir a que, qualquer comportamento que implicasse a dispensa progressiva de uma peça de roupa enquanto base de poupança, teria direito a uma progressão na carreira. E como os exemplos devem vir “de cima”, a imagem da própria ministra fotografada em cuecas no seu gabinete de trabalho, seria um excelente exemplo de poupança ministerial. Uma daquelas “medidas simbólicas” de grande efeito mediático, se bem que de gosto algo duvidoso, diga-se.

E deste ministério de Cristas, veio mais um “salpico de Verão” – a proibição do tiro ao melro. Medida de excepcional alcance na poupança daquela simpática avezinha de plumagem escura e suave, a despertar metáforas de sugestividade erótica e, por isso mesmo talvez, objecto de culto poético consagrado na brejeirice da quadra que se segue: “Menina prenda o seu melro / Que me vai à minha horta. / Esgaravata-me os tomates / À procura da minhoca”.

Chegado aqui, interrogo-me: Por que será que não consigo levar esta merda a sério? Mas a “coisa” é simples: como levar a sério um governo que vende aos angolanos um banco, limpinho de passivo, pelo mesmo preço que Pinto da Costa vendeu o avançado Falcão? E como levar a sério um presidente da República que, juntamente com a filha, lucrou em menos de dois anos, um total de 375 mil euros (mais ou menos o que ganhará um português médio ao longo de uma vida inteira!) num negócio de ocasião com as acções de uma empresa que controlava o BPN, vertiginosamente valorizadas em 140%? E como levar a sério um país cuja justiça permite que Dias Loureiro, principal responsável pelo crime do BPN, continue sem ser acusado de nada e nada tenha em seu nome, “nem mesmo o famoso taco de golfe que mandou fazer no Japão e que garante ser o melhor do mundo?”

Acho que só me resta mesmo recorrer ao mestre-astrólogo professor Fatí que “ajuda a resolver problemas quanto mais difíceis ou graves são”. Trabalho garantido, pagamento facilitado. É isso. Pois não devemos, nós todos, assumir os nossos “plenos direitos e deveres”? A questão é que nem este “génio do óbvio” consigo mesmo levar a sério! E será que deveria fazê-lo?

Luís Manuel Cunha in Jornal de Barcelos de 23 de Agosto de 2011.

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